Serviço militar obrigatório: aplicabilidade do art. 143 da constituição federal de 1988

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26/04/2020 às 20:34

Resumo:


  • O serviço militar obrigatório é uma tradição presente desde a Constituição Imperial de 1824 até a atual Constituição de 1988, no entanto, a execução do serviço militar não alcança todos os cidadãos em condições de prestação do SMO.

  • O Brasil não adota o Serviço Militar Voluntário devido à tradição constitucional do SMO, sendo o principal argumento para sua manutenção o papel social desenvolvido pelas Forças Armadas, permitindo a interação de indivíduos de diferentes grupos sociais.

  • O SMO é uma ferramenta importante na consolidação da cidadania, proporcionando aos jovens incorporados a oportunidade de complementar sua formação básica, seja adquirida na família ou nas escolas, e as Forças Armadas desempenham um papel fundamental na história e na formação do Estado brasileiro.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Reflexões sobre o serviço militar obrigatório, previsto no artigo 143 da Constituição, sua importância e aplicabilidade no atual cenário político brasileiro.

Introdução

O presente artigo tem como propósito principal trazer uma reflexão sobre a obrigatoriedade e aplicabilidade do serviço militar nas Forças Armadas (FFAA), conforme disposto no art. 143 da Constituição Federal de 1988 (CF/88).

Neste cenário, construiu-se algumas questões que balizaram este trabalho:

- O serviço militar obrigatório é de fato obrigatório?

- Por que o Brasil não adota o Serviço Militar Voluntário?

- Então, o que fazer para que SMO realmente seja obrigatório a todos?

A prestação do Serviço Militar Obrigatório (SMO) permite que, anualmente, sejam incorporados milhares de cidadãos, viabilizando assim um convívio social amplo, uma constante interação entre classes sociais e uma pluralidade de ideias.

Segundo Agra, Bonavides, Miranda (2009, p. 1718) a base constitucional do serviço militar decorre da necessidade de “radicar posições de direitos fundamentais ancorados na liberdade, na dignidade da pessoa humana, na igualdade no direito e através do direito”. Segue ainda o autor dispondo que “o dever de defender a pátria e prestar o serviço militar constitui um dever cívico-político, tal como o dever de votar”, e que o caput do art. 143 adota o “princípio da nação em armas”, princípio este difundido pela Revolução Francesa de 1793.

Sobre o SMO, a CF/88 prevê o seguinte:

Art. 143. O serviço militar é obrigatório nos termos da lei. § 1º Às Forças Armadas compete, na forma da lei, atribuir serviço alternativo aos que, em tempo de paz, após alistados, alegarem imperativo de consciência, entendendo-se como tal o decorrente de crença religiosa e de convicção filosófica ou política, para se eximirem de atividades de caráter essencialmente militar. § 2º - As mulheres e os eclesiásticos ficam isentos do serviço militar obrigatório em tempo de paz, sujeitos, porém, a outros encargos que a lei lhes atribuir (grifo nosso - BRASIL, 1988).

Neste contexto, o objetivo principal deste estudo é investigar se o serviço militar disposto no art. 143 da CF/88 conduzido pelas Forças Armadas do Brasil é de fato obrigatório.

Para tanto, utilizou-se como recurso metodológico, a pesquisa bibliográfica, realizada a partir da análise pormenorizada de materiais de periódicos jurídicos, da doutrina, da jurisprudência, além de documentos físicos disponíveis em arquivos de Organizações Militares situadas em Campo Grande-MS.

A pesquisa terá uma abordagem qualitativa em decorrência da exposição e relevância das informações abordadas. Quanto aos objetivos estes serão de categoria exploratória, baseados em dados disponibilizados na rede mundial de computadores, em especial no site do Ministério da Defesa (MD) e da Diretoria de Serviço Militar (DSM), com delimitação de pesquisa no lapso temporal de 3 anos (2017, 2018 e 2019).

O texto final foi fundamentado nas ideias e concepções de autores como: Rocha e Pires (2004), Silva (2005), Agra, Bonavides, Miranda (2009), Rocha (2014) e Abreu (2017).


2. Serviço Militar Obrigatório

O Serviço Militar consiste no exercício de atividades específicas desempenhadas nas Forças Armadas, sendo obrigatórios a todos os brasileiros na forma da lei. A respeito do tema obrigatoriedade, Abreu (2017, p. 180) dispõe que “o caráter compulsório do serviço tem por base a cooperação consciente dos brasileiros, sob os aspectos espiritual, moral, físico, intelectual e profissional, na segurança nacional”. Abreu (2017 apud Bandeira de Melo, p. 180) dispõe, ainda, que, “os cidadãos recrutados para o serviço militar obrigatório exercem um verdadeiro munus público”.

A Lei nº 4.375, de 17 de agosto de 1964 - Lei do Serviço Militar (LSM) é a norma militar que versa, de forma geral, sobre as condições de execução e as particularidades do serviço militar.

A LSM entrou em vigor no dia 20 de janeiro de 1966, com a publicação do Decreto nº 57.564, de 20 de janeiro de 1966 - Regulamento da Lei do Serviço Militar (RLSM) -, que veio a regulamentar a matéria. Tanto a lei quanto o decreto, mesmo sendo anterior a CF/88, foram recepcionadas pela constituição vigente de 1988.

2.1 Breve histórico do Serviço Militar Obrigatório

Sobre o serviço militar pode-se apontar que sua evolução está intrinsecamente ligado à luta dos interesse comuns das nações que habitavam os territórios antigos, desde os povos sumérios, persas e fenícios até a civilização grega e romana.

Os povos antigos buscaram, ao longo dos tempos, formar pequenos grupos com objetivo de defender seu território de potenciais inimigos. A própria evolução da humanidade se confunde com a história das guerras. Sobre a evolução da humanidade, Rocha e Pires (2004) observam o seguinte:

É impossível dissociar a evolução da humanidade da história das guerras. Em todos os tempos, em todos os lugares, encontram-se homens irmanados, de armas na mão, na luta pelos interesses dos seus grupos, das suas tribos, das suas nações (ROCHA e PIRES, 2004).

No Brasil, definir a origem do serviço militar não é tarefa fácil. O que pode-se concluir que sua origem remonta da necessidade de Portugal defender o recém-descoberto território brasileiro de inimigos estrangeiros e índios rebeldes que habitavam a terra desconhecida.

Gustavo Barroso (1999), em seu livro de História Militar, destaca bem a origem das tropas brasileiras:

A primeira tropa mais ou menos regular que teve o Brasil, vinda de Portugal, foi composta pelos 600 voluntarios desembarcados com o governador geral Tomé de Souza, na Baia, em 1549. Sobre sua organização, bem como sobre a dos soldados que combateram os francêses no Rio de Janeiro ás ordens dos Sás, ao certo nada se sabe. (BARROSO, 1999, p. 11)

Do ponto de vista militar, Magalhães (2001, p. 110) aponta que “a forol dada em 26 de outubro de 1534, para a capitania da Bahia, obrigava os seus moradores a prestarem o serviço de guerra, em caso de necessidade”. Segue o autor afirmando que esse dever “constitui (…) o germe das instituições militares do Brasil”.

2.2 Relação do Serviço Militar Obrigatória e as Constituições brasileiras

Com a Carta Imperial de 1824, manteve-se a obrigatoriedade do serviço militar. Sobre o tema, o art. 145 dispõe que “Todos os Brazileiros são obrigados a pegar em armas, para sustentar a Independencia, e integridade do Imperio, e defendel-o dos seus inimigos externos, ou internos.” (grifo nosso)

Como bem observado por Rocha e Pires (2004) o texto constitucional na verdade não era cumprido devido aos inúmeros pedidos de isenções, gerando graves problemas no recrutamento para as forças de terra e mar.

Na prática, a determinação constitucional não era cumprida devido ao grande número de isenções, gerando problema de recrutamento para fazer frente às revoltas internas e às guerras e levando o Exército a ser constituído por voluntários mal preparados e a não ter como formar uma reserva para ser mobilizada em caso de necessidade (ROCHA e PIRES, 2004).

Com a queda do Império e a proclamação da República em 15 de novembro de 1889 estabeleceu-se uma nova ordem constitucional. Fruto desse rompimento político foi promulgado em 1891 a primeira Constituição da República brasileira, que vigeu até 16 de julho de 1934.

Sobre o serviço militar, a Constituição de 1891 estabelecia o seguinte:

Art 87. Todo brasileiro é obrigado ao serviço militar, em defesa da Pátria e da Constituição, na forma das leis federais (…) § 3º - Fica abolido o recrutamento militar forçado. § 4º - O Exército e a Armada compor-se-ão pelo voluntariado, sem prêmio e na falta deste, pelo sorteio, previamente organizado. Concorrem para o pessoal da Armada a Escola Naval, as de Aprendizes de Marinheiros e a Marinha Mercante mediante sorteio (BRASIL, 1891, grifo nosso).

Entretanto, mesmo sendo obrigatório, conforme mandamento constitucional, o serviço militar não alcançava todos cidadãos. Sobre o tema, Rocha e Pires (2004) destacam o seguinte:

Em que pese, na República, o serviço militar ter sido tornado obrigatório, a partir de 1908, o sistema só passou a vigorar, realmente, depois de intensa campanha liderada pelo poeta Olavo Bilac, durante a 1ª Guerra Mundial. A lei determinava que o recrutamento se fizesse mediante sorteio militar, o que foi inaugurado em 1916. Tal sistema vigorou até 1945, quando foi implantado o recrutamento na forma de convocação geral por classes, em vigor até os dias de hoje (ROCHA e PIRES, 2004, p. 84).

Assim como a primeira Constituição republicana (Constituição de 1891), a de 1934 manteve o SMO. Seguindo o mesmo ideal de universalização do serviço militar, as Constituições de 1937, 1946 e 1969 mantiveram a obrigatoriedade, assim como a Constituição Federal de 1988 (CF/88).


3. Formas de recrutamento militar

Sobre a forma de recrutamento, existe basicamente três sistemas básicos. O primeiro deles consiste no recrutamento por conscrição, onde todos os cidadãos são obrigados a prestação do serviço militar. Outro sistema disponível é o de recrutamento voluntário ou profissional. Existe um terceiro modelo de prestação do serviço militar que é o mercenário, onde homens e mulheres emprestam seus serviços a qualquer governo em troca de remuneração.

O Brasil adota o sistema por conscrição como base essencial do seu serviço militar, mas admite o ingresso de voluntários através de concurso público (militar de carreira) ou por convocação (militares temporários) como forma de melhor aproveitar o seu efetivo militar.

3.1 Argumentos favoráveis ao serviço militar voluntário

Argumento positivo ao Serviço Militar Voluntário (SMV) é de que o recrutamento seria realizado entre os cidadãos mais bem qualificados, pois as Forças Armadas não estariam obrigados a selecionar indivíduos não comprometidos com o ideal militar de bem servir a Pátria, priorizando assim apenas cidadãos com capacidades técnicas e pendor para a atividade militar.

Outro argumento favorável ao SMV, na visão de Rocha e Pires (2004), é o de que o SMO fere princípio fundamental do ser humano, que seja, a liberdade e o direito ao seu próprio corpo.

É sabido que a conscrição, apesar de obrigatória, não consegue absolver todo efetivo alistado. Como bem observado por Rocha e Pires (2004) “as Forças Armadas não conseguem absorver nem 10% (dez por cento) dos jovens do sexo masculino que, anualmente, completam 18 anos.

3.2 Argumentos contrários ao serviço militar voluntário

Entre os argumentos contrários ao SMV podemos apontar o de que SMO alcança os mais diversos nichos sociais, independentemente de classe social, cor da pele ou religião, mostrando-se uma excelente ferramente de fomento de práticas cidadãs.

Referindo-se ao importante papel do SMO, o General de Brigada José Carlos Cardoso, em palestra realizada no dia 23/08/2012, por ocasião do IX Encontro de Magistrados da Justiça Militar realizada em Fortaleza-CE, verbalizou o seguinte: “O Serviço Militar é uma escola de civismo e de cidadania onde as pessoas assimilam valores e práticas e se tornam conscientes de seus direitos e de seus deveres” (CARDOSO, 2012, online).

Corroborando com a tese do General Cardoso, Rocha (2014, p. 95) apud Baptista (2005), confere ao SMO “maior representatividade geográfica, étnica, social e religiosa; socializa o jovem no desenvolvimento de valores morais e estimula o respeito às leis e às instituições; etc. (ROCHA, 2014, p. 95)

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4. O pacifismo brasileiro como princípio constitucional

O serviço militar obrigatório está presente em nosso ordenamento jurídico desde as primeiras constituições brasileiras. Sabe-se que o Brasil é um Estado pacífico e ordeiro, não só por tradição, mas como princípio constitucional, conforme observar-se de rápida leitura do inciso VII, do art. 4º CF/88: “A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: (…) VII - solução pacífica dos conflitos” (BRASIL, 1988, grifo nosso).

Convergindo com a premissa de povo ordeiro e pacífico, o governo do Brasil, através do seu Presidente da República, à época o Sr. Luiz Inácio Lula da Silva, aprovou a Estratégia Nacional de Defesa, por meio do Decreto nº 6.703, de 18 de dezembro de 2008, onde reafirma o posicionamento da Nação brasileira em relação a pacificidade do seu povo:

O Brasil é pacífico por tradição e por convicção. Vive em paz com seus vizinhos. Rege suas relações internacionais, dentre outros, pelos princípios constitucionais da não-intervenção, defesa da paz e solução pacífica dos conflitos. Esse traço de pacifismo é parte da identidade nacional e um valor a ser conservado pelo povo brasileiro (BRASIL, 2008).

O serviço militar é indispensável para as pretensões militares de defesa de um país. O que indaga-se na conjuntura política atual é a manutenção de um serviço obrigatório e a não adoção de um serviço militar voluntário, já que somos uma Nação pacífica e sem inimigos declarados.

Fundado no debate de qual é a melhor forma de ingresso nas Forças Armadas, conscrição voluntário ou obrigatório, destaca-se alguns pontos relevantes sobre a problemática:


5. Estratégia Nacional de Defesa e o serviço militar obrigatório

A Estratégia Nacional de Defesa (END) é um plano de ações estratégicas cujo objetivo é modernizar a estrutura nacional de defesa. A END funda-se em três grandes eixos estruturantes. O primeiro versa sobre como as Forças Armadas devem se organizar e se orientar para melhor desempenhar sua destinação constitucional; o segundo, refere-se à reorganização da indústria nacional de material de defesa; e o terceiro, por sua vez, versa sobre a composição dos efetivos das Forças Armadas e o Serviço Militar Obrigatório, a saber:

(…) O terceiro eixo estruturante versa sobre a composição dos efetivos das Forças Armadas e, conseqüentemente, sobre o futuro do Serviço Militar Obrigatório. Seu propósito é zelar para que as Forças Armadas reproduzam, em sua composição, a própria Nação - para que elas não sejam uma parte da Nação, pagas para lutar por conta e em benefício das outras partes. O Serviço Militar Obrigatório deve, pois, funcionar como espaço republicano, no qual possa a Nação encontrar-se acima das classes sociais (BRASIL, 2008, grifo nosso).

Sobre o tema, Rocha (2014, p. 118) argumenta:

Verifica-se com isso, que o documento projeta o SMO amparado na necessidade de este conduzir a uma identificação maior das Forças Armadas com a diversidade social brasileira, algo que não seria a dinâmica vigente devido à prática de seleção mais flexível que vem ocorrendo no Exército. O documento chega a explicitar o que teria sido observado pelos seus formuladores como um problema que ocorre no transcurso do SMO no Brasil, quando há o predomínio de um voluntariado ao invés de uma situação real de obrigatoriedade. E diante desse quadro compreende que a incorporação dos conscritos deva ter como critério principal a sua “aptidão” ao invés do seu interesse ou não em servir (ROCHA, 2014, p. 113).

Como bem observado pelo autor, na prática, para a grande maioria dos jovens incorporados, o serviço militar acaba por ser voluntário. Fundado nessa afirmação, dados divulgados pelo MD apontam que “cerca de 1,7 milhão de jovens realizaram o alistamento militar em 2018 e, pelo menos, 90 mil deles devem ser incorporados às Forças Armadas, neste ano”.1

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Sobre o autor
Daniel Souza Nogueira

Advogado e Especialista em Direito Militar. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e Especialista em Direito Militar pelo Instituto Venturo de Educação, Direito Constitucional pela Universidade Candido Mendes e Gestão em Segurança Pública pela UFMS.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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