I. Considerações Iniciais
Em estudo sobre as Ações Coletivas, Carlos Henrique Bezerra Leite (2001) registra que "com a promulgação da Constituição Federal de 1988, que assegura o acesso – individual e coletivo – ao Judiciário, tanto nas lesões como nas ameaças a direito, o legislador constituinte reconheceu, definitivamente, a necessidade de se buscar novos meios que pudessem tornar o processo mais ágil e útil à sociedade de massa, como a dos nossos dias, evitando, assim, a prestação jurisdicional intempestiva".
Dada a natureza e as particularidades dos interesses e direitos metaindividuais, o sistema processual respectivo é voltado para a socialização (função social) e democratização do processo. Busca-se a efetividade do processo e a pacificação social através da solução preventiva (ou inibitória), homogênea e célere de questões que atingem um número, em regra, infindo de pessoas, liberando-as dos entraves da ação individual. Por outro lado, protegem-se bens jurídicos cuja lesão pode ocasionar conseqüências algumas vezes imprevisíveis.
A tutela coletiva também contribui para a efetivação do amplo acesso à justiça, na medida em que ameniza barreiras de ordem técnica, cultural e psicológica, facilitando a defesa de interesses e direitos dos hipossuficientes (crianças, consumidores, trabalhadores, grupos vulneráveis, idosos, enfermos, etc.). Portanto, as ações coletivas permitem o acesso à justiça daqueles que, individualmente, não teriam meios de ingressar em juízo ou teriam muita dificuldade de fazê-lo.
Outra vantagem da tutela coletiva é a facilitação do tratamento processual de causas pulverizadas, que, por serem individualmente muito pequenas e insignificantes, não seriam ajuizadas, deixando impunes os autores dos danos [1]. Conforme a doutrina majoritária, a tutela coletiva confere tratamento molecular às lides; enquanto a individual, atomizado. Há, também, a questão da economia de tempo, esforços e despesas e da garantia da uniformidade das decisões.
Vale destacar, ainda, o novo enfoque dado à responsabilidade civil, na medida em que a condenação genérica (art. 95 do Código de Defesa do Consumidor) impõe ao réu a obrigação de indenizar os danos e prejuízos causados, e não os sofridos. Isto quer dizer que, uma vez procedentes os pedidos formulados na ação coletiva, é fixada a responsabilidade genérica do réu pelos danos e prejuízos decorrentes de sua conduta, cabendo aos lesados apenas a liquidação dos respectivos danos e a posterior execução. Isso facilita sobremaneira a reparação, na medida em que na liquidação e execução não se discute mais a responsabilidade do réu pelos danos.
A tutela coletiva também concretiza a igualdade material entre os litigantes, na medida em que são neutralizadas as vantagens dos litigantes habituais e daqueles mais fortes pelo instituto da legitimidade extraordinária.
Na seara justrabalhista, caracterizada pela complexa e muita vezes conflituosa relação entre o capital e o trabalho, a tutela coletiva possibilita a equivalência processual entre trabalhadores e empregadores pela representatividade conferida a determinados órgãos e entidades (principalmente o Ministério Público do Trabalho e sindicatos). Nas ações coletivas há, portanto, equilíbrio das partes, o que não ocorre nas ações individuais, em que o trabalhador atua de forma isolada e enfraquecida.
A principal vantagem da tutela coletiva no âmbito do direito do trabalho consiste na possibilidade de prevenção ou reparação da imediata da violação aos direitos dos trabalhadores no curso da relação de trabalho. A realidade tem demonstrado que os trabalhadores só reivindicam seus direitos após o fim da relação laboral, em função do receio de ter o pacto rescindido na hipótese de demandar contra o empregador (ou tomador de serviço em geral) no curso daquela. Ao final do contrato, muitas vezes a pretensão do trabalhador tem sido atingida pela prescrição, ficando o trabalhador no prejuízo por não poder mais pleitear a devida reparação. Desse modo, o trabalhador geralmente tem ficado diante do seguinte dilema: demandar no curso da relação e correr o risco de perder o emprego ou aguardar o fim da relação para demandar e ter parte da pretensão fulminada pela prescrição.
Nesse contexto, apesar de assegurada a inafastabilidade da jurisdição e a proteção da relação de emprego pela Constituição Federal, o ajuizamento de reclamação trabalhista (ação individual) ainda tem ocasionado a dispensa de alguns trabalhadores. Essa questão tem conferido à Justiça do Trabalho o título de "Justiça dos desempregados", na medida em que os trabalhadores, em regra, têm ingressado em juízo apenas ao final da relação.
Como a tutela coletiva é pleiteada em juízo pelo substituto processual de forma genérica, abstrata, sem individualização dos beneficiários e independentemente de autorização destes, evita-se qualquer tipo de represália por parte dos empregadores, garantindo aos trabalhadores uma imediata e efetiva proteção de seus interesses e direitos [2], inclusive através da tutela inibitória.
Tendo em vista essas peculiaridades das ações coletivas, a prescrição da pretensão relativa aos interesses e direitos metaindividuais é tema polêmico e controvertido na doutrina e na jurisprudência.
Sem qualquer intenção de esgotar o tema, apresentaremos nesse trabalho algumas considerações e reflexões sobre a aplicação do instituto da prescrição em relação a pretensão que envolva interesses e direitos metaindividuais.
II. Evolução Legislativa da Tutela dos Interesses e Direitos Metaindividuais no Brasil
A evolução da sociedade, com a concentração em centros urbanos, a progressiva industrialização e expansão comercial, o desenvolvimento dos meios de comunicação e de transporte, a adoção do modelo capitalista de produção [3], a globalização, entre outras questões, fez surgir uma nova espécie de conflito social: os conflitos de massa.
Os conflitos de massa, por sua vez, deram origem a novos interesses e direitos, os metaindividuais, que têm como destinatários não apenas o homem singularmente considerado, mas o homem socialmente organizado, o próprio gênero humano, a sociedade, a coletividade [4]. Essa nova espécie de interesses e direitos compreende aqueles que a doutrina constitucionalista denomina de direitos fundamentais de terceira geração (direitos de fraternidade ou solidariedade), compreendendo o direito à paz, ao meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, a uma saudável qualidade de vida, à segurança, à educação, ao patrimônio comum da humanidade, ao progresso, à comunicação, os direitos das crianças, adolescentes e idosos, entre outros.
Xisto Tiago de Medeiros Neto (2004, p. 110), analisando o contexto delineado acima, lembra que:
"Os conflitos, por decorrência, adquiriram uma outra magnitude, de consideração coletiva, em um grau de elevada intensidade, não mais se subsumindo ao universo puramente intersubjetivo, tão característico do período liberal, clássico, impregnado de cogitações individualistas. É certo dizer, assim, que os interesses coletivos (lato sensu) são típicos da sociedade contemporânea, que se voltou para uma perspectiva de caráter social, visualizando, dentro desse contexto, o homem e sua proteção, por ser imprescindível à sua própria existência."
No mesmo sentido, Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart (2003, p. 750) acrescentam que:
"A sociedade moderna caracteriza-se por uma profunda alteração no quadro dos direitos e na sua forma de atuação. De um lado, verifica-se a alteração substancial no perfil dos direitos desde sempre conhecidos, que assumem contornos completamente novos (basta pensar na função social do direito de propriedade, na publicização do direito privado e na privatização do direito público), e de outro a ampliação do próprio rol dos direitos, reconhecendo-se direitos tipicamente vinculados à sociedade de consumo e à economia de massa, padronizada e globalizada."
O sistema processual brasileiro vigente à época do início dessas transformações, eminentemente individualista, mostrou-se inadequado e insuficiente para a tutela das novas lides envolvendo os interesses e direitos metaindividuais. O principal diploma processual vigente era o Código de Processo Civil, Lei n.° 5.869, de 11 de janeiro de 1973, cujos estudos e debates que orientaram a sua elaboração remontavam ao final dos anos 60 e início dos anos 70. Assim, foi necessária a criação e implementação de institutos jurídicos aptos a tutelar os novos direitos, cujas lesões podem acarretar conseqüências muitas vezes imprevisíveis.
Nesse contexto de intensas transformações, o legislador pátrio cuidou de editar leis disciplinando esses novos conflitos e direitos. As primeiras leis sobre o tema eram bastante tímidas e restritivas, contemplando apenas questões específicas da sociedade. Com o tempo, as leis passaram a tutelar de forma geral os interesses e direitos metaindividuais, o que se consolidou com a edição do Código de Defesa do Consumidor – Lei n.° 8.078/90, que, inclusive, alterou alguns dispositivos da Lei da Ação Civil Pública – Lei n.° 7.347/85, possibilitando uma ampla tutela desses direitos.
Tendo como marcos a Lei da Ação Civil Pública, a Constituição Federal de 1988 [5] e o Código de Defesa do Consumidor, a doutrina geralmente divide a evolução legislativa da tutela dos interesses e direitos metaindividuais em quatro fases: a) antes da Lei da Ação Civil Pública; b) depois da Lei da Ação Civil Pública e antes da Constituição; c) depois da Constituição e antes do Código de Defesa do Consumidor; e, d) depois do Código de Defesa do Consumidor, quando foi consolidado um sistema que possibilita uma efetiva e satisfatória tutela coletiva.
Comentando a primeira fase, Hugo Nigro Mazzilli (2004, p. 63), lembra que:
"Antes da Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985, poucas fórmulas havia para defesa global, em juízo, de interesses transindividuais, tais como: a) a ação popular, ajuizada pelo cidadão; b) algumas ações civis públicas já cometidas ao Ministério Público; c) a autorização a entidades de classe para postular interesses coletivos em juízo. Assim, mister se tornava encontrar fórmula que, dentro da tradição de nosso Direito, desse melhor acesso ao Poder judiciário quando de conflitos a propósito de interesses difusos ou coletivos, tomados estes em seu sentido lato."
Em conseqüência, foi editada a Lei n.° 7.347, de 24 de julho de 1985, conhecida como Lei da Ação Civil Pública, marco inicial da segunda fase. Essa Lei disciplinava, apenas, a reparação de danos causados ao consumidor, ao meio ambiente e a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. O então Presidente da República, José Sarney, vetou o inciso IV do art. 1°, que incluía no âmbito da ação civil pública "qualquer outro interesse difuso ou coletivo".
Assim, embora a Lei n.° 7.347/85 tenha alargado o âmbito da ação civil pública, temos que a tutela dos interesses e direitos metaindividuais continuou contemplando apenas questões pontuais e específicas da sociedade, taxativamente elencadas no seu art. 1°. Ademais, a proteção conferida pela Lei da Ação Civil Pública era limitada aos interesses e direitos difusos e coletivos, não contemplando os individuais homogêneos.
Na seqüência, foi promulgada a Constituição Federal de 1988 e o Código de Defesa do Consumidor, esse em 1990, marcos iniciais da terceira e quarta fase, respectivamente.
A Constituição Federal de 1988, elevando a ação civil pública à categoria de garantia fundamental, conforme expõe Carlos Henrique Bezerra Leite (2004, p. 816), ampliou significativamente o seu objeto. Ao tratar do Ministério Público, a Carta Política de 1988 estabeleceu que a ação civil pública poderia ser ajuizada para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos (art. 129, III). Assim, em face da cláusula genérica do dispositivo constitucional, que havia sido vetada do texto da Lei n.° 7.347/85, a ação civil pública deixou de contemplar apenas as questões específicas e taxativamente previstas anteriormente. Importante deixar registrado que até então os interesses e direitos individuais homogêneos ainda não eram objeto da tutela coletiva.
Como já exposto, apenas com o Código de Defesa do Consumidor, marco inicial da quarta fase, é que a tutela dos interesses e direitos metaindividuais foi consolidada. Esse Código, além de regulamentar os interesses e direitos individuais homogêneos, até então inexistentes no ordenamento jurídico pátrio, cuidou de instituir um sistema processual apto a disciplinar, indistintamente, todas as ações coletivas. O Código de Defesa do Consumidor não se limita à solução dos conflitos oriundos das relações de consumo, disciplinando, pois, toda e qualquer ação coletiva, independentemente da matéria e espécie de interesse ou direito em conflito (difuso, coletivo e individual homogêneo).
Em face dos problemas e das dificuldades vivenciados na aplicação da Lei da Ação Civil Pública, o legislador dedicou o último título do Código de Defesa do Consumidor (Título VI, artigos 110 a 117) ao aperfeiçoamento daquele diploma.
Ada Pellegrini Grinover (2000, p. 11) de forma objetiva assim sintetiza a segunda, a terceira e a quarta fase dessa evolução:
"Veio assim à luz, em 1985, a Lei 7.347 sobre a denominada ação civil pública, destinada à tutela do ambiente e do consumidor, na dimensão dos bens indivisivelmente considerados e consequentemente dos interesses difusos propriamente ditos. A Constituição de 1988, depois, sublinhou em diversos dispositivos a importância dos interesses coletivos: em primeiro lugar, elevando a nível constitucional a defesa de todos os interesses difusos e coletivos, sem limitações quanto à matéria, como função institucional do Ministério Público – extremamente autônomo e independente no Brasil -, mas permitindo à lei a ampliação da legitimação ativa (art. 129, III e §1°); referindo-se, depois, à representação judicial e extrajudicial das entidades associativas para a defesa de seus próprios membros (art. 5.°, XXI); criando o mandado de segurança coletivo, com legitimação dos partidos políticos, dos sindicatos e das associações legalmente constituídas e em funcionamento há pelo menos um ano (art. 5°, LXX); e ainda destacando a função dos sindicatos para a defesa dos direitos e interesses coletivos e individuais da categoria (art. 8.°, III) e salientando a legitimação ativa dos índios e de suas comunidades e organizações para a defesa de seus interesses ou direitos (art. 232). E, finalmente, o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) veio coroar o trabalho legislativo, ampliando o âmbito de incidência da lei da ação civil pública, ao determinar sua aplicação a todos os interesses difusos e coletivos, e criando uma nova categoria de direitos e interesses, individuais por natureza e tradicionalmente tratados apenas a título pessoal, mas condutíveis coletivamente perante a justiça civil, em função da origem comum, que denominou direitos individuais homogêneos."
Portanto, podemos dizer que o Código de Defesa do Consumidor consagrou e consolidou a tutela dos interesses e direitos metaindividuais na legislação pátria, sendo aplicado, juntamente com a Lei da Ação Civil Pública, na defesa de qualquer interesse dessa espécie [6].
Há, ainda, algumas leis esparsas que tratam dos direitos e interesses metaindividuais, como a Lei Orgânicas do Ministério Público da União (Lei Complementar n.° 75/93), Lei Orgânica do Ministério Público dos Estados (Lei Ordinária n.° 8.625/93), o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.° 8.069/90), a Lei Antitruste ou Lei do Abuso Econômico (Lei Ordinária n.° 8.884/94), entre outras.
III. Os Interesses e Direitos Metaindividuais
Além de introduzir os interesses e direitos individuais homogêneos no ordenamento jurídico brasileiro, o Código de Defesa do Consumidor também apresentou a conceituação [7] das outras duas espécies de direitos metaindividuais [8], os difusos e coletivos.
Antes de passarmos a analisar as espécies de interesses e direitos metaindividuais é importante esclarecer que a identificação delas deve levar em consideração a pretensão deduzida em juízo (causa de pedir e pedido) e não o fato ou ato jurídico, ou mesmo a matéria, que motivou o ajuizamento da ação. Assim sendo, um mesmo ato ou fato pode ensejar pretensões visando a tutela de interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos [9], a depender da causa de pedir e do(s) pedido(s).
A definição dada pelo Código de Defesa do Consumidor é a seguinte:
"Art. 81 (...)
I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;
II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica-base;
III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum."
III.1. Interesses e direitos difusos
Os interesses e direitos difusos são, assim, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato.
Ada Pellegrini Grinover (2001, p. 741) destaca que o legislador optou "pelo critério da indeterminação dos titulares e da inexistência entre eles de relação jurídica base, no aspecto subjetivo, e pela indivisibilidade do bem jurídico, no aspecto objetivo".
Podemos, então, destacar as seguintes características e peculiaridades dos interesses e direitos difusos:
a) transindividuais, pois transcendem, ultrapassam a órbita individual;
b) indeterminação dos sujeitos, na medida em que atingem um número indeterminado de pessoas cuja identificação é impossível dada a amplitude do bem jurídico tutelado. Conforme Manoel Jorge Silva Neto (2001, p. 31), podem até mesmo estar afeto a toda humanidade;
c) indivisibilidade do objeto, pois esse não pode ser quantificado e dividido ou fracionado entre os pretensos interessados;
d) inexistência de vínculo associativo ou relação jurídica base entre os interessados, que estão ligados, apenas, por circunstâncias de fato.
Um exemplo de defesa de interesse e direito difuso seria uma ação coletiva visando a anulação da contratação de servidores investidos em cargos efetivos ou empregos de natureza permanente por um ente ou órgão da administração pública direta ou indireta, sem a realização de concurso público. Trata-se de interesse e direito difuso na medida em que é transindividual; de natureza indivisível; há indeterminação dos sujeitos, pois, em tese, todos os brasileiros poderiam concorrer aos cargos ou empregos se fosse realizado concurso público; e, por fim, os interessados estão ligados por circunstâncias de fato, inexistindo qualquer relação jurídica-base entre eles.
Outro exemplo seria uma ação coletiva visando obrigar uma determinada empresa a contratar pessoas portadoras de deficiência, conforme o art. 93 da Lei n.° 8.213/91 [10]. O interesse é transindividual; indivisível; há indeterminação dos interessados, uma vez que todos os deficientes podem, em tese, ser beneficiados; e não há qualquer relação jurídica unindo os interessados, apenas a circunstância fática de serem deficientes.
Por serem transindividuais, titularizados por pessoas indeterminadas, quase sempre indetermináveis, e terem objeto indivisível, os direitos difusos só permitem a tutela coletiva, não sendo possível a tutela individual.
III.2. Interesses e direitos coletivos
Os interesses e direitos coletivos, por sua vez, são os transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica-base.
Conforme Xisto Tiago de Medeiros Neto (2004, p. 117), os direitos e interesses coletivos possuem as seguintes características:
a) transindividualidade, manifestando-se por força da coletividade, não se conformando ao âmbito individual;
b) abrangência de um número de indivíduos não determinado, porém determinável;
-
c) relação jurídica base, isto é, existência de um vínculo associativo entre os integrantes do grupo, categoria ou classe ou entre esses e a parte contrária;
d) indivisibilidade do interesse, não sendo possível o seu fracionamento entre os indivíduos integrantes do grupo, categoria ou classe, pois afeto a todos indistintamente e a nenhum pessoalmente.
Como exposto, um mesmo ato ou fato pode ensejar pretensões visando a tutela de interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos, a depender da pretensão deduzida em juízo. Em decorrência, exemplificaremos os interesses e direitos coletivos com base nos mesmos fatos relativos aos difusos.
Na hipótese da contratação de servidores sem a realização de concurso público, verifica-se que a ação coletiva ajuizada visando a anulação das demissões (implementadas, por exemplo, sem a observância do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal) versará sobre interesses coletivos dos servidores contratados irregularmente, que consiste na manutenção do vínculo. O interesse, no caso, é transindividual; abrange um número determinado ou determinável de pessoas (os que foram contratados irregularmente); é indivisível, pois a anulação atingirá todos que foram demitidos, indistintamente; e há a relação jurídica base (contratação dos servidores pelo poder público).
Em relação às pessoas portadoras de deficiência, um exemplo de interesse coletivo seria uma ação para obrigar uma determinada empresa a adequar as suas instalações às necessidades dos seus empregados deficientes, instalando elevadores, rampas de acesso aos locais de trabalho, banheiros adaptados, etc. O interesse é coletivo, uma vez que é transindividual e de natureza indivisível, pos diz respeito a todos os empregados deficientes indistintamente. Esses constituem um grupo que, por sua vez, está ligado com a parte contrária (o empregador) por uma relação jurídica-base, o contrato de emprego.
Tal como ocorre com os direitos difusos, em regra os interessados não têm legitimidade para pleitear a tutela dos interesses e direitos coletivos de forma individual. Os direitos coletivos só permitem a tutela coletiva.
III.3. Interesses e direitos individuais homogêneos
Por fim, os interesses e direitos individuais homogêneos são os decorrentes de origem comum.
Há, nessa espécie, um feixe de interesses individuais com origem comum, cujos titulares são determinados (facilmente identificáveis e individualizáveis). Quanto à origem comum, significa que a lesão e o causador da lesão são os mesmos.
Carlos Henrique Bezerra Leite (2002, p. 163) lembra que alguns doutrinadores defendem que "os interesses individuais homogêneos são essencialmente individuais, mas acidentalmente coletivos"; entretanto, prefere dizer que esses interesses "são materialmente individuais e processualmente coletivos".
Diferentemente dos interesses e direitos difusos e coletivos, os individuais homogêneos sempre podem ser defendidos a título individual. Entretanto, conforme exposto acima, a tutela coletiva é pertinente e necessária pelas inúmeras vantagens que proporciona aos interessados, especialmente no âmbito trabalhista.
Aproveitando os exemplos anteriores, uma hipótese de tutela a interesse individual homogêneo ocorreria na ação visando a anulação da demissão de empregados portadores de deficiência sem a prévia contratação de substitutos de condição semelhante, conforme exige o art. 93, §1°, da Lei n.° 8.213/91 [11]. Nesse caso, cada empregado deficiente demitido poderia pleitear individualmente a reintegração no emprego [12]. Por outro lado, atingindo uma pluralidade de empregados (grupo) e tendo origem comum (mesma lesão: demissão; mesmo causador: o empregador), resta caracterizado o interesse individual homogêneo, tutelável coletivamente.