A Constituição Federal – ainda – dispõe que os cidadãos somente estão obrigados por aquilo que estiver previsto em lei, estabelecendo assim o princípio da legalidade. Esse princípio, combinado com a sistemática kelseniana de nosso ordenamento jurídico, resulta na necessária observância dos atos normativos infralegais ao conteúdo das leis material e formalmente consideradas. Dessa forma, todo e qualquer ato normativo infralegal que inove o ordenamento jurídico, sem, contudo, encontrar fundamento na lei que supostamente lhe dá suporte, é ilegal e não pode produzir efeitos.
Na qualidade de atos infralegais, enquadram-se, entre outros, as Instruções Normativas expedidas pela Secretaria da Receita Federal, cuja função é clarificar as leis de forma a possibilitar sua execução no âmbito das repartições fiscais. Ou seja, têm caráter interpretativo e nem se dirigem aos cidadãos, mas aos funcionários da administração, tal como já declarou o Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 536/DF.
Pois bem. São de conhecimento amplo as inovações trazidas pelo texto da Medida Provisória nº 252/05, apelidada de MP do Bem à época de sua edição. Tal medida provisória, no entanto, já havia perdido seus efeitos quando, por meio de manobra congressista, muitos dos seus dispositivos foram incluídos na Lei nº 11.196/05 (Lei de conversão da Medida Provisória nº 255/05), publicada em 22.11.2005.
Assim, com o advento da Lei nº 11.196/05, voltou a vigorar a isenção do imposto de renda sobre o ganho auferido nas operações de venda de imóveis residenciais quando realizadas por pessoas físicas, com a condição de que o produto da venda se destine, no prazo de 180 dias a contar da data da venda, à aquisição de outro imóvel residencial. O texto do art. 39 da referida lei é bastante claro em exigir que se "aplique o produto da venda na aquisição de imóveis residenciais localizados no País."
Entretanto, contrariando o princípio constitucional da legalidade e extrapolando sua competência, a Instrução Normativa SRF nº 599, de 28 de dezembro de 2005, editada pela Receita Federal, impôs limitação à fruição da isenção em comento não prevista na lei que pretensamente veio normatizar.
A malfadada Instrução Normativa dispõe, no inciso I do §11 de seu art. 2º, que a isenção de que trata a Lei nº 11.196/05 não se aplica às vendas de imóveis residenciais com o objetivo de quitar, total ou parcialmente, débito remanescente de aquisição a prazo ou à prestação de imóvel residencial já possuído pelo alienante.
Partindo-se da premissa, que se supõe verdadeira, de que os atos infralegais não podem ir além daquilo que o texto da lei que lhe dá validade permitiu, vejamos se a hipótese trazida pela Instrução Normativa SRF n° 599/05 merece ser excetuada. Ora, se os imóveis envolvidos na operação são residenciais, e os demais requisitos tanto quanto observáveis estão preenchidos, não importa se o ganho auferido quitará parcela ou total de débito de contrato de compra e venda do imóvel adquirido, menos ainda se o contribuinte está na posse ou não do imóvel objeto da aquisição, pois, com certeza, estará aplicando o produto da venda na aquisição de imóvel residencial.
É de se concluir, portanto, que a regra de exceção trazida pela Instrução Normativa SRF nº 599/05 em nada se coaduna com a lei, ferindo o princípio constitucional da legalidade e indo de encontro com a máxima hermenêutica de que onde a lei não distinguiu não cabe ao intérprete fazê-lo. Outrossim, seria de se considerar flagrante agressão à isonomia tributária, uma vez que juridicamente a situação excetuada em nada se difere, por exemplo, da quitação de compra a prazo de imóvel do qual o contribuinte não tenha a posse, hipótese que pela própria Instrução Normativa seria isenta.
Inclusive, ressalte-se, a combatida exceção colide com os ideais perseguidos pela lei e expressados na exposição de motivos da então Medida Provisória nº 252/05, que deu origem à isenção em questão, donde se extrai a idéia de amplo e irrestrito incentivo ao mercado imobiliário ao esclarecer que o objetivo é o "de reduzir os custos tributários, de modo a dinamizar o mercado imobiliário, e estimular o financiamento de imóveis e a construção de novas unidades."
Enfim, diga-se, as instruções normativas expedidas pela Secretaria da Receita Federal não são lei, nem se lhe equiparam. Quando muito, são normas derivadas da lei, sem a qual caem no vazio. Assim, a imposição de restrições não previstas em lei por instrução normativa não tem validade legal; a ninguém pode obrigar, merecendo repúdio de nossa doutrina e Tribunais a exceção indevidamente criada no inciso I do §11 do art. 2º da Instrução Normativa SRF nº 599/05.