21- O CONTROLE DIFUSO E SUAS FORMAS
No sistema híbrido de controle judicial de constitucionalidade adotado no Brasil, tem-se, como segunda vertente, o controle difuso, concreto ou incidental.
A principal característica dessa modalidade de controle jurisdicional reside no fato de que a questão do controle de constitucionalidade surge incidentalmente, no curso de uma demanda que não tem por objetivo principal a aferição da constitucionalidade. Por outras palavras, a questão da compatibilidade constitucional é apenas um elemento da causa de pedir.
Para os fins de nossa análise, o controle difuso será dividido em três modalidades a saber: controle pelo magistrado de primeiro grau; controle no segundo grau, e controle via recurso específico, que é o recurso extraordinário.
22-CONTROLE DIFUSO - ANTECEDENTES
O antecedente do controle difuso é precedente que é apontado como antecedente do próprio controle judicial de constitucionalidade. Trata-se de caso Willian Marbury v. James Madison, julgado na Suprema Corte dos Estados Unidos da América por John Marshall, em 1803, onde ficou estabelecida a possibilidade de cotejo de atos jurídicos em face da Constituição, devendo prevalecer esta última.
Após este precedente, somente em 1857 aquele tribunal voltou a manifestar-se acerca do controle de constitucionalidade.
No caso do Brasil, "embora a idéia de controle de constitucionalidade já estivesse estampada na exposição de motivos do Decreto nº 848, sob nítida inspiração no judicial review norte-americano, somente com a Constituição de 1891 a tese republicana ganha forma e estrutura, a partir da designação de um órgão de cúpula do Poder Judiciário, que seria encarregado de realizar esse controle. Por isso, é possível afirmar que a teoria constitucional brasileira nasce com a Constituição e a República de 1891." [125]
Na Constituição de 1934, foi inserida a cláusula de reserva de plenário e a intervenção do Senado na suspensão dos efeitos da norma. [126]
23- CONTROLE NO PRIMEIRO GRAU DE JURISDIÇÃO
No sistema jurídico brasileiro da atualidade, qualquer juiz de primeiro grau pode e deve analisar incidentalmente a questão da constitucionalidade de atos, sejam públicos ou privados.
Se o ato inconstitucional é nulo, tal nulidade pode e deve ser conhecida de ofício pelo magistrado. Tal controle, efetuado na fundamentação da decisão, pode ser levado a efeito em qualquer espécie de demanda.
Obviamente, a declaração da inconstitucionalidade opera somente entre as partes e não é a pretensão vertida, mas é apenas tomada como causa de pedir e razão de decidir. Logo o julgador irá acolher ou rejeitar o pedido, porque há ou não uma inconstitucionalidade, mas não irá formalizar uma declaração de inconstitucionalidade, que não é o pedido. A compatibilidade com a Constituição, é, por conseguinte, uma questão prejudicial.
A filtragem de constitucionalidade nesta hipótese, abarca quaisquer espécies de atos jurídicos.
24- CONTROLE NO SEGUNDO GRAU DE JURISDIÇÃO
Também os tribunais, ao julgarem recursos ou demandas de competência originária podem e devem analisar a compatibilidade constitucional dos atos em voga no processo. Nesta tarefa, deverá observar, contudo, as condicionantes materializadas no incidente de inconstitucionalidade e na cláusula de reserva de plenário.
Segundo a cláusula de reserva de plenário, prevista no artigo 97 da CF/88, somente pelo "voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderá os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público".
Para tanto, ou seja, para que questão objeto de apreciação do órgão fracionário chegue ao órgão pleno, há o incidente de inconstitucionalidade, regulado pelos artigos 480 a 482 do CPC.
Neste caso, observada a argüição de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, o relator, ouvido o Ministério Público submete a questão à turma ou câmara, que, se acolher o incidente, remeterá o feito pata o tribunal pleno ou órgão especial, o qual decidirá a matéria de forma vinculativa.
O incidente somente está dispensado quando já houver pronunciamento do plenário ou órgão especial do próprio tribunal ou do Supremo Tribunal Federal.
A decisão proferida pelo órgão especial ou tribunal pleno "tem natureza interlocutória e não é capaz de produzir coisa julgada material" [127], de forma que eventual recurso extraordinário é interposto da decisão do órgão fracionário, e não da decisão do tribunal pleno ou órgão especial.
Mas aqui é preciso notar algo importante. É que o controle de constitucionalidade tem objeto mais amplo, vale dizer, não somente atos normativos ou leis podem ser objeto, mas também atos de efeitos concretos e individualizados e mesmo atos de natureza privada. Nestas hipóteses de atos que não provêm do Poder Público ou que não se enquadram no figurino de lei ou ato normativo, à mingua de previsão, não há necessidade de o órgão fracionário submeter a questão ao órgão especial ou tribunal pleno.
Tanto a Constituição Estadual como a Federal apresentam parametricidade para esta forma de controle.
25- RECURSO EXTRAORDINÁRIO
O controle difuso também pode ser levado a efeito através de recurso com esta finalidade específica, in casu, o recurso extraordinário, previsto no artigo 102, inciso III, da CF/88, sendo processado e julgado pelo Supremo Tribunal Federal.
Tanto as partes como o Ministério Público podem interpor recurso extraordinário, nos termos do artigo 499 do CPC.
Como instância extraordinária, o manejo do recurso demanda o exaurimento das instâncias ordinárias (Súmulas 281 e 640 do STF) [128] e a observância da presença de uma ou mais das hipóteses previstas para o se cabimento. Somente matéria estritamente de direito poderá ser questionada, ficando afastada a reavaliação de material probatório (Súmula 279 do STF) [129], ou a utilização do recurso para simples interpretação de cláusulas contratuais (Súmula 454 do STF). Da mesma forma, não cabe recurso extraordinário em decisão proferida no processamento de precatórios (Súmula 733 do STF).
A primeira hipótese ocorre quando a decisão vergastada contrariar dispositivo da Constituição Federal, podendo ser considerada a decisão tanto sob o aspecto material, como formal. Esta decisão não poderá, no entanto, ser deferitória de medida liminar (Súmula 735 do STF). Nos termos da Súmula 400 do mesmo do Excelso Pretório, "decisão que deu razoável interpretação à lei, ainda que não seja a melhor, não autoriza recurso extraordinário pela letra a do art. 101, III, da Constituição Federal." [130]
A contrariedade à Constituição deve ser direta, não se admitindo que, para atingir-se o texto constitucional, se tenha de irrogar a interpretação de normas infraconstitucionais (Súmula 636 do STF).
A segunda hipótese de cabimento tem vez quando a decisão "declarar" a inconstitucionalidade de lei federal ou tratado, ou seja, concluir na fundamentação da decisão, que determinada lei federal ou tratado é inconstitucional.
A terceira previsão diz respeito a decisões que julgarem válidos lei ou ato de governo local contestados em face da Constituição. Aqui também as leis municipais podem ser confrontadas à Constituição Federal, bem como atos de Prefeito, diretores, secretários, e agentes públicos. [131]
A quarta possibilidade de manejo do recurso extraordinário está relacionada ao julgamento de "validade de lei local contestada em face de lei federal".
Este caso estava previsto como um dos casos de recurso especial, nos termos do artigo 105, inciso III, alínea "b", sendo que a nova redação do artigo 102 desmembra parte da previsão antes relativa ao recurso especial.
Neste hipótese específica, o recurso extraordinário terá em mira diretamente a proteção da unidade e integridade da lei federal, e somente indiretamente a Constituição, porque a lei local que contraria lei federal incorre em inconstitucionalidade indireta. Cai por terra, portanto, diante da nova previsão, a Súmula 280 do STF.
Observando as hipóteses de cabimento do recurso extraordinário, podemos constatar, consoante assertoa Ovídio Baptista da Silva, que o recurso extraordinário "ao contrário dos demais recursos ordinários, não tem por fim exclusivo interesse do recorrente em obter a reforma da decisão, impugnada em seu benefício pessoal mas, ao lado desse interesse privado, serve-se o ordenamento jurídico da iniciativa do recorrente para manter e preservar os princípios superiores de unidade e inteireza do sistema jurídico em vigor." [132]
Somente a Constituição Federal pode ser invocada para a interposição de recurso extraordinário.
26- PREQUESTIONAMENTO E REPERCUSSÃO GERAL
De par com a observância das hipóteses de cabimento previstas em numerus clausus na Constituição, há, ainda, a necessidade de que a matéria constitucional tenha sido objeto de manifestação nas instâncias ordinárias ou no recurso especial, caracterizando-se o prequestionamento. Tal requisito é objeto da Súmula 282 do STF, segundo a qual "é inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada."
A matéria poderá ser considerada prequestionada "quando o órgão julgador haja adotado entendimento explícito a respeito, incumbindo à parte sequiosa de ver a controvérsia guindada à sede extraordinária instá-lo a fazê-lo." [133]
Para tanto, em sendo omissa a decisão acerca da matéria constitucional, cumpre à parte interpor embargos de declaração, com observância da Súmula 356 do STF, ainda mesmo quando a questão constitucional tenha sido ventilada somente na decisão recorrida. [134] Há necessidade de manifestação expressa e explícita sobre a questão constitucional [135]
Para o STF basta a interposição do recurso de embargos de declaração, pois "opostos esses, se, não obstante, se recusa o Tribunal a suprir a omissão, por entendê-la inexistente, nada mais se pode exigir da parte, permitindo-se-lhe, de logo, interpor recurso extraordinário sobre a matéria dos embargos de declaração e não sobre a recusa, no julgamento deles, de manifestação sobre ela." [136]
A Emenda Constitucional nº 45/04 acresceu outro requisito ao recurso extraordinário materializado na necessidade de o recorrente "demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros".
Esta disposição sem dúvida tem por escopo instrumentalziar aquela corte com mais um mecanismo de controle do número de recursos desta espécie que são processados aos milhares. A rigor, a menção a " nos termos lei", faz com que exista a necessidade de regulamentação do que se entende por repercussão geral e quais os modos de se comprová-la. Todavia, ad cautelam, o recorrente deve desde já demonstrar que a questão jurídica constitucional versada no recuso se considerada de forma abstrata, é uma questão que repercute ou ocorre em grande números de relações jurídicas.
27- MEDIDA CAUTELAR
O recurso extraordinário não tem efeito suspensivo (artigos 497 e 542, § 2º, do CPC). Na esteira da solução concebida para a ausência de mecanismo de tutela da urgência no sistema processual brasileiro, alvitrou-se a utilização da medida liminar cautelar para conceder efeito suspensivo ao recurso extraordinário.
Invoca-se para tanto, o poder geral de cautela, deferido ao magistrado por força do artigo 796 do CPC e 21 do regimento Interno do STF, conforme esteja a questão abarcada ou não pela jurisdição daquela corte.
Se o recurso a que se quer atribuir efeito suspensivo está sendo objeto de admissibilidade no tribunal de origem, a competência para apreciar liminar é do seu presidente ou de quem o faça as vezes (Súmula 635 do STF). Caso já tenha havido um juízo de admissibilidade positivo, a competência passa para o relator do recurso extraordinário.
Consoante a jurisprudência do STF, "a concessão de medida cautelar, pelo Supremo Tribunal Federal, quando requerida com o objetivo de atribuir eficácia suspensiva a recurso extraordinário, exige, para viabilizar-se, a cumulativa observância dos seguintes pressupostos: (1) instauração da jurisdição cautelar do Supremo Tribunal Federal, motivada pela existência de juízo positivo de admissibilidade do recurso extraordinário, (2) viabilidade processual do recurso extraordinário, caracterizada, dentre outros requisitos, pelas notas da tempestividade, do prequestionamento explícito da matéria constitucional e da ocorrência de ofensa direta e imediata ao texto da Constituição, (3) plausibilidade jurídica da pretensão de direito material deduzida pela parte interessada e (4) ocorrência de situação configuradora de periculum in mora." [137]
A sua concessão "pressupõe juízo positivo de delibação acerca da plausibilidade do recurso cuja eficácia se visa a resguardar contra os riscos da demora, quer a pretensão seja de que se lhe empreste efeito suspensivo, quer de que se determine o imediato processamento de recurso retido na origem." [138]
A medida cautelar apresenta eficácia exclusivamente inter partes.
28- PROCEDIMENTO
O recurso extraordinário é interposto perante o tribunal a quo, em prazo de quinze dias [139], dirigido ao seu presidente, em petição escrita, com exposição dos fatos e do direito, demonstração do seu cabimento e as razões de reforma.
Na exposição dos fatos e do direito, o recorrente expõe a lide e seus fundamentos, ou seja, formula um apanhado dos fatos e do direito em discussão no processo. Na demonstração do cabimento, o recorrente deverá realizar a subsunção da questão versada no processo a uma das hipóteses permissivas do recurso, anteriormente referidas, não havendo necessidade de aprofundamento da discussão, o que será feito nas razões. Deverá, também, demonstrar a repercussão geral, tratada nas linhas supra.
Nas razões recursais, a matéria objeto do recurso deve ser debatida e argumentada em profundidade.
Recebido o recurso, será o recorrido intimado a apresentar suas contra-razões em prazo de quinze dias. Após, com manifestação prévia do Ministério Público se for o caso, o recurso é concluso ao presidente do tribunal, ou quem, segundo o seu regimento interno o faça as vezes para esta finalidade específica, oportunidade em que será objeto de um juízo de admissibilidade, onde é aferida a presença dos pressupostos recursais, objetivos e subjetivos, observando-se que no processo penal há dispensa de preparo. [140].
Caso não seja admitido o recurso, cabe à parte interpor agravo de instrumento ao Supremo Tribunal Federal. Nos processos cíveis, o prazo é de dez dias, e no processo penal é de cinco, conforme a Súmula 699 do STF.
A petição do agravo será dirigida à presidência do Tribunal de origem e deverá ser acompanhada de peças obrigatórias, sob pena de não conhecimento, quais sejam, cópias do acórdão recorrido, da certidão da respectiva intimação, da petição do recurso cujo seguimento foi negado, das contra-razões, da decisão agravada que negou seguimento ao recurso e de sua intimação e das procurações outorgadas aos causídicos, se for o caso. Estas peças não precisam ser autenticadas, bastando declaração do advogado sob as penas da lei.
Estes documentos permitem aferir-se a tempestividade e regularidade do recurso cujo seguimento se quer dar ensejo, e o julgamento do próprio mérito da questão. De fato, consoante o permissivo do artigo 544, §§ 3º e 4º, do CPC, pode o relator julgar diretamente o mérito do recurso extraordinário denegado, quando a decisão guerreada estiver em confronto com súmula ou jurisprudência dominante do próprio STF.
A ausência de peças essenciais conduz ao improvimento do recurso nos termos das Súmulas 288 e 639 do STF.
Esta decisão do relator está sujeita, de seu turno, a agravo, para o órgão colegiado, nos termos dos artigos 5454 e 557, § 1º e 2º do CPC.
Em sendo conhecido o recurso, o Supremo Tribunal Federal "julgará a causa aplicando o direito à espécie."(Súmula 456 do STF).
Quando o recurso relacionar-se a decisão interlocutória em processo de conhecimento, cautelar ou embargos à execução, será retido, e somente será processado se assim o requerer a parte nas razões ou contra-razões em recurso da decisão final (art. 542, § 3º, do CPC).
A decisão tem efeitos inter partes somente. A sua extensão a terceiros depende de suspensão da eficácia através de manifestação do Senado Federal, por via de resolução, na forma do artigo 52, inciso X, da CF/88, sendo que o tribunal deverá comunicá-lo acerca do resultado do julgamento para esta finalidade.
Esta manifestação também pode ser provocada por representação do Procurador-Geral da República e/ou projeto de resolução da Comissão de constituição e Justiça, devendo a comunicação, a representação ou o projeto "ser instruídos com o texto da lei cuja execução se deva suspender, do acórdão do Supremo Tribunal Federal, do parecer do Procurador-Geral da República e da versão do registro taquigráfico do julgamento." [141]
Quanto a sua eficácia no tempo, a "declaração surte efeitos ex tunc, isto é, fulmina a relação jurídica fundada na lei inconstitucional desde o seu nascimento. No entanto, a lei continua eficaz e aplicável até que o Senado suspensa sua executoriedade; essa manifestação do Senado não revoga nem anula a lei, mas simplesmente lhe retira a eficácia, só tem efeitos, daí por diante, ex nunc." [142]