Violência psicológica e moral contra a mulher.

A imagem como instrumento de vingança pornográfica

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21/04/2020 às 19:49
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A conduta denominada revenge porn ou vingança pornográfica, ocorre quando da divulgação de fotos e vídeos íntimos sem o consentimento dos envolvidos, como forma de vingança pelo termino do relacionamento.

Resumo: A prática de divulgação sem autorização de imagens ou vídeos contendo cenas de sexo ou nudez, como forma de vingança, é doutrinariamente chamado de vingança pornográfica ou revenge porn. Tal prática ocorre em geral quando do término de um relacionamento e o perpetrador, busca atingir psicológica e moralmente sua vítima. O objetivo desta pesquisa é a demonstração da possível tipificação legal desta conduta na nossa atual Legislação Criminal, observado os princípios norteadores que regem a produção da norma penal. O método utilizado fora a analise aprofundada da doutrina pátria, trabalhos acadêmicos e a jurisprudência mais recente sobre o assunto. A tendência das Cortes Superiores é pela aplicação dos crimes contra a honra, em especial a difamação e a injuria, incidindo a majorante pelo meio que facilita a divulgação do crime, o que ocorre na maioria das vezes pela internet e aplicativos de mensagens. Quando a prática do revenge porn envolve contexto de violência de gênero contra a mulher, aplica-se a tutela da Lei Maria da Penha, na modalidade de violência psicológica e/ou moral.

Palavras–chave: Revenge Porn. Vingança Pornográfica. Crimes contra honra. Violência de gênero.


1. INTRODUÇÃO

Das muitas relações e suas implicações sobre o ponto de vista jurídico, aquelas que ferem bens jurídicos considerados mais caros ou estimados na sociedade devem receber a tutela do direito penal. Inclusive esse é um dos princípios do Direito Penal que deve orientar a produção da norma incriminadora, a saber, o princípio da intervenção mínima. Assim ocorreu com a vida, a integridade física, patrimônio público e privado, a hora dentre outros, que recebem a proteção penal e para as hipóteses de sua violação, sofrerão a sanção criminal correspondente. A sistemática violação de tais bens jurídicos agora na perspectiva do âmbito doméstico e familiar contra a mulher, propiciou ainda que tardiamente, a criação de mecanismos que visam coibir e prevenir a violência baseada no gênero. Dentre as modalidades de violência prevista na Lei n° 11.340/06, temos a violência física, sexual, patrimonial, moral e psicológica.

Uma vez que ocorra a divulgação não autorizada de imagens contendo cenas de sexo, nudez e/ou pornografia, publicada por um dos cônjuges/companheiros da ofendida, seria possível o enquadramento legal desta conduta na seara penal.

O objetivo desta pesquisa é buscar respostar para a possível tipificação da conduta da vingança pornográfica, passando pela exploração dos princípios norteadores do direito penal, conceitos de violência de gênero, a analise da violência no âmbito doméstico na modalidade moral e psicológica, atentando-se para a problemática do compartilhamento de imagens contendo nudez ou relações intimas de afeto.

A pesquisa se justifica dada a crescente e conflitante situação de compartilhamento não autorizado de imagens denominadas de nudes, o que recebeu a denominação pela doutrina pátria de revenge porn ou vingança pornográfica, e suas terríveis consequências para aqueles que tem sua intimidade exposta ao constrangimento público.

Como procedimento metodológico, utilizou-se revisão bibliográfica, valendo-se da doutrina pátria somada a jurisprudência dos Tribunais Superiores, com a finalidade de proporcionar melhores e mais precisas informações sobre o assunto.


2. PRINCIPIOS PENAIS QUE REGEM A PRODUÇÃO DA NORMA INCRIMINADORA

Quando da produção da norma incriminadora, o legislador se vê limitado quanto à criação de tipos penais, pela existência de princípios reguladores do controle penal, que se tratam de garantias do cidadão perante o poder punitivo estatal com previsão no Texto Maior de 1988. Assim a função dos princípios é orientar o legislador ordinário, bem como o aplicador do Direito Penal, visando à limitação dos poderes punitivos mediante a imposição de garantias aos cidadãos (MASSON, 2017, p.23).

Deve-se adotar um sistema de controle penal voltado para os direitos humanos, que deve ser baseado em um Direito Penal da culpabilidade, um Direito Penal mínimo e garantista (BITENCOURT, 2015, p.49-50). Dentre os mais importantes princípios norteadores do Direito Penal tem-se: Princípio da legalidade: Pode-se afirma com segurança, que em um Estado que se pretende trilhar os rumos de uma democracia plena, o princípio mais importante a se buscar para consolidação de tal Estado amolda-se na Legalidade. Nas palavras de Juarez Cirino dos Santos (2014, p. 20):

O princípio da legalidade é o mais importante instrumento constitucional de proteção individual no moderno Estado Democrático de Direito porque proíbe (a) a retroatividade como criminalização ou agravação da pena de fato anterior, (b) o Costume como fundamento ou agravação de crimes e penas, (c) a analogia como método de criminalização ou de punição de condutas, e (d) a Indeterminação dos tipos legais e das sanções penais5 (art. 5°, XXXIX, CR).

Logo para que seja possível a reprimenda penal de determinada conduta, é necessário lei em sentido estrito, e não o bastante deve ser lei prévia ou anterior à conduta ora visada pelo jus puniend. Além da exigência da infração penal ser instituída por lei em sentido estrito, deve ser esta prévia ao fato criminoso, escrita estrita e certa, além de necessária (SANCHEZ, 2016, p.84).

A Carta Maior já prevê em seu artigo 5°, inciso XXXIX a necessidade de lei para se conferir a conduta o rótulo de crime, bem como a pena sem a respectiva previsão legal. O Código Penal em seu artigo 1°, afirma a mesma garantia, consubstanciando-se em uma definitiva garantia do cidadãos contra o absolutismo e arbitrariedades.

Princípio da intervenção penal mínima: Por este princípio tem-se que o Direito Penal é a ultima ferramenta de controle social que deverá ser utilizado pelo legislador, já que seus métodos são os que atingem de maneira mais intensa a liberdade individual (ESTEFAM, 2016, p. 146). Tratado então com a ultima ratio, conforme expõe Rogerio Greco ao afirmar (2016, p.97): “O Direito Penal só deve preocupar-se com a proteção dos bens mais importantes e necessários à vida em sociedade”.

Em outros termos, o Direito Penal somente deve interferir na vida das pessoas, quando todos os demais ramos do direito não se mostrarem eficazes para coibir ou prevenir determinada conduta lesiva a bens jurídicos mais caros a sociedade. Se já é o bastante a atuação do direito administrativo, o direito civil ou direito ambiental para regular certo comportamento humano, ao Direito Penal resta apenas àqueles comportamentos que tais ramos do direito não conseguem atuar.

Além disso, por este princípio quando um bem jurídico em razão da mutação da sociedade eram no passado da maior relevância, e agora não tem a mesma importância, podem deixar a tutela do Direito Penal sendo, portanto descriminalizado a conduta.

Princípio da adequação social: Para este princípio as condutas que se consideram socialmente adequadas não detêm tipicidade e, portanto, não poderiam constituir delitos (BITENCOURT, 2015, p.103). Na verdade a adequação social possui uma dúplice função. A primeira é de restrição ao âmbito de abrangência do tipo penal, que limita a sua interpretação, e exclui as condutas socialmente adequadas e aceitas. A segunda função, que se desdobra em duas vertentes, sendo a primeira direcionadas ao legislador quando da seleção das condutas que deseja proibir ou impor, para a proteção dos bens mais importantes. Se tal conduta for considerada socialmente adequada, não poderia o legislador reprimi-la, pelo menos não com o poder do Direito Penal. A segunda vertente se direciona a possibilidade do legislador repensar os tipos penais, e retira-los do ordenamento jurídico a proteção penal daquelas condutas que já se adaptaram a evolução social. Assim da mesma maneira que o princípio da intervenção mínima, a adequação social, destina-se precipuamente ao legislador quando da escolha de bens jurídicos mais caros a sociedade, e a revogação de tipos penais não mais merecedores da tutela penal (GRECO, 2016, p. 106). Incumbe esclarecer que a adequação social não serve como carta branca a leniência ou a aceitação para com o crime, assim bem esclarecido por André Estefam:

Aquilo que pode ser tolerado por um setor da sociedade jamais será, só por isso, socialmente adequado. É o que ocorre com a contravenção penal do jogo do bicho. Trata​-se de um fato aceito por muitos. Ocorre que tal contravenção fomenta a criminalidade organizada, incentiva a corrupção de órgãos policiais e, na quase totalidade dos casos, vem associada com outros crimes, notadamente o porte ilegal de armas de fogo e o tráfico de drogas (ESTEFAM, 2016, p. 149).

Princípio da insignificância: A origem do referido principio remontam aos juízes romanos segundo o brocardo minimus non curat praetor, significando que os tribunais não devem se preocupar com assuntos irrelevantes. Desenvolvido por Claus Roxin como meio de aperfeiçoar a tese de Hans Welzel, o princípio da insignificância ou também denominado principio da bagatela, aplica-se as lesões irrelevantes aos bens jurídicos protegidos pelo Direito Penal. Assim as condutas que causam danos mínimos ou são de perigos ínfimos aos bens penalmente relevantes são considerados materialmente atípicos (ESTEFAM, 2016, p. 134).

Quando se trata da analise da tipicidade, devem se considerados a tipicidade formal e a tipicidade material. Em apertada síntese tem-se na tipicidade formal a perfeita consunção ao fato praticado com a norma proibitiva abstrata. Por sua vez a tipicidade material, é a efetiva lesão ou ameaça de lesão ao bem jurídico amparado pelo Direito Penal (MASSON, 2017, p.28). O Supremo Tribunal Federal entende pela aplicação da insignificância conquanto preenchido os requisitos de mínima ofensividade da conduta do agente, nenhuma periculosidade social da ação, reduzido grau de reprobabilidade do comportamento e inexpressividade de lesão jurídica provocada.

Princípio da proporcionalidade: A proporcionalidade exige um equilíbrio entre o fato delituoso praticado e a pena possível de aplicação. É necessário a sua observância quando da criação da norma incriminadora, pois se deve prevenir eventuais excessos do legislador na tentativa reprimir um ilícito, criando severas penas desproporcionais e excessivas aos fins que se almeja. Não que o princípio da proporcionalidade tenha como único destinatário o legislador, sendo denominado de proporcionalidade abstrata. Tem-se também o juiz da ação penal - proporcionalidade concreta - e os órgão de execução penal-proporcionalidade de execução penal. Cleber Masson explica que a proporcionalidade abstrata ou legislativa são eleita as penas mais apropriadas ao delito, definindo também o seu mínimo e máximo legal. Na proporcionalidade concreta ou judicial o magistrado deve-se orientar ao julgar a ação penal buscando a individualização da pena adequada ao caso concreto. Por ultimo a proporcionalidade executória ou administrativa diz respeito ao cumprimento da pena, as condições pessoais e o mérito do condenado (MASSON, 2017, p. 56).

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Da proporcionalidade surge duas vertentes da mais alta importância, a saber, a proibição de excessos e a proibição da proteção deficiente. Na proibição de excesso, não se concebe a validade da norma que excede em sua sanção punitiva quando não proporcional à gravidade da conduta apreciada. Quanto à proibição deficiente tem-se que um direito fundamental não pode ser deficientemente protegido, eliminando figuras típicas, cominando penas que ficam aquém da importância que se dá ao bem jurídico protegido, ou aplicando institutos que beneficiam o agente indevidamente (GRECO, 2016, p.128).


3. CONCEITO E ESPÉCIES DE VIOLÊNCIA DE GÊNERO

A violência de gênero pode ser conceituada como aquela violência física ou psicológica que visa atingir uma pessoa em virtude de seu gênero. Em nossa legislação pátria a Lei Maria da Penha, Lei n° 11.340/06, estabeleceu definitivamente a responsabilidade do Estado Brasileiro, para coibir e prevenir todas as formas de violência contra a mulher. A referida lei baseou-se nos mais modernos instrumentos de proteção internacional à mulher, como a Convenção Interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher na forma do Decreto 1.973/96, e a Convenção sobre todas as formas de discriminação contra a mulher, na forma do Decreto 4.377/02. O nome da homenageada a esta Lei se dá a Maria da Penha Fernandes, conforme explica Ricardo Antônio Andreucci (2017, p. 783):

Maria da Penha Fernandes, biofarmacêutica residente em Fortaleza, Ceará, no ano de 1983, foi vítima de tentativa de homicídio provocada pelo seu marido, à época, professor da Faculdade de Economia, Marco Antônio H. Ponto Viveiros, tendo recebido um tiro nas costas, que a deixou paraplégica. Condenado em duas ocasiões, o réu não chegou a ser preso, o que gerou indignação na vítima, que procurou auxílio de organismos internacionais, culminando com a condenação do Estado Brasileiro, em 2001, pela Organização dos Estados Americanos (OEA), por negligência e omissão em relação à violência doméstica, recomendando a tomada de providências a respeito do caso.

A Lei n° 11.340/06 define as formas que podem ocorrer à violência de gênero assim classificadas como violência física: toda conduta que ofenda a integridade física ou a saúde corporal da mulher. A violência sexual é conduta que visa atingir a mulher em sua sexualidade como a participação forçada em práticas sexuais não consentidas, force-a ao aborto, matrimônio, que impeça a utilização de contraceptivos, na exploração comercial da sexualidade da mulher. Na modalidade patrimonial, refere-se a toda ação que vise o patrimônio da mulher, como a subtração, retenção, destruição, de seus bens. Quanto à violência psicológica é a ação capaz de causar diminuição da autoestima da mulher, como perseguições, humilhações, ridicularizarão, insulto, chantagem limitação do seu direito de ir e vir, ou ainda prejuízos a sua autodeterminação. Por fim configura-se a violência moral como qualquer conduta que configura calúnia, difamação ou injúria (ANDREUCCI, 2017, p. 790).


4. COMPARTILHAMENTO DE IMAGENS DE CENAS DE SEXO. O TERMO REVENGE PORN.

Com a expansão tecnológica e acesso mais frequente ao cyber espaço, a capacidade e a velocidade de replicar informações em todo o mundo, tornou-se algo bem mais simples que outrora poderia o homem valer-se. A internet de fato proporcionou acessos e diálogos antes limitados a uma comunidade, agora abertos ao globo. Compras, sites de relacionamentos, aplicativos, jogos, informações de interesse público e redes sociais tornaram-se de acesso simples e rápido, bastando um smartphone ao alcance. As relações intimas também foram modificadas em virtude disso. É comum entre casais a gravação de vídeos ou imagens contendo cenas de sexo ou nudez, já que também é comum a confiança e cumplicidade entre casais de que tais mídias reserve-se a intimidade de ambos.

Todavia em alguns casos, quando do término de um relacionamento, o desfazimento desta confiança outrora depositada torna-se recorrente em episódios de vingança pornográfica, quando narrados pelas pessoas que tiveram sua imagem publicada de forma indevida. O termo vingança pornográfica também denominada de revenge porn, pode ser conceituada como a publicização de conteúdos íntimos sem o consentimento do titular da imagem, como uma espécie de vingança empregada de maneira geral, na oportunidade do término de relacionamentos afetivos, ou em decorrência de um relacionamento que existe ou da pretensão de que ele exista (DA SILVA,2016,p.21). Seguindo esse mesmo raciocínio Mota afirma (2015, p. 30):

Vários casais filmam e fotografam momentos de intimidade sexual, mas quando há algum desentendimento ou quebra de relacionamento uma das partes usa esse material íntimo para uma vingança, que na maioria das vezes é feita compartilhando o material na internet, onde ele se espalha rapidamente, principalmente com a ajuda do Whatsapp.

Uma vez que essas cenas são compartilhadas, viraliza-se pela internet de forma rápida e praticamente impossível de serem excluídas das redes. A internet definitivamente não tem cura. As consequências para quem tem a sua intimidade sujeita a exposição nas redes sociais e comunidades online, só podem ser nefastas. Podem ser citado vários exemplos dos danos psicológicos e morais de tal exposição, porém por questões didáticas citamos uma caso que repercutiu em todo território nacional. O caso da menina Júlia Rebeca, no Estado do Piauí, de 17 anos, que teve um vídeo divulgado contendo cenas de sexo com outros dois adolescentes. O resultado, a menina Júlia fora encontrada morta em um quarto de casa, enforcada por um fio de prancha de cabelo, onde a hipótese trabalhada pela policia civil do Piauí é de suicídio. A jovem havia deixado também mensagens de despedidas em redes sociais (G1, 2013). A mãe da jovem comentando sobre o caso, revela como a publicidade desses conteúdos podem modificar o aspecto moral e psicológico daqueles que foram expostos:

A garota era uma adolescente comum, sorridente, fã da cantora Miley Cyrus. Sempre foi muito ligada à família. Nas últimas semanas, no entanto, estava distante e quieta, segundo colegas de sala. Não conversava com ninguém e passava boa parte do tempo digitando no celular (G1, 2013)

Uma das grandes dificuldades para intervenção e repressão ao revenge porn, trata-se da identificação daqueles que publicaram as mídias de cenas eróticas. Mesmo após um ano do ocorrido no Piauí, a Policia Civil ainda busca por suspeitos do crime. No caso mencionado, a conduta pode enquadrar-se pelo tipo penal do art. 241 do Estatuto da Criança e do Adolescente, in verbis: Art. 241. Vender ou expor à venda fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente: Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa (BRASIL, Estatuto da Criança e do Adolescente, 1990)

Fora desta hipótese tratando –se de revenge porn quando praticando contra pessoa maior de 18 anos, que não tutelado pelo ECA, seria possível alguma figura típica do Código Penal que a abrangesse?


5. POSSIVEL TIPO PENAL DA CONDUTA

Não há unanimidade, especialmente da doutrina jurídica, quanto ao possível enquadramento típico legal da conduta do revenge porn. Por questões didáticas, trabalharemos as condutas sob o prisma do crime de lesão corporal e dos crimes contra a honra, e em todo caso aplicando-se também os consectários da Lei Maria da Penha se praticado no contexto de violência de gênero.

5.1 Da Lesão Corporal

Dispõe o nosso Código Penal no artigo 129: “Art. 129”. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem: Pena - detenção, de três meses a um ano (BRASIL, Código Penal, 1940).

É necessário esclarecer que o crime de lesão corporal não reclama apenas danos físicos, visíveis ou externos. O tipo penal assume a proteção também da saúde, protege-se a sanidade mental daquele que tem por ação ou omissão de outrem, prejudicada a sua psique. Conforme aduz Guilherme de Souza Nucci:

Para a configuração do tipo é preciso que a vítima sofra algum dano ao seu corpo, alterando-se interna ou externamente, podendo, ainda, abranger qualquer modificação prejudicial à sua saúde, transfigurando-se qualquer função orgânica ou causando-lhe abalos psíquicos comprometedores. Não é indispensável à emanação de sangue ou a existência de qualquer tipo de dor (NUCCI, 2014, p. 627)

Colaborando com esse posicionamento, Rogério Greco Apud Nelson Hungria, afirma que mesmo a desintegração da saúde mental configura-se a lesão corporal, pois a memória, vontade ou a inteligência, são uma das atividades funcionais do cérebro, que é um dos mais importantes órgãos do corpo humano. Sendo uma mudança na integridade física ou uma perturbação do equilíbrio funcional do organismo, a lesão corporal é sempre resultante de uma violência exercida sobre a pessoa (GRECO, 2017, p.540)

Ocorre que nem sempre há como consequência do revenge porn, danos ao estado psíquico da vítima, pois não está associado a si a deflagração de um estado de patologia psíquica, não sendo uma consequência fechada em si mesma (PEREIRA, 2017, p.4). Logo para aquelas que se sujeitaram a exposição de sua imagem sexual , sem contudo ser possível identificar danos a sua saúde mental ter-se-ia um fato atípico. Conclui-se que aplicar ao revenge porn a tipificação de lesão corporal, parece-nos mais como uma agravante do que uma elementar do tipo penal (PEREIRA, 2017, 4)

5.2 Da Difamação e Injúria

Tanto a difamação quanto a injúria encontram-se entre os crimes contra a honra, sendo a primeira a proteção à honra objetiva e a segunda a honra subjetiva. Importa-nos esclarecer suas peculiaridades, conceitua-las e apontar as diferenças entre ambas.

Nos termos do art. 139 do Código Penal: Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação: Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa (BRASIL, Código Penal, 1940). A imputação consiste de fato determinado que mesmo não tendo caráter criminoso, é ofensivo à reputação da pessoa a quem se atribui (SANCHES, 2016, p. 183)

Por reputação tem-se a estima moral e intelectual ou ainda profissional de que alguém possui no meio em que vive, tratando-se de um conceito social. A difamação pode, eventualmente não alcançar essas virtudes ou qualidades que há no individuo no seu meio social, mas ainda assim, violar o respeito social mínimo a que todos tem o direito. Por isso até mesmo os “desonrados” também podem ser sujeito passivo desse crime, e a ofensa não ser afastada pela notoriedade da difamação proferida. (BITENCOURT, 2015, p.354)

É necessário que a imputação ofensiva à honra objetiva do sujeito passivo, chegue ao conhecimento de terceiros. Assim consuma-se o crime a partir do instante que terceiro passa a saber, toma conhecimento da imputação desonrosa feita a ele. O crime pode ser cometido por qualquer meio, seja escrito, fala, cartas, vídeos e etc. A imputação não precisa ser falsa e o fato não pode se tratar crime, pois nesse ultimo caso ter-se-ia o crime de calúnia, que é imputação falsa de crime a outrem.

A pergunta que se faz quando da possível aplicação do crime de difamação ao revenge porn, é qual seria ofensa proferida a reputação? A divulgação de vídeos ou imagens com conteúdo sexual por si só, pode ser considerado ato ofensivo à reputação perante terceiros ?.

Compreende-se que sim, pois como uma de suas características a publicidade gerada pela vingança pornográfica não tem a autorização da vítima. Em se tratando da intimidade desta, não autorizando sua divulgação, não almeja ela que sua vida privada seja exposta ao público. Os vídeos ou imagens produtos do revenge porn tem com objetivo do perpetrador, atingir a percepção que terceiros fazem da vítima, e consequentemente sujeita-la a exposição de sua intimidade, diminuição, escárnio, humilhação menosprezo de seu convívio social (família e amigos). Frisa-se, animus difamand, dolo de ofender a honra objetiva perante terceiros, não havendo nenhuma outra intenção ou objetivo do perpetrador para a divulgação do conteúdo sexual, a não ser a exposição da vida privada.

Em se tratando do possível enquadramento típico legal da difamação, a ação penal será privada promovida pela ofendida mediante queixa crime. Salientamos que configurada hipóteses ensejadoras de violência doméstica da Lei Maria da Penha, conforme seu artigo 41, quer na modalidade violência moral quer na modalidade psicológica, não se aplicará as benesses da Lei n° 9.099/[95].

Resta por fim a analise do crime de injúria, que também presente no capítulo dos crimes contra a honra, porém desta vez a honra subjetiva. O nosso Código Penal descreve a conduta em seu Art. 140 como: Injuriar alguém, ofendendo lhe a dignidade ou o decoro: Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa. (BRASIL, Código Penal, 1940)

Por dignidade ou decoro entenda-se a representação de atributos morais, físicos e intelectuais da vítima (BITENCOURT, 2015, p. 362). A intenção do legislador ao tipificar o delito de injúria, é a proteção precípua das qualidades ou sentimos que o agente faz de si próprio (GRECO, 2017, p.406).

Diferentemente da calunia (atribuir crime) ou a difamação (atribuir fatos na presença de terceiros), a injúria consiste na emissão de conceitos negativo-ofensivos sobre a vítima, que afetam a sua respeitabilidade ou sentimento de autoestima. Também pode ser praticado de diversas formas, seja escrita, fala, por vídeo, áudios e etc.

Mais uma vez perquire-se: seria possível a divulgação de imagens ou vídeos com conteúdo sexual intimo, capaz de ofender a dignidade ou o decoro da vítima?.

Novamente reafirma-se que sim. Interessante notar que a pratica de revenge porn, visa justamente atingir a vítima em seu grau mais profundo de intimidade, a sexualidade. Assim tem-se que ao direcionar o conteúdo da vingança pornográfica diretamente a vítima, com o dolo de afetar sua dignidade ou decoro, consumada estará o crime de injúria. Quando essa exposição ultrapassa o âmbito pessoal da vitima, visando também atingir terceiros e a percepção que estes fazem desta, teremos então o crime de difamação.

Importa-nos mencionar a majorante prevista no art. 141, inciso III do Código Penal que afirma: As penas cominadas neste Capítulo aumentam-se de um terço, se qualquer dos crimes é cometido: III- na presença de várias pessoas, ou por meio que facilite a divulgação da calúnia, da difamação ou da injúria. Assim o meio que facilita a divulgação destes crimes, notadamente a difamação ou a injúria, quando praticados pela internet, valendo-se de redes sociais e sites pornográficos, que é a forma mais comum da pratica de revenge porn, incide por consequência a referida majorante. Quanto à ação penal será promovida pela ofendida na modalidade queixa crime.

Colaborando com esse entendimento as Cortes Superiores se posicionam pela possibilidade da aplicação de ambos os crimes, difamação e injúria, inclusive incidindo a majorante supracitada:

PENAL - AÇÃO PENAL PRIVADA- APELAÇÕES CRIMINAIS - AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS - CRIMES DE DIFAMAÇÃO E INJÚRIA, EM CONCURSO FORMAL IMPRÓPRIO - QUEIXA-CRIME JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE- ADEQUAÇÃO DAS PENAS APLICADAS - MANUTENÇÃO DO VALOR ARBITRADO A TÍTULO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS PRIMEIRO RECURSO NÃO PROVIDO E SEGUNDO RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Com a sua atitude de divulgar imagens e vídeos eróticos envolvendo a autora, o réu visava assim atingir não só a honra objetiva desta (ofendendo a sua reputação perante terceiros e praticando o delito de difamação), como também a sua honra subjetiva (ofendendo lhe a dignidade e o decoro, praticando o crime de injúria), todos em concurso formal impróprio.(BRASIL.STJ. ARESP. 1261381 MG. 2018)

Em um Agravo em Recurso Extraordinário no Supremo Tribunal Federal, a nossa Corte máxima mantém a condenação de um acusado pela prática de revenge porn, confirmando a lesão a hora objetiva e honra subjetiva:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR. DIFAMAÇÃO E INJÚRIA. PRELIMINARES DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ E CERCEAMENTO DE DEFESA. REJEIÇÃO. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. ABSOLVIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. GRATUIDADE DE JUSTIÇA. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DAS EXECUÇÕES. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELA PEREMPÇÃO. INVIABILIDADE

Inviável o pedido de absolvição dos crimes de difamação e injúria quando a materialidade e a autoria encontram-se comprovadas pelo depoimento da ofendida, corroborado pelos demais elementos probatórios, sobretudo as declarações de sua genitora e das testemunhas, que confirmam que o apelante ofendeu-lhe a honra objetiva e subjetiva ao encaminhar e-mail com fotos e vídeos íntimos para terceiros. (BRASIL. STF. ARE 1154035. DF - Distrito Federal. 2018)

Coleciona-se a apelação n° APR 00004371520158190033 do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que aduz a mesma posição:

APELAÇÃO. JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL. QUEIXA CRIME. ART. 139 DO CÓDIGO PENAL. DIVULGAÇÃO DE VÍDEO ÍNTIMO EM "GRUPO" DE WHATSAPP. CRIMINOSO O COMPARTILHAMENTO DE IMAGENS E VÍDEOS ÍNTIMOS SEM A AUTORIZAÇÃO DAS PESSOAS NELE RETRATADAS. VIOLAÇÃO DA INTIMIDADE É CRIME. INTELIGÊNCIA DO ART. 5º, INC. X DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. IMENSO DESSABOR. Inconfundível o animus difamand. Típica a conduta. Vídeos de sexo produzido entre casais trazem implicitamente a cláusula da confidencialidade. Quebra de confiança que não se justifica. Ninguém faz vídeos íntimos para serem divulgados a terceiros, mormente se não são atores ou profissionais do sexo (BRASIL. TJRJ. APR00004371520158190033. RJ. 2018)

Em sede de Habeas Corpus considerando inclusive a aplicação da Lei Maria da Penha ao caso de revenge porn, concomitante aos crime de difamação e injuria, o Tribunal de Justiça da Bahia segue na mesma linha:

HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSO PENAL. QUEIXA CRIME. Imputando ao paciente as condutas delitivas previstas nos artigos 139 e 140, ambos do código penal, com a incidência da lei nº 11.340/2006 (Maria da Penha), em virtude de o mesmo, supostamente, ter divulgado vídeo contendo imagens de cunho íntimo da vítima (BRASIL.TJBA. HC n° 0025782-04.2017.8.05.0000)

Os julgados acima apenas confirmam pela aplicação dos crimes contra a honra, que maculadas pela divulgação de conteúdo intimo/sexual, atinge tanto a vítima na modalidade subjetiva (percepção de si própria), quanto à modalidade objetiva (a percepção que terceiros tem dela). Reforçam ainda a possibilidade de aplicação da Lei Maria da Penha, configurada a violência de gênero contra a mulher nas modalidades de violência psicológicas e moral.

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Sobre o autor
Lucas Marques

Policia Militar de Minas Gerais-PMMG.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

O presente artigo expunha o entendimento doutrinário e jurisprudencial sobre a possível tipificação do revenge porn, que produzido anteriormente a edição da lei n° 13.772, de 19 de dezembro de 2018, que dentre outras modificações reconheceu a violação da intimidade da mulher, configurando violência doméstica e familiar e criminalizou o registro não autorizado de conteúdo com cena de nudez/ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo e privado.

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