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Atipicidade: juízo definitivo de licitude penal.

Tipicidade: juízo condicionado

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O tema envolve o conhecimento da tipicidade, elemento primeiro do fato típico, e sua ligação com a antijuridicidade, relação de antagonismo do tipo penal com o ordenamento jurídico.

Como premissa, passo logo a afirmar que o juízo de atipicidade é um juízo definitivo de licitude penal.

Isso porque o tipo legal, ao qual se subsume a conduta do agente, é, senão o caráter indiciário da antijuridicidade, uma visão esquemática do injusto, na medida em que o legislador, ao elevar determinado comportamento humano indesejado a uma descrição típica, protegendo o bem jurídico penalmente tutelado, está a atribuir uma valoração de antagonismo do tipo com o ordenamento jurídico. Assim, antes da descrição típica, o comportamento pode até configurar-se em um ilícito civil ou administrativo, mas nunca em um ilícito penal, por força da exigência da anterioridade da lei que institui o crime ao fato que se quer punir, o que constitui, inexoravelmente, uma real limitação ao poder estatal de interferir na esfera das liberdades individuais. Assim entende Damásio Evangelista de Jesus, para quem "... não há antijuridicidade penal sem tipicidade. Não há falar-se em ilicitude penal sem que o fato esteja previsto como infração pela lei, pois é esta que cria a norma de proibição" (Direito Penal, 1º vol., Parte Geral, Editora Saraiva, 21ª ed., 1998, p. 269).

Nesse diapasão, ao lado da função de garantia, o tipo legal assume verdadeira função seletiva, decidindo sobre o que seja crime e o que não seja. Nesta hipótese, "... tem-se o juízo de atipicidade que, este sim, é definitivo, prescindindo de qualquer outra valoração na órbita penal" (Francisco de Assis Toledo, Princípios Básicos de Direito Penal, Editora Saraiva, 5ª ed., 2002, p. 129).

Não se está a afirmar que um fato atípico não possa vir a ser tipificado, mas sim que, enquanto não o for, o comportamento humano, que pode ser até tido como indesejado, não será lançado à categoria de antagônico às normas de direito penal, não se havendo falar, portanto, em tutela penal.

Assim, para concluir, infere-se que o juízo de atipicidade é um juízo definitivo de licitude penal, porque, "o tipo não serve apenas para identificar as condutas criminosas, mas se presta igualmente para descriminar os fatos atípicos; todavia, ao fazê-lo, não exclui a possível ilicitude desses mesmos fatos que podem configurar algum ilícito não-penal. O fato atípico pode, pois ser antijurídico; não pode, todavia, ser um injusto penal" (Francisco de Assis Toledo, Princípios Básicos de Direito Penal, Editora Saraiva, 5ª ed., 2002, p. 128).

Já o Juízo de Tipicidade é um juízo condicionado de ilicitude penal, na medida em que o intérprete deve analisar se o comportamento humano descrito como fato típico não se subsume a uma das hipóteses de excludente de antijuridicidade.

Ademais, necessário pontuar que o juízo de tipicidade não se condiciona apenas à relação de adequação típica entre o ato humano concreto e o tipo descrito na lei como um injusto penal, mas também aos requisitos da tipicidade material.

Assim, um fato formalmente típico será um indiferente penal quando o risco que o agente causa é irrelevante; não ocorrendo, igualmente, a tipificação material e, por conseguinte, a legal, quando o risco criado pelo agente é permitido. Vê-se, portanto, que, por exemplo, as intervenções médicas terapêuticas ou curativas e as lesões esportivas, citadas pela doutrina clássica como causas de exclusão da antijuridicidade (em decorrência do exercício regular de direito), são, para uma outra doutrina, hipóteses de risco permitido; logo, causas que excluem a imputação objetiva da conduta e a própria tipicidade.

O estrito cumprimento do dever legal, da mesma forma, em que pese para a doutrina clássica configurar causa justificante (fato típico que não é antijurídico), para Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli, por exemplo, constitui exclusão da tipicidade, na medida em que, segundo afirmam: "... não podemos admitir que na ordem normativa uma norma ordene o que a outra proíbe". (Manuel de Direito Penal Brasileiro, Parte Geral, 2ª ed., Editora Revista dos Tribunais, p. 458). Mais adiante, ressaltam que "... o juízo de tipicidade não é um mero juízo de tipicidade legal, mas que exige um outro passo, que é a comprovação da tipicidade conglobante, consistente na averiguação da proibição através da indagação do alcance proibitivo da norma, não considerada isoladamente, e sim conglobada na ordem normativa. A tipicidade conglobante é um corretivo da tipicidade legal, posto que pode excluir do âmbito do típico aquelas condutas que apenas aparentemente estão proibidas" (Manuel de Direito Penal Brasileiro, Parte Geral, 2ª ed., Editora Revista dos Tribunais, p. 459).

Portanto, o juízo de tipicidade é sim um juízo condicionado da própria tipicidade penal, que engloba não só a legal quanto a material. E, como visto, faz-se condicionado também na análise da ilicitude penal, devendo haver a confrontação do ato humano praticado com as excludentes de ilicitude.

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Sobre o autor
Fabio Camacho Dell´Amore Torres

servidor público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Católica de Santos

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TORRES, Fabio Camacho Dell´Amore. Atipicidade: juízo definitivo de licitude penal.: Tipicidade: juízo condicionado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1002, 30 mar. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8170. Acesso em: 29 mar. 2024.

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