5. Os crimes contra a organização do trabalho e a nova competência da Justiça do Trabalho: Ministério Público do Trabalho e transação penal - casuística
Ultrapassado o questionamento da competência criminal da Justiça do Trabalho, qual o critério a ser utilizado na definição da jurisdição penal trabalhista? Quais os limites dessa jurisdição?
Começam já a surgir teses pregando que o marco de competência seja fixado em prol da Justiça especializada sempre que a "elementar do tipo" invocar a relação de trabalho. Assim, naturalmente os crimes contra a organização do trabalho, o art. 149. do CP, o art. 297, §3º e 4º, do CP, a contravenção penal do art. 19, §2º, da Lei 8213/91, estariam na órbita da Justiça laboral.
Porém, o critério não é válido, porquanto o estelionato resultante de fraude ao seguro-desemprego e ao FGTS (art. 171, caput, do CP), o crime de periclitação à vida ou à saúde nos casos de exposição do trabalhador a risco (art. 132, caput, do CP), a contravenção penal de retenção indevida de CTPS (art. 3º da Lei 5553/68), as discriminações raciais, religiosas, de orientação sexual praticadas na relação de trabalho (Lei 7716/89), e ainda os crimes contra as pessoas portadoras de deficiência (Lei 7853/89), pelo tipo não conter qualquer menção à relação de trabalho ou à direito trabalhista, fugiriam do alcance da Justiça laboral. De idêntica forma, ficariam fora da jurisdição penal trabalhista os crimes de admissão irregular de servidor (art. 1º, XIII, do Dec.-Lei 201/67), de inversão de pagamento da Administração Pública sem vantagem ao erário nos precatórios trabalhistas (art. 1º, XII, do Dec.-Lei 201/67), de lesão corporal culposa (art. 129, §6º, do CP) e homicídio culposo em acidente do trabalho (art. 121, §3º, do CP), falsidade ideológica (em recibos em branco, controles paralelos de jornada – art. 299. do CP), outros crimes de discriminação no emprego das Leis 9099/95, Lei 10741/03, (trabalho da mulher, idosos), etc.
O critério científico, pois, de fixação da competência criminal trabalhista, há de ser ex rationae materiae, na consonância do art. 114. e seus incisos: se da relação de trabalho (aí compreendidas as relações sindicais e as resultantes do exercício do direito de greve) decorrer uma conduta típica, antijurídica e culpável, não importando o tipo penal envolvido, a ação penal que nasce para o Ministério Público (do Trabalho) é da alçada da Justiça do Trabalho.
À guisa de exemplo, é possível citar os seguintes precedentes na Justiça do Trabalho:
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-Termos Circunstanciados ns. 001-A-2005/SR/DPF/Itajaí, 001-B-2005/SR/DPF/SC e 0016/2005-SR/DPF/SC, lavrados pela Polícia Federal e encaminhados, respectivamente, às Varas do Trabalho de Indaial (ADV n. 01028-2005), Joaçaba (ADV n. 00645-2005) e Curitibanos (ADV n. 00681-2005), todos com transações penais propostas pelo MPT, aceitas pelos indiciados e homologadas pelo Juízo trabalhista, em cumprimento;
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-Notícias-Crime n. 01592-2005 e 01631-2005, da Vara do Trabalho de Indaial, e 01437-2005, da 2ª Vara do Trabalho de Rio do Sul, todas com transação penal em cumprimento.
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-Denúncia-Crime n. 06578-2005-026-12-00-0, em processamento na 3ª Vara do Trabalho de Florianópolis, com sursis processual concedido aos denunciados;
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-Denúncias-Crimes n. 04582-2005 (4ª Vara do Trabalho de Florianópolis), 05476-2005 (4ª Vara do Trabalho de Florianópolis), 00905-2005 (Vara do Trabalho de Caçador), 04104-2005 (1ª Vara do Trabalho de Blumenau), 00893-2005-042-12-00-2 (Vara do Trabalho de Curitibanos), 00890-2005 e 00891-2005 (estas últimas da competência originária do TRT da 12ª Região, considerando a prerrogativa de foro dos prefeitos), em andamento.
Em dois casos (autos 04582-2005 e 05476-2005), a competência criminal está sendo discutida no TRT, em grau de recurso (ante a declinatória do Juízo trabalhista de 1ª Instância), sendo que o segundo entrou em pauta em 29.11.2005, aguardando a decisão da Corte trabalhista catarinense.
E existe pelo menos uma transação penal integralmente cumprida, que é a dos autos n. 01028-2005, da Vara do Trabalho de Indaial, com extinção da punibilidade do agente decretada pelo Juiz do Trabalho.
Nos casos citados, de transação penal (compreendendo o sursis processual), o MPT tem oferecido a possibilidade nas hipóteses previstas na legislação (art. 61. da Lei 9099/95, c/c art. 2º, §2º, da Lei 10259/01, e art. 76. da Lei 9099/95), que constituem, em verdade, a grande maioria dos tipos penais sujeitos, nesse primórdio de prática processual penal trabalhista, à jurisdição laboral.
Acrescente-se que a transação penal trabalhista tem agregado um elemento pedagógico importantíssimo na jurisdição laboral, na medida em que se tem fixado ao indiciado a obrigação de comparecimento mensal no juízo trabalhista com a inclusão de aspectos próprios laborais, como a exibição do livro de registro de empregados, das guias de recolhimentos previdenciários e do FGTS, PPRA, PCMSO, comprovantes de entregas de EPI’s – quando se tratar de empregador, e da CTPS, quando se tratar de empregado (v.g. no estelionato por fraude ao seguro-desemprego), bem assim, de freqüência a cursos obrigatórios de direitos trabalhistas, prevenção e acidentes do trabalho, segurança, medicina e higiene do trabalho. No vazio legislativo da Lei 9099/95, os Juízes do Trabalho, diferentemente da Justiça Comum, e consoante a praxis judiciária trabalhista, têm realizado audiências nos comparecimentos mensais, valorizando o ato e realçando o caráter pedagógico da pena restritiva de direitos aplicada.
Nem se argumente que, em face das transações penais ocorridas, o MPT e a Justiça do Trabalho estariam "banalizando" as condutas criminosas trabalhistas, por ser impossível, por todo o exposto, diminuir ou banalizar aquilo que não é exercido, sendo certo que, como fiscal da lei, o Parquet laboral deve velar pelo efetivo cumprimento da lei processual penal, garantindo ao acusado criminal trabalhista, o permissivo transacional nos delitos de menor potencial ofensivo na forma como definidos pela legislação.
Apenas para ilustrar, os seguintes tipos penais foram abordados nesse prelúdio de prática processual penal trabalhista:
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Código Penal: art. 132, caput; art. 171, caput; art. 203, caput (na forma da Súmula 115 do TFR); art. 288, caput; art. 297, §§3º e 4º; art. 299, caput; art. 355, parágrafo único;
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Legislação Penal esparsa: art. 19, §º2, da Lei 8213/91; art. 3º da Lei 5553/68; art. 1º, XIII, do Dec. Lei 201/67; art. 89. da Lei 8666/93; art. 20. da Lei 7716/89.
Obviamente que, conforme a competência criminal trabalhista se consolida, novos tipos deverão ser acrescentados a esse rol.
6. Conclusões
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A luta por seu espaço no contexto judiciário nacional, tem, ao longo do tempo, trazido inúmeras mudanças positivas e avanços para a Justiça do Trabalho e para o Ministério Público do Trabalho, aos quais a EC 45/04 garantiu idêntica simetria em relação aos demais ramos, com ganhos para a sociedade.
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O princípio ou teoria da unidade da convicção, resguardado pelo STF, implica na necessidade de se reconhecer que o crime nascido da relação de trabalho seja processado e julgado na Justiça do Trabalho, competente para a ação trabalhista.
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A atração da jurisdição penal trabalhista se dá pelo critério de competência material exposto no art. 114. da Constituição da República, ou seja, se a ação penal nascer da relação de trabalho, da relação sindical ou do exercício do direito de greve, não importando o tipo envolvido.
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Não há conflito entre a competência criminal da Justiça do Trabalho e o art. 109, V-A, e VI, da Constituição, na forma da Súmula 115 do extinto TFR e do §5º do art. 109.
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Nas atividades do Parquet Trabalhista cabe promover a ação penal pública, privativamente, na própria Justiça do Trabalho, quando a conduta típica, antijurídica e culpável decorrer da relação de trabalho, abrangidas as questões sindicais e que envolvam o exercício do direito de greve.
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A legitimidade/atribuição penal do Ministério Público do Trabalho está plenamente assegurada na Constituição (art. 129, I) e na LOMPU (arts. 6º, V, 83, I, e 84, caput, da LOMPU), sendo que interpretações restritivas ou contrárias esbarram no princípio da reserva legal, contido no §2º do art. 5º da LOMPU.
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A competência da Justiça do Trabalho em matéria criminal resgata a dignidade da jurisdição trabalhista e consolida o respeito aos direitos sociais conquistados e à atuação do órgão defensor da sociedade por excelência, o Ministério Público do Trabalho.
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O exercício da ação penal trabalhista na Justiça do Trabalho possibilitará, em curto prazo, diminuir sensivelmente as ocorrências de investidas criminosas comuns nas relações de trabalho concernentes a trabalho e salário sem registro, truck-system, cooperativismo irregular, discriminações e fraudes diversas, acarretando diminuição de ações trabalhistas e acrescendo elemento de valor e qualidade à jurisdição especializada.
Notas
[01] In Revista LTr.-69-07/811, Julho de 2005, pp. 811-7.
[02] Passa-se a citar trechos do livro História do Trabalho, do Direito do Trabalho e da Justiça do Trabalho, de autoria conjunta de IRANY FERRARI, AMAURI MASCARO NASCIMENTO e IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO, nos estudos em homenagem a CASIMIRO COSTA (São Paulo: LTr, 1998), por especiais, no que concerne à história da Justiça do Trabalho e sua relação com o tema desta dissertação.
[03] Em 21.10.2005, na cidade de Florianópolis – Painel Moralidade Pública nas Relações de Trabalho.
[04] O relator, Ministro JOAQUIM BARBOSA, nos autos do RE 398041, que trata da matéria, votou no sentido de conhecer e dar provimento ao recurso para anular o acórdão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, devolvendo para o julgamento final da apelação.
[05] TRF 1ª Região, Ac. unânime 3ª Turma, julg. em 14-09-04, Recurso Criminal n. 2003.41.00.004263-1/RO, Relator Desembargador Federal TOURINHO NETO.
[06] TRF 1ª Região, Ac. unânime 3ª Turma, julg. em 12-05-04, Recurso Criminal n. 2003.41.00.003994-5/RO, Relator Desembargador Federal CÂNDIDO RIBEIRO.
[07] Em recente decisão do STF, de 28.06.2005, no julgamento do HC 85096, o Ministro Relator SEPÚLVEDA PERTENCE deixou assentado que: "sendo o habeas corpus de natureza penal, a competência para o seu julgamento será sempre de juízo criminal, ainda que a questão material subjacente seja de natureza civil, como no caso de infidelidade de depositário em execução de sentença".
[08] Em 06.08.2002, a 3ª Turma do TRF da 1ª Região, anulou, de ofício, o processo, a partir do recebimento da denúncia, e julgou prejudicada a apelação do réu, por entender incompetente a JF. Desta decisão, pende o recurso extraordinário citado.
[09] Necessário enfatizar a insuficiência dos meios comuns de atuação do MPT junto à Justiça do Trabalho: ação civil pública e ação civil coletiva são insuficientes para debelar ilícitos trabalhistas graves como o falso cooperativismo.
[10] "A Emenda Constitucional n. 45/2004 e a Competência Penal da Justiça do Trabalho", in Nova Competência da Justiça do Trabalho, São Paulo: ANAMATRA/LTr, 2005, p. 222. - as notas a seguir, são extraídas do próprio texto do referido autor.
[11] "STF CJ 6.959-6 (DF) - Ac. Sessão Plenária, 23.05.90 - Rel. Ministro Sepúlveda Pertence - Revista LTr. 59-10/1370."
[12] "Idem, relator Min. Sepúveda Pertence."
[13] "Cf. CORRADO, Renato, apud MARANHÃO, Délio Direito do Trabalho - Rio de Janeiro: FGV, 1966, p.29"
[14] ‘Cf. As Nulidades no Processo Penal - 5 ed. revista e ampliada - São Paulo: Malheiros Editores, 1996. p. 60."
[15] "a exemplo das demandas em que o sindicato, como substituto processual, litigava contra o empregador sem alteração da competência trabalhista."
[16] In Competência da Justiça do Trabalho: Aspectos Materiais e Processuais, São Paulo: LTr, 2005, pp. 87-8.
[17] Lei orgânica do Ministério Público da União: lei complementar nº 75, de 20 de maio de 1993. Brasília: Ministério Público Federal, 1993, p. 09.
[18] Neste diapasão, já sustentamos: "Logo, por interpretação extensiva-analógica, e pelo sistema jurídico pátrio não comportar distinção de qualquer espécie entre os ramos do Ministério Público, todos de igual relevo e importância, independentes e harmônicos entre si, desde a edição da LOMPU em 1993, é possível o entendimento de que o Ministério Público do Trabalho exercerá as suas funções nas causas de competência de quaisquer juízes e tribunais, para defesa de direitos e interesses coletivos quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos, de direitos e interesses de menores, incapazes e índios, decorrentes das relações de trabalho, do meio ambiente do trabalho, de bens e direitos de valor social." In Revista LTr. 69-07/814, vol. 69, n. 07, julho de 2005.
[19] In REVISTA LTr. 64-02/157 (O Processo do Trabalho e os Direitos Individuais Homogêneos – Um Estudo sobre a Ação Civil Pública Trabalhista), fev./2000.
[20] No particular, o então Presidente da AJUFE, Juiz PAULO SÉRGIO DOMINGUES, em palestra proferida no Curso de Extensão em Trabalho Escravo da Faculdade de Tecnologia e Ciências da Bahia, no Museu Eugênio Teixeira Leal, em Salvador (de 17 a 22 de março de 2003), sustentou que dificilmente um juiz federal rejeitaria denúncia-crime pelo simples fato de ser ajuizada pelo MPT.