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OGM: aspectos polêmicos e a nova lei de biossegurança

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25/03/2006 às 00:00
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5. LEGISLAÇÃO INTERNACIONAL SOBRE BIOSSEGURANÇA

Em que pese o fato de a legislação nacional ser bastante avançada se comparada à grande maioria das leis em vigor pelo mundo, é importante estudar seu posicionamento em relação ao de outros países. A importância desse estudo se dá pela possibilidade de avaliar os pontos em que pode-se avançar, com base no sucesso ou no fracasso obtido por alguma estrutura normativa, que passa a atuar como fonte mediata para o aprimoramento de nosso direito positivo.

A escolha dos países elencados se dá pelas particularidades em suas normas, tanto ao irem contra o que dispõe o ordenamento brasileiro, quanto ao se assemelharem ou apresentarem-se mais evoluídas.

No estudo, é perceptível, como regra geral, que os países mais desenvolvidos apresentam uma legislação mais antiga e atualmente mais instável, visto que lidam com a questão dos OGMs e da biogenética a mais tempo que as demais nações, e que o atual desenvolvimento da biotecnologia tem levado à revisão de grande parte das normas adotadas anteriormente. Segundo Marcelo Dias Varella, Eliana Fontes e Fernando Galvão da Rocha,

os Estados Unidos, a Inglaterra e alguns outros países europeus já debatem o tema desde os anos setenta; eles já publicaram guias de conduta e leis, já as alteraram; enfim, já desenvolveram bastante a questão da biossegurança. Mesmo assim, é fácil perceber que ainda se trata de assunto muito discutido, mesmo nesses países, pois as ciências biotecnológicas estão avançando de forma surpreendente, encontrando-se, dia a dia, outras possibilidades para a origem de novos organismos, para o aperfeiçoamento de plantas e para o melhoramento genético de animais. 81

5.1. União Européia

A União Européia tem lançado, ultimamente, várias leis com a intenção de uniformizar os procedimentos gerais dados por seus membros no tratamento aos OGMs. Quanto às leis locais de cada país, não são afetadas em momento algum, mas devem adaptar-se àquilo que a todos for determinado como regulamentação comum.

Sobre os alimentos geneticamente modificados, a liberação voluntária no meio ambiente é regulamentada pela Diretiva 90/220/EEC, que tem como fundamento básico o uso de regras preventivas para produtos que não tenham amplo histórico de utilização segura ou aplicação já convencional. Quanto à área laboratorial, desde que não haja risco acima do tolerado, não há qualquer restrição ao desenvolvimento da ciência e da tecnologia.

Em 1998, durante a Convenção de Aarhus, foi adotada a Quarta Conferência Ministerial sobre o Meio Ambiente, que preconizava o acesso total às informações que envolvam os OGMs e as atividades a eles ligadas, a participação pública nos processos em que houvesse alguma decisão sobre o tema e o acesso à justiça para resolver questões ambientais, baseada principalmente no Princípio 10 da Convenção sobre Biodiversidade das Nações Unidas.

Dessa forma, a União Européia reconhece

particularmente a necessidade de: proteger e melhorar o meio-ambiente, em benefício das gerações presentes e futuras, permitir o acesso dos cidadãos à informação, à indicação para participarem do processo de tomada de decisão e à justiça, em questões ambientais; e, na área de meio-ambiente, reconheceu também que o maior acesso à informação e à participação pública no processo de tomada de decisão, melhoram a qualidade e a implementação de decisões, contribuem para a conscientização em assuntos ambientais, dão ao público a oportunidade de expressar suas preocupações e permitem que as autoridades estejam devidamente cientes de tais preocupações. 82

Mais recentemente, no ano de 2001, com o Protocolo de Cartagena, elaborou-se a base a ser seguida pelos países da comunidade na adaptação de suas legislações específicas às regulamentações sobre liberação ou descarte de OGMs no meio ambiente. O Princípio da Precaução deverá aparecer nas legislações, expressa ou tacitamente, sendo base obrigatória de qualquer decisão, bem como deverá constar claramente a necessidade do estudo prévio de impacto ambiental e as formas em que se dará a participação pública, indispensável para a convalidação de qualquer ato inerente ao tema.

Em comparação com a legislação brasileira, diz Patrícia de Lucena Cornette que "os seguintes aspectos não deixam qualquer margem de dúvida quanto às cruciais diferenças entre ambas as leis: a exigência do Relatório Sobre o Impacto Ambiental e da Participação Pública." 83

Ademais, cada país fica responsável pela criação de uma autoridade competente para as atividades de monitoramento, fiscalização e intercâmbio de informações acerca de acidentes, evoluções e deliberações. A rotulagem torna-se obrigatória aos produtos comercializados, importados por qualquer dos membros ou transportados entre as fronteiras da Comunidade.

Quanto à legislação de cada país, serão apresentadas algumas características específicas a seguir.

5.1.1. Alemanha

Juntamente com os Princípios da Cooperação e do Poluidor-pagador, o Princípio da Precaução incorpora os dispositivos legais referentes ao meio ambiente a mais de trinta anos, e ainda permanece como elemento norteador de todas as deliberações que envolvam ou não OGMs.

Sobre a política ambiental desse país, explica Eckard Rehbinder que "não se limita à eliminação ou redução da poluição já existente ou iminente (proteção contra o perigo) , mas faz com que a poluição seja combatida desde o início (proteção contra o simples risco) e que o recurso natural seja desfrutado sobre a base de um rendimento duradouro". 84

5.1.2. Reino Unido

A legislação do Reino Unido é uma das mais antigas do mundo. Atualmente, as normas são fragmentadas de acordo com o setor que buscam regulamentar, e a matriz central a qual todas essas normas submetem-se é a Lei sobre Saúde e Segurança, de 1974.

A aplicação do Princípio da Precaução é amplamente defendida, não somente em respeito à legislação da comunidade européia, mas também como arma contra o aparecimento de novas epidemias, como o ocorrido com a síndrome da vaca louca. Cumpre ressaltar que nesse país os princípios internacionais convencionados e aprovados pelo parlamento, como o da precaução, fazem parte do jus cogens.

Dessa forma o British Medical Association (BMA, a Associação Britânica de Medicina) , afirmando que "o princípio de precaução deve ser aplicado no desenvolvimento de alimentos geneticamente modificados, já que não podemos saber se existe algum risco sério ao meio ambiente ou à saúde humana, na produção ou consumo de produtos GM". 85

Além disso, todos os funcionários envolvidos em atividades de biotecnologia devem passar por uma avaliação periódica, visando o monitoramento preventivo dos possíveis traços maléficos que possam vir a aparecer. Se achar necessário, o medico responsável pode requerer acesso às informações confidenciais da empresa em que trabalha o examinado.

5.2. Japão

Após uma forte campanha realizada pelos grupos ambientalistas nos países industrializados da Ásia no inicio deste século, as grandes empresas japonesas, a maioria multinacionais, iniciaram um boicote aos produtos geneticamente modificados, importados principalmente dos Estados Unidos da América e empregados como matéria prima em suas linhas de produção, passando a comprar produtos naturais em outras fontes, dentre elas o Brasil.

Quanto à segurança das pesquisas envolvendo organismos geneticamente modificados, o Japão segue o padrão internacional, fornecendo um glossário explicativo dos termos técnicos utilizados e um rol dos pontos a serem constantemente avaliados pelo técnico responsável, tudo dentro da própria lei.

A rotulagem é obrigatória, desde abril de 2002, para todo produto que trouxer em sua composição OGM ou derivado, objetivando uma seleção do alimento pelo consumidor. Além disso, as normas preventivas de rotulagem atingem outros pontos, sendo que até mesmo os congeladores de resíduos dos organismos trabalhados pelos laboratórios devem ser identificados.

Para Marcelo Dias Varella, Eliana Fontes e Fernando Galvão da Rocha, " o que há não é excesso de zelo do legislador, mas adoção dos mecanismos preventivos necessários para evitar qualquer problema decorrente da liberação acidental de organismos geneticamente modificados..." 86.

5.3. Austrália

A Austrália também adota o sistema de rotulagem desde o final de 2001. A diferença, em comparação ao Brasil, é que a obrigatoriedade versa a todos os alimentos que contiverem em sua composição qualquer característica alterada, seja pela engenharia genética ou qualquer outra forma - esta última não faz leva ao dever de rotulagem, no Brasil.

Entretanto, é permitida unicamente a presença acidental de OGMs, e em no máximo 1% (um por cento) do total do produto.

Nos demais aspectos, considerando-se que a Austrália integra o Reino Unido, a uma grande afinidade entre normas e procedimentos adotados pela legislação australiana e aquelas apresentadas no sub-capítulo que trata do Reino Unido.

5.4. Estados Unidos

Os Estados Unidos apresentam uma das legislações mais complexas sobre biossegurança. As várias agências e órgãos que tratam do tema não apresentam uma união de assuntos ou uma divisão linear de competências, havendo apenas uma divisão de tarefas entre os entes deliberativos e fiscalizadores.

O Departamento de Agricultura (United States Department of Agriculture - USDA) é responsável pela manipulação de plantas e microorganismos geneticamente modificados obtidos de um doador, receptor, vetor ou agente vetor que é praga vegetal ou contém componentes de uma praga vegetal. Afastam-se, assim, desse departamento, os organismos que não estão relacionados com doenças de plantas, mesmo que sejam ligados ao setor agrícola.

Já o Instituto Nacional de Saúde (National Institute of Health - NIH) possui uma serie de normas de manuseio e construção de organismos geneticamente modificados através de organismos, vírus ou moléculas de DNA que tenham DNA recombinante.

Além desses, também merecem estaque a Administração de Alimentos e Drogas (Food and Drug Administration - FDA) e a Agência de Proteção ao Meio Ambiente (Environmental Protection Agency - EPA) .

O primeiro lida com as drogas e alimentos geneticamente modificados e as técnicas de obtenção e aprimoramento dos mesmos, além de deliberar sobre seu manuseio e descarte e fiscalizar e monitorar a segurança no consumo; sobre o segundo, suas funções são:

The establishment and enforcement of environmental protection standards consistent with national environmental goals... The conduct of research on the adverse effects of pollution and on methods and equipment for controlling it; the gathering of information on pollution; and the use of this information in strengthening environmental protection programs and recommending policy changes... assisting others, through grants, technical assistance and other means, in arresting pollution of the environment... assisting the Council on Environmental Quality in developing and recommending to the President new policies for the protection of the environment. 87

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Sobre a legislação, especificamente, é brando o controle sobre as liberações de organismos geneticamente modificados no meio ambiente, bem como é altíssimo o investimento do Estado nas áreas de pesquisa e financiamentos agrícolas, com uma clara proposta de dominação de mercado.

5.5. Argentina

A Argentina é mais um país que segue os padrões internacionais de boas condutas relacionadas aos testes com OGMs, e a lei protetiva da propriedade intelectual e a normatização das agências controladoras e fiscalizadoras em muito se assemelha com as do Brasil.

Dessa forma, qualquer atividade que proporcione o contato de um OGM não autorizado com o meio ambiente é terminantemente proibido, sendo exigido, para tanto, uma quantidade relevante de material pesquisado.

Entretanto, e da mesma forma que vem ocorrendo no Brasil, as liberações de OGMs na Argentina não observam todos os cuidados previstos nas leis. O que se tem hoje é a predominância da soja geneticamente modificada nesse país, e a crescente liberação de outros organismos recém criados e aprovados.

Com isso, surge a mesma conseqüência sofrida pelos Estados Unidos, com a crescente queda das exportações dos produtos agrícolas, como ilustra o artigo da agência de notícias Argenpress:

Parece un chiste, sin embargo, es pura realidad. En la Argentina, los cultivos transgénicos se están multiplicando; el más notable es el de la soja, que se transformó en el principal producto agrícola y tiene que enfrentar la oposición europea a los transgénicos, oposición que podría extenderse a países latinoamericanos. En Europa rige una moratoria, vigente desde 1998, que prejudica la venta de estos alimentos. 88


CONCLUSÃO

É clara a evolução do sistema legal brasileiro, com a entrada em vigor da Lei n.º 11.105/05, sobretudo no que diz respeito à intenção de proteger o patrimônio natural e a saúde e o bem estar de toda a sociedade. Nesse sentido, nova legislação procura acompanhar o desenvolvimento científico e tecnológico da biogenética, aplicados aos OGMs, procurando oferecer o conforto necessário à população quanto à prevenção dos riscos que podem advir dessa nova atividade.

A pequena escala em que os alimentos geneticamente modificados aparecem em nossa sociedade demonstram que a precaução preconizada tanto na carta constitucional quanto na legislação ordinária apresenta efeitos, ainda que tenhamos deliberações em contrário, o que mantém o país em uma condição favorável na segurança ambiental e populacional, e assegura um bom status enquanto potência agrícola exportadora.

Contudo, a novidade do assunto do assunto, aliada à velocidade com que evoluem as técnicas de produção e o desenvolvimento de novas espécies de organismos geneticamente modificados, constitui um grande obstáculo para que se obtenha um nível de segurança que inspire o conforto desejado, além de dificultar o trabalho dos órgãos de fiscalização, regulamentação e monitoramento no exercício de suas funções.

Outro ponto a ser superado é a questão da supremacia das decisões do CTNBio. A forma arbitrária com que delibera nas questões envolvendo os OGMs e a forma com que descarta a garantia constitucional da exigência do estudo prévio de impacto ambiental podem trazer sérias conseqüências a vários segmentos do país. Deve prevalecer o bom senso, e sendo a atual situação mais passível a dúvidas do que a certezas, mister se faz privilegiar as pesquisas voltadas para a segurança, e não o atual posicionamento de liberar as atividades e agir posteriormente, no caso de algum impacto ambiental ocorrer.

Mesmo assim, em que pesem os entraves, obstáculos e incertezas que cercam os OGMs e a Lei de Biossegurança, o que se vê atualmente é o desenvolvimento de um sistema legal complexo, que versa sobre todos os pontos ligados aos OGMs, e extremamente abrangente, trazendo à baila de todos os setores envolvidos, administrativos ou sociais, a participação em órgãos que fazem parte dos trabalhos com os organismos geneticamente modificados no Brasil, e à sociedade em geral o amplo acesso à justiça para garantir os interesses coletivos direcionados ao meio ambiente, à saúde pública e à fiscalização das funções das entidades governamentais envolvidas.

Nesse sentido, a utilização das garantias constitucionais de acesso à justiça vem sendo muito bem utilizada pelos grupos de defesa do meio ambiente, pelas associações de defesa do consumidor e outros grupos de interesse, estando suas ações, inclusive, prestes a criar jurisprudência.

Conclui-se, dessa forma, pela necessidade da correta aplicação da nova norma, de forma a desenvolvê-la e aprimorá-la. Para tanto, deve haver a prevalência das garantias constitucionais nas decisões que forem tomadas, preconizando o correto uso do meio ambiente e a melhor exploração para as presentes gerações sem prejuízo às futuras.

A biodiversidade e a variedade genética do Brasil constituem patrimônio mundialmente invejado, alvo inclusive de discussões políticas internacionais. Deve-se afastar o desejo de lucro imediato dos grupos econômicos e as pressões políticas de seus aliados das atividades que tragam risco de degradação a esse acervo, através de um amplo estudo que vise a melhor exploração e a prevalência dos interesses sócio-econômicos nacionais nos assuntos que envolvam o meio ambiente.

Além disso, a chegada dos alimentos geneticamente modificados à mesa dos consumidores não pode trazer consigo qualquer risco de alergia, intoxicação ou outro malefício. Se são indispensáveis os estudos das conseqüências dos OGMs sobre o meio ambiente, impossível o afastamento dos exames laboratoriais que comprovem sua segurança quando estiverem disponíveis à população.

Certamente, é o que se obterá, se se aplicar e desenvolver o espírito protetivo trazido com a nova legislação e assegurado pela Constituição Federal.

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Sobre o autor
Jorge Brunetti Suzuki

bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Franca (SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SUZUKI, Jorge Brunetti. OGM: aspectos polêmicos e a nova lei de biossegurança. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 997, 25 mar. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8148. Acesso em: 28 mar. 2024.

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