Instrumentalidade garantista e o sistema heterogêneo aplicado no processo penal na lei de drogas

09/05/2020 às 12:08
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O presente artigo tem como finalidade analisar à luz do garantismo penal, a aplicação pelo judiciário brasileiro do sistema composto processual penal quando a apreciação dos crimes práticos a luz da Lei nº 11.343, de 2006, que instituiu o Sistema Nacional.

RESUMO: O presente artigo tem como finalidade analisar a luz do garantismo penal, a aplicação pelo judiciário brasileiro do sistema composto processual penal quando a apreciação dos crimes práticos a luz da Lei nº 11.343, de 2006, que instituiu o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad). PALAVRAS-CHAVES: garantismo; processo penal; rito especial; lei de drogas. SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. O garantismo no Processo Penal; 3. O procedimento comum previsto no Código de Processo Penal; 4. Do Rito Especial estabelecido na Lei de Drogas; 5. Conclusão; Referências. 1. INTRODUÇÃO A Lei 11.343/06 regulamentou o procedimento processual penal que deverá ser perseguido pelo judiciário quando da apreciação dos crimes praticados a luz da referida lei, criando, portanto, um rito especial para apuração de tais infrações penais. A Teoria Geral do Processo nos ensina que toda a vez que um ordenamento jurídico dispuser de ritos especiais, em observância do princípio da especialidade, deve-se aplicar a norma especial, afastando-se o procedimento comum ordinário. Para um injusto penal, existe uma pena. Todavia, a figura delituosa, bem como a cominação da respectiva pena, para a sua aplicação é necessária também a existência do devido processo legal. Assim, resta evidente que a pena depende diretamente da pratica do crime e ambos precisam do processo penal, eis que se o processo tem o seu fim antes de se desenvolver, ou se não desenvolve conforme dispõe a lei, não podemos falar em imposição de uma pena ao autor do fato delituoso. Ademais, outrora, tínhamos a vingança privada como forma de punição. Todavia, com o surgimento do Estado Democrático de Direito, o Estado assumiu a responsabilidade de punir aqueles que praticam crimes. Ou seja, se tornou o único titular do direito de punir, visando a pacificação social. Porém, é de bom alvitre afirmar que o próprio Estado criou regras de direito material e processual visando a impedir os seus arbítrios e punições em desconformidade com a norma. É inconcebível a aplicação de uma pena sem a existência de um processo penal valido, onde o Estado cumula as figuras de imputar um crime ao suposto autor, bem como a de garantir que o mesmo tenha a título de defesa todas as garantias materiais e processuais, ainda que saibamos que a relação jurídico-processual seja verticalizada. Sendo assim, a ideia é analisar a instrumentalidade garantista no processo penal e a lei de drogas que criou o rito especial. 2. O GARANTISMO NO PROCESSO PENAL O garantismo consiste na proteção aos direitos fundamentais estatuídos na Constituição Federal do Brasil de 1988, a exemplo o direito à vida, a liberdade, direitos políticos, entre outros. Os direitos fundamentais representam os interesses do indivíduo e da sociedade. Segundo preleciona Ferrajoli, o direito tem sua existência válida para tutelar os direitos fundamentais. Nesse sentido, garantir ao acusado de um crime todos os meios de defesa existentes na forma da lei, é garantir também os seus direitos fundamentais em conformidade com a CRFB/88. Salienta-se que é princípio primordial do devido processo penal o contraditório, a ampla defesa. São cinco os princípios básicos e norteadores do sistema garantista no processo penal: Presunção de Inocência, que se materializa na garantia de que o acusado será considerado inocente até o transito em julgado da sentença penal condenatória; Contradição, fundada na ideia de que cabe o acusador apresentar as provas que lhe cabem visando a confirmação da reprimenda penal, ao passo que ao acusado cabe também apresentar todos os meios de provas a título de defesa. É um método importante para confrontação das provas apresentadas pela acusação e defesa, que devem ser analisadas pelo juiz e que serão mencionadas quando da prolação da sentença, aplicando-se o princípio da motivação das decisões; Separação das atividades de julgar e acusar, que consiste em individualizar o acusador que por sua vez tem interesse n punição , do julgador que tem interesse na busca da verdade real, assim, mantendo a imparcialidade; Inderrogabilidade do julgador, no sentido de ser a jurisdição indeclinável e infungível e a jurisdicional idade, na medida em que o Estado tomou para si o jus puniend, necessário garantir ao julgador a inafastabilidade da jurisdição, a aplicação do juiz natural e submissão a Lei. Portanto, resta evidente não ser admissível a imputação de um fato crimino, de uma pena a um suposto autor, se antes disso tudo não estiverem devidamente tipificadas as condutas ilícitas e suas respectivas penas. Ademais, necessário também analisar a culpabilidade e imputabilidade ou não do suposto autor, bem como se a conduta criminosa é lesiva a terceiros. Insta salientar que, toda essa análise deve ser feita dentro de um processo valido, analisando as provas empíricas apresentadas pela acusação a um juiz imparcial, que deverá por sua vez garantir ao acusado abrangência de defesa, respeitando o contraditório e o princípio da legalidade. Todavia, não é o que observamos ao analisarmos os recentes julgados que permitem a aplicação do sistema misto processual penal na lei de drogas, quando da apreciação dos crimes praticados a luz daquela lei, eis que a mencionada norma criou uma ritualística própria quando estabeleceu um rito especial processual, deixando a aplicar subsidiariamente o código de processo penal no que couber. Tal permissão tem prejudicado a defesa, pois cria-se a possibilidade de seguir dois ritos processuais diversos: um geral e outro especifico, causando uma aberração jurídica, ao criar total insegurança. Não podemos permitir que o processo penal seja usado como instrumento de perseguição estigmatizarão ou intimidação policial. É dizer que, a deterioração do processo permite falarmos em verdadeiras penas processuais, na medida em que faz perder a sua função precípua de ser instrumento ao direito material. 3. DO PROCEDIMENTO COMUM PREVISTO NO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. Estabelece o artigo 394 do código de processo penal que o procedimento será comum ou especial: Art. 394. O procedimento será comum ou especial. § 1º O procedimento comum será ordinário, sumário ou sumaríssimo: I - ordinário, quando tiver por objeto crime cuja sanção máxima cominada for igual ou superior a 4 (quatro) anos de pena privativa de liberdade; II - sumário, quando tiver por objeto crime cuja sanção máxima cominada seja inferior a 4 (quatro) anos de pena privativa de liberdade III - sumaríssimo, para as infrações penais de menor potencial ofensivo, na forma da lei. § 2º Aplica-se a todos os processos o procedimento comum, salvo disposições em contrário deste Código ou de lei especial. (Grifos nossos) § 3º Nos processos de competência do Tribunal do Júri, o procedimento observará as disposições estabelecidas nos arts. 406 a 497 deste Código. § 4º As disposições dos arts. 395 a 398 deste Código aplicam-se a todos os procedimentos penais de primeiro grau, ainda que não regulados neste Código. (Grifos nossos) § 5º Aplicam-se subsidiariamente aos procedimentos especial, sumário e sumaríssimo as disposições do procedimento ordinário. (Grifos nossos) O §2º do artigo 394 do CPP preceitua que se aplica a todos os processos o procedimento comum, salvo disposições contrárias ou lei especial. Já o §4º do supramencionado artigo, dispõe que a todos os procedimentos penais de primeiro grau deve ser aplicado os artigos 395 a 398, ainda que não regulados pelo CPP. Ademais, o §5º do artigo 394 do CPP, estabelece que será aplicado subsidiariamente as normas contidas neste diploma aos procedimentos especiais, sumários e sumaríssimos, as normas do procedimento comum. Di início nos chamou a atenção a incongruência do §4º do referido artigo do CPP, eis que a sua interpretação longínqua permite ao operador do direito a aplicação das regras do código de ritos ao procedimento da Lei de drogas, como se tem decidido, inclusive, o STJ: Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça […] 3. Pela ausência de demonstração de prejuízo, não há nulidade processual a ser declarada pela utilização de um rito híbrido pelo Magistrado de primeiro grau, ao oferecer aos réus tanto a possibilidade de apresentação de defesa prévia quanto de resposta à acusação. […] (AgRg no REsp 1587452/RS, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 18/05/2017, DJe 08/06/2017) Todavia, discordamos de tal posicionamento, pois a análise do dispositivo deve ser feita de maneira ampla. Inteligente foi o legislador ao afirmar a existência e independência dos procedimentos processuais comum e especial. Outrossim, cristalino é o §2º do mencionado artigo, ao proteger a integridade dos procedimentos especiais em relação ao comum, que só sofrerão influencias externas com aplicação das regras gerais, quando não houver disposição em contrário. No mesmo sentido, o §5º estabelece que se aplica ao procedimento especial, as disposições contidas no procedimento ordinário. Sendo assim, percebe-se que o legislador foi cuidadoso ao tratar da aplicação das normais gerais aplicadas ao procedimento comum no rito especial. Ou seja, só poderá ser aplicado de forma subsidiaria e não solidaria ou mista. 4. DO RITO ESPECIAL ESTABELECIDO NA LEI DE DROGAS. Não obstante, é cediço que o procedimento especial previsto nos artigos 55 a 58 da Lei nº 11.343/06, ordena um rito especial de forma diversa ao CPP: Art. 55. Oferecida a denúncia, o juiz ordenará a notificação do acusado para oferecer defesa prévia, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias. § 1º Na resposta, consistente em defesa preliminar e exceções, o acusado poderá argüir preliminares e invocar todas as razões de defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas que pretende produzir e, até o número de 5 (cinco), arrolar testemunhas. Art. 56. Recebida a denúncia, o juiz designará dia e hora para a audiência de instrução e julgamento, ordenará a citação pessoal do acusado, a intimação do Ministério Público, do assistente, se for o caso, e requisitará os laudos periciais. § 1º Tratando-se de condutas tipificadas como infração do disposto nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 a 37 desta Lei, o juiz, ao receber a denúncia, poderá decretar o afastamento cautelar do denunciado de suas atividades, se for funcionário público, comunicando ao órgão respectivo. § 2º A audiência a que se refere o caput deste artigo será realizada dentro dos 30 (trinta) dias seguintes ao recebimento da denúncia, salvo se determinada a realização de avaliação para atestar dependência de drogas, quando se realizará em 90 (noventa) dias. Art. 57. Na audiência de instrução e julgamento, após o interrogatório do acusado e a inquirição das testemunhas, será dada a palavra, sucessivamente, ao representante do Ministério Público e ao defensor do acusado, para sustentação oral, pelo prazo de 20 (vinte) minutos para cada um, prorrogável por mais 10 (dez), a critério do juiz. Parágrafo único. Após proceder ao interrogatório, o juiz indagará das partes se restou algum fato para ser esclarecido, formulando as perguntas correspondentes se o entender pertinente e relevante. Art. 58. Encerrados os debates, proferirá o juiz sentença de imediato, ou o fará em 10 (dez) dias, ordenando que os autos para isso lhe sejam conclusos. Conforme dispõe o artigo 55 da referida lei, oferecida a denúncia, o juiz ordenará a notificação do acusado para oferecer defesa prévia, por escrito e no prazo de 10 dias. Após apresentado a defesa o juiz decidirá em 5 dias. Salienta-se que quando da apresentação da defesa prévia, poderá o notificado apresentar suas razões de fato e de direito a título de defesa, arguindo preliminares e exceções, bem como oferecer documentos e justificações e arrolar testemunhas. Ademais, se entender devido, poderá o juiz determinar a apresentação do preso, exames periciais e realização de diligencias. O artigo 396, caput, do CPP, estabelece que oferecida a denúncia o juiz a receberá de imediato, se não se configurar hipótese de rejeição, mandará citar o réu a apresentar reposta escrita, entretanto, contrário ao código de ritos, a lei de drogas estabeleceu que não sendo caso de rejeição limar da peça exordial, o magistrado de primeiro grau mandará notificar o denunciado para que este apresente resposta escrita, que precede, portanto, o recebimento da denúncia, ao revés do que acontece no procedimento comum ordinário. Salienta-se que, os artigos 56 a 58 da Lei de Drogas são taxativos ao dizer que somente após a apresentação da defesa prévia ao juiz, se não for o caso de rejeição, o mesmo receberá a acusação e designar audiência de instrução e julgamento. Já no procedimento comum, não sendo rejeitada a peça acusatória, de imediato será recebida a mesma e o réu passará a responder uma ação penal, o que é coerente dizer ser mais gravoso se confrontado ao rito especial estabelece na Lei de Drogas. Ademais, discute-se também a aplicação do artigo 397 aos processos que tem como objeto o processamento e julgamento dos crimes praticados na Lei de Drogas. Tal artigo dispõe que o o juiz deverá absolver sumariamente o acusado quando verificar: I - a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato; II - a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade; III - que o fato narrado evidentemente não constitui crime; IV - extinta a punibilidade do agente. Ora, a compreensão é fácil e não exige muita técnica, eis que na Lei de Drogas, se for o caso de absolvição sumária, o juiz sequer receberá a denúncia, o que por si só já demonstra ser um benefício inquestionável ao denunciado. No mesmo sentido, a fim de mais uma vez provar com a boa técnica a não possibilidade de aplicação de dois procedimentos diversos um caso, pois se trata de uma Lei especial e outra norma geral, no artigo 396, caput, do CPP, o juiz ordenará a citação do acusado para responder no prazo legal. Já na Lei de Drogas o termo jurídico escolhido pelo legislador, usando a melhor técnica, foi a “ notificação” a apresentar resposta escrita. Da mesma maneira, o que é causa de absolvição sumária conforme dispõe o artigo 397 do CPP, na lei de drogas é motivo de rejeição da peça exordial acusatória. Assim, não é inteligente pensar ao contrário. Sob os aspectos supramencionados, percebemos que a Lei de Drogas dispõe de forma contrária e, inclusive, com a melhor técnica, se comparadas as regras insculpidas nos artigos 396 a 397 do CPP, sendo benéfica ao denunciado. Sabiamente o legislador ao edificar o artigo 48, caput, da Lei de Drogas, optou pela utilização do Código de Processo Penal, artigos 394 e seguintes, somente de forma subsidiaria. Portanto, resta patente a total afronta a lei e a técnica processual, quando o operador do direito decide usar dois procedimentos processuais de forma mutua, que facultará a utilização de um ou de outro, por parte do magistrado de primeiro grau, em total desfavor do acusado. Se configura uma total insegurança jurídica. Assim, percebe-se que a lei especial deverá ser aplicada, pois se trata de norma especializada e mais benéfica ao acusado, que anterior a ter contra si uma ação penal, com o efetivo e formal recebimento da denúncia, terá a peça exordial rejeitada, mantendo incólume a sua dignidade. 5. CONCLUSÃO Diante de tudo exposto, usando a melhor técnica jurídica, percebemos a impossibilidade de aplicar o artigo 394, §4º do CPP separadamente, mas sim com os demais dispositivos do mesmo artigo, levando em contato, também, o quanto dispõe o artigo 48, caput, da Lei de Drogas. Também é de bom alvitre salientar que as normas gerais procedimentais processuais só terão aplicação subsidiaria ou residual ao procedimento especial estabelecido pela Lei 11.343/2006, que por sua vez dispõe de forma diversa quando se trata da notificação do denunciado para que este apresente defesa prévia, bem como do momento do recebimento da denúncia, citação do réu, do interrogatório, entre outros. Dessa maneira, não há incerteza de que o procedimento especial criado e regulado pelos artigos 55 a 58 da Lei de Drogas permanece intocáveis e sem qualquer modificação decorrentes do quanto dispõe os artigos 396 a 397 do Código de Ritos, ao contrário do que tem defendido os Tribunais Superiores, quando decidiram pela aplicação do §4º, do artigo 394 do CPP, ou seja, usar um sistema hibrido no processo penal quando a apreciação dos crimes praticados a luz da acima mencionada Lei, o que além de gerar insegurança jurídica, deixa de garantir os direitos básicos s fundamentais previstos na Constituição Federal, pois fragiliza a defesa técnica, prejudicando o acusado. REFERÊNCIAS TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues, Curso de Direito Processual Penal, 14ª edição revista, atualizada e ampliada, Editora: Juspodivm, 2019. FERNANDES, Antônio S.; LOPES, Mariângela. O recebimento da denúncia no novo procedimento. Boletim IBCCRIM, nº 190, setembro de 2008, p.2. FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal. 3ª edição revista e ampliada. Editora Revista dos Tribunais. BITENCOURT, Cezar Roberto; GONZALES, José Fernando. O recebimento da denúncia segundo a Lei 11.719/08. Disponível na internet em: http://www.conjur.com.br. LEI Nº 11.343/2006, disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11343.htm DECRETO-LEI Nº 3.689, DE 3 DE OUTUBRO DE 1941. Código de Processo Penal. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm

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Sobre o autor
Geovani Rubem Rodrigues

Advogado, Bacharel em Direito com formação acadêmica pela Faculdade Dois de julho, em 2014.1. Pós-graduado em Direito Administrativo. Pós-graduado em Ciências Criminais. Servidor Público Concursado do Estado da Bahia.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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