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Crucifixos em prédios públicos:

uma falsa polêmica

16/05/2020 às 15:20
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Afinal, o que pretendem os autores da ação que tramita no STF: exercer pelas vias legais o ódio ao catolicismo ou "defender" o Estado laico?

Naturalmente o grande assunto do momento é a pandemia covid-19.

Mas isso não impede, ou ao menos não deveria impedir, que a atenção se volte a outros assuntos de notável importância. Um deles, especialmente oportuno, é a tentativa de proibir símbolos religiosos em espaços e prédios públicos. Ou melhor: a retirada dos crucifixos ali entronizados desde há muito.

A justificativa é a velha laicidade do Estado, aqui em sua versão mais distorcida. Porque Estado Laico é simplesmente aquele que não tem religião oficial, garantindo ampla liberdade religiosa, sem intrometer-se em ortodoxias e práticas religiosas (desde que não afrontem claramente o ordenamento jurídico e a ordem natural).

Definitivamente, o adjetivo “laico” não se iguala a “ateu” ou “antirreligioso”. Estados comunistas são ateus. Estados democráticos não são ateus nem antirreligiosos. No caso do Brasil, há mais um detalhe: a proteção de Deus é o fundamento de validade do ordenamento jurídico, invocada no preâmbulo da Constituição Federal para salvaguardar o Estado, as leis e a sociedade brasileira.

E que Deus é este? Por necessidade metafísica eu poderia dizer: o único e verdadeiro. Limito-me porém a afirmar que é o Deus professado pela esmagadora maioria da população, amalgamado na gênese da formação do Brasil: o Deus judaico-cristão.

Como a Constituição Federal garante a amplitude da liberdade religiosa, sob a própria proteção divina, ninguém poderá sentir-se por isso ofendido ou, em razão da crença nessa proteção, se ver relegado ao plano da subcidadania. Absolutamente incompreensível é a obstinação com que certos grupos tentam apagar os rastros do divino dos espaços humanos.

Não há Ocidente sem filosofia grega, sem Direito Romano, sem Cristianismo. O Brasil não apenas herda todos os três fundamentos da civilização, como ele próprio nasceu do esforço apostólico de Portugal.

O primeiro nome que lhe deram foi Terra de Santa Cruz. Em sua primeira bandeira esteve a Cruz da Ordem de Cristo. Em seu primeiro ato solene, dizia-se a Santa Missa. Mesmo hoje, e isso é facilmente constatável. Inúmeras cidades e Estados ostentam, no nome de cada qual, santos ou símbolos da fé católica. São Paulo, a principal cidade do país, foi fundada por jesuítas; a capital nasceu de um sonho profético de São Dom Bosco e faz aniversário no mesmo dia em que Roma, cidade de escolha divina para a expansão da fé católica aos quatro cantos do mundo.

Desrespeitar tudo isso não é privilegiar a visão laica de Estado, mas atacar os fundamentos morais do país, seu selo distintivo, sua história, sua cultura e sua identidade.

Desde a proclamação da república o país vive em vertiginosa queda. Há um trabalho vigoroso para pisotear suas tradições e a ordem moral em que se fundam. A tentativa de proibir “símbolos religiosos” nos espaços e prédios públicos é uma forma cínica de dizer: queremos arrancar crucifixos.

E isso não é obra apenas de marxistas, socialistas, materialistas em geral. Isso conta com o inexplicável apoio de alguns cristãos.

Compreendo que novos espaços públicos, novos prédios, não tenham símbolo religioso algum. Não gosto; porém, vá lá, aceito com algum esforço.

O que não compreendo, e considero inaceitável, é a gana diabólica com que tentam retirar os símbolos da cultura que já estão lá, não poucos há mais de século, edulcorando os prédios do Estado com a mais poderosa mensagem de amor que pode haver.

Não colocar mais símbolo daqui em diante até pode ser encarado como alguma homenagem à laicidade do Estado e ao caráter plural da sociedade brasileira. Arrancar o que já se encontram em seus devidos lugares, contudo, é demonstrar, além de um desconhecimento magnífico da importância da religião na cultura de um país, e deste país em particular, uma hostilidade deliberada e rancorosa contra a fé católica.

No fundo é o que pretendem os autores da ação que tramita no Supremo Tribunal Federal: exercerem pelas vias legais o ódio ao catolicismo.

Uma minoria de militantes anticristãos deforma a essência das funções públicas e desrespeita a vontade, os sentimentos e os valores da expressa maioria da população brasileira.

Dentro de um contexto lógico, histórico, coerente, aquele que se sente ofendido pelo simples fato de um crucifixo adornar a parede de uma repartição pública precisa urgentemente de um psiquiatra. Não é possível que alguém são se incomode tanto com algo em que não acredita. Se há incômodo, isso se deve mais ao ódio pelo próprio símbolo do que a qualquer outra razão.

Não é preciso fé cristã para enxergar a beleza, mesmo que apenas literária, de um Deus que se sacrifica pela humanidade, que morre por amor aos que o matam. Se causa irritação a mera lembrança do maior gesto de bondade já registrado, o problema não é de ordem jurídica, é psiquiátrica.

Estive em Israel, onde visitei prédios públicos e achei muito bonito o cuidado de todos com a Estrela de Davi ou o Menorá, símbolos da fé judaica; estive na Turquia, visitei prédios públicos e em todos vi o Crescente, ícone do islamismo; na Grécia, ícones e crucifixos ortodoxos. Em nenhum desses lugares me senti ofendido por não ser judeu, muçulmano ou ortodoxo. Muito pelo contrário. Senti-me confortável, pois eram lugares onde a sugestão do divino não era questionada, atacada, esvaziada, tripudiada.

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Nem mesmo na Inglaterra me senti ofendido quando visitei abadias e catedrais erguidas por católicos e tomadas à força por anglicanos. Vi o brasão do Reino Unido nos lugares onde deveriam estar os brasões papais, respeitei e segui adiante.

É fundamental respeitar a fé, a história, a cultura e a tradição de um povo. Contendas estéreis somente geram ressentimentos e aprofundam divisões.

A ação em trâmite é um escárnio ao bom senso, uma agressão violenta aos mais íntimos sentimentos da esmagadora maioria de homens e mulheres brasileiros. É autoritarismo ideológico.

A cada dia aumenta o ódio à fé cristã, a ponto de se poder falar, sem exagero, em cristofobia. Nenhum grupo é mais perseguido, ridicularizado, espezinhado que o dos cristãos, aquele que curiosamente é o da maioria. É algo sobre o que devemos todos refletir.

Não obstante, é preciso lembrar: nem Estados totalitários conseguiram destruir a fé cristã.

Os comunistas em Cuba proibiram o catolicismo, que resistiu heroicamente e hoje tem novamente alguma liberdade no regime autoritário da ilha; na antiga URSS, perseguiram os cristãos ortodoxos. A fé não morreu. O regime comunista caiu, e a Igreja Ortodoxa manteve-se de pé, com a beleza de sua liturgia e de seus cantos. O símbolo mais conhecido da Rússia atual são justamente as torres com as cúpulas da Catedral de Moscou. Os comunistas da antiga Alemanha Oriental proibiram os católicos de professar a fé. O muro que construíram foi derrubado, mas o cristianismo perseverou e continua presentes naquela porção da Alemanha unificada.

Anos atrás, a mesma discussão se deu na Itália e caminhou até o Tribunal de Direitos Humanos da União Europeia em Estrasburgo. E o Tribunal decidiu que os crucifixos deveriam permanecer onde estavam e, em especial, nas escolas públicas. A presença deles não ofendia sentimentos religiosos ou o Estado laico. Externava apenas a identidade e a cultura geral do país.

Lutemos pela permanência dos crucifixos. Porém, mesmo na diabólica hipótese de que os retirem, a fé remanescerá viva, indestrutível, como virtude em união íntima com a esperança e fundamento do verdadeiro amor. Porque, em verdade, o Estado nada pode contra o poder que vem do alto.

Em 20 de abril de 2020 [Annus Horribilis]

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Sobre o autor
Paulo Henrique Cremoneze

Sócio fundador de Machado, Cremoneze, Lima e Gotas – Advogados Associados, mestre em Direito Internacional pela Universidade Católica de Santos, especialista em Direito do Seguro e em Contratos e Danos pela Universidade de Salamanca (Espanha), acadêmico da ANSP – Academia Nacional de Seguros e Previdência, autor de livros jurídicos, membro efetivo do IASP – Instituto dos Advogados de São Paulo e da AIDA – Associação Internacional de Direito do Seguro, diretor jurídico do CIST – Clube Internacional de Seguro de Transporte, membro da “Ius Civile Salmanticense” (Espanha e América Latina), associado (conselheiro) da Sociedade Visconde de São Leopoldo (entidade mantenedora da Universidade Católica de Santos), patrono do Tribunal Eclesiástico da Diocese de Santos, laureado pela OAB Santos pelo exercício ético e exemplar da advocacia, professor convidado da ENS – Escola Nacional de Seguros e colunista do Caderno Porto & Mar do Jornal A Tribuna (de Santos).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CREMONEZE, Paulo Henrique. Crucifixos em prédios públicos:: uma falsa polêmica . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6163, 16 mai. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/81418. Acesso em: 21 nov. 2024.

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