Que as pessoas não se sintam representadas por A ou B é absolutamente normal, todos nós já passamos por situações semelhantes – e este é o lado democrático da política: apresentar representações diversificadas.
Quantas vezes procuramos uma terceira opinião sobre algum fato, com amigos, médicos, advogados? Isto é absolutamente normal, aliás, recomendável, para que se obtenha uma margem mais confortável e segura, como garantia nas informações e assim se possa agir com maior racionalidade. Até aí tudo bem.
O problema é que a eleição de 2018, a partir do final do 1º turno, balizou-se pelo Princípio do 3º Excluído, isto é, simplesmente existiam apenas duas escolhas possíveis: sendo uma, a do fascismo, absolutamente descredenciada de razoabilidade. No meio do caminho, os “eleitores inúteis” encontraram um tipo de 4ª via, desplugada de tudo, e se abstiveram, demonstrando-se toda sua inépcia e irresponsabilidade política.
Em 2020, muitos desses capitães do sofá – aliados em comodidade, dormência, cinismo e hipocrisia, aos capitães do mato – já recebem a alcunha de “arrependidos”, assim como muitos aduladores do poder ideológico e obtuso em 2018, porque, ainda que não sejam esclarecidos de seus malefícios absenteístas, já teriam sentido alguns efeitos no bolso ou na pele.
De algum modo, os absenteístas sentiram alguns efeitos do chamado “choque de realidade”. Ou seja, em conjunto a outros parvos da política, alguns, poucos talvez, “caíram na real”. Mas, será mesmo que são capazes de entender o que vivemos como pandemia, pandemônio e necropolítica?
Em adequação à área de conforto, seja o sofá do eleitor inútil seja o grupo do famoso “tiozão do WhatsApp”, os parvos da política seguem colaborando com o fascismo. Por ação (recomendação divina ou governamental) ou omissão, no caso do cidadão do sofá absenteísta, o fascismo continua sua trajetória de necrofilia declarada em ato de posse ministerial.
Tanto o tiozão quanto o fascista travestido de liberal, esse sujeito que acha que está tudo bem, jamais serão capazes de uma “cosmopolítica”, exatamente porque o umbigo não permite que se movam e vejam um centímetro político fora da estreita e egoísta visão direita.
O olho esquerdo para essa gente, contando o seu próprio, há de ser míope e comunista. A visão de mundo dessa gente é monofásica, unilateral, analógica e terraplanista. Também não traz estranheza que, eleitores inúteis e tiozões do WhatsApp, comunguem suas receitas de vida nos movimentos anti vacina, na cloroquina, na geração espontânea, no criacionismo.
Para esses vesgos políticos, será preciso que caia a obrigatoriedade do isolamento vertical, como querem os donos do capital, para que milhares de corpos sejam empilhados, numa fase genocida da necropolítica atual.
Contudo, isso será suficiente para que vejam alguma coisa? Ou mansamente continuarão a crer que se assim tinha que ser, afinal, as Pragas do Egito também são brasileiras? Os parvos eleitores inúteis morrerão de COVID-19, ou outra coisa qualquer, ainda alegando que “ninguém os representava”?
Realmente, na Virologia Política, é mais fácil um camelo passar no buraco da agulha do que, mesmo nesse quadro de mortandade seletiva, aduladores e absenteístas se incomodarem com a morbidade de Jekyll e Hyde, o médico e o monstro – reunidos num só produto mercantil patológico e sociopata da necropolítica avançada –, pronto e ávido para matar idosos a fim de poupar recursos.
Não é fato que muitos aceitam 30, 40, 50 mil mortes, como se fora uma conta suportável para o açougue da carne humana? Qual é o limite suportável? 100 mil mortes, um milhão de pessoas? É demais supor que se faça uma conta de menos na burocracia gestora da saúde pública ou do INSS?
A lógica da necropolítica, genocida no Brasil em 2020, tem várias correias de transmissão: trabalhadores podem morrer tranquilamente, uma vez que os milhões de desempregados farão a reposição de mão de obra; o sistema público de saúde pode estourar, entrar em colapso total, posto que só atende pobres e negros; quanto mais morrerem idosos, maior a margem de lucro porque diminui drasticamente o impacto no pagamento de aposentadorias.
Quando olhamos para esse cenário é difícil não concordar com Nelson Rodrigues (o maior explicador do Brasil), pois os imbecis tomaram o poder e o controle. Não por sua engenhosidade, mas sim pela quantidade que se prolifera em razão superior ao próprio contágio do novo corona vírus.
Em termos de referência metodológica, esta é a melhor demonstração de viabilidade analítica disto que denominamos de Virologia Política – a fase posterior da Licantropia Política, do pós-2016.
O problema, daqui pra frente, é que, como sempre sofrem de alucinação política, têm consciência em retardo, típica de classe média, continuam percebendo muito tardiamente os piores efeitos políticos. Hoje, o horror político segue bem postado como fase crônica da necropolítica matadora de pobres e de negros, idosos e indígenas.
Em suma, nada garante que hoje os eleitores inúteis façam oposição ao fascismo, dado o nível de comprometimento de seu sedentarismo político. Ou seja, é demais pressupor que em 2020, caso haja eleições, ou em 2022, repetirão as mesmas escolhas políticas ruins?
Alguém já viu uma declaração desse tipo de “eleitor inútil”, desabonando sua inércia e incapacidade política em 2018 e conclamando à resistência contra o fascismo? Se houve, são muito poucas demonstrações de autocrítica e de desfazimento das ilusões de quem vive sentado no muro. Pois, no que é pior, quando este muro balança muito, invariavelmente, sempre caem para a direita.
Não é de se esperar muita coisa diferente, tamanha insensatez política demonstrada até aqui, em sua incessante inércia ou putrefação política – tanto quanto os fascistas estão preparados para outros pactos com as piores e mais horrendas formas de cadaverina política. Portanto, e por fim, a real diferença, em relação aos Pilatos tupiniquins, é que não se limpa as mãos sujas de sangue.
É este o futuro que nos espera? Com a palavra, os inúteis políticos de sempre...
O BOLSONARISMO E A CADAVERINA POLÍTICA
Este texto é resultado e provoca um fenômeno típico: Ânsia Política.
• O inquilinato político de Jekyll e Hyde: o médico e o monstro. • Conclusão da necropolítica: do absenteísmo à putrefação, em vida, da política.
Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).
Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi
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