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O patrimônio de afetação vai vingar no mercado imobiliário?

10/04/2006 às 00:00
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Em tempos de furacão assolando várias partes do planeta, nunca é demais recordar a devastação que a débâcle da Encol causou no mercado imobiliário. O saldo foi negativo para as 42.000 famílias prejudicadas nos cerca de 700 malfadados empreendimentos e também para as incorporadoras e construtoras, que passaram a ser vistas com cada vez mais desconfiança pelos clientes e pela população em geral.

Foi justamente para aplacar os ânimos de compradores e de incorporadores, que o governo promulgou, em agosto de 2004, a esperada Lei nº 10.931 — Lei do Patrimônio de Afetação. Sem dúvida, um marco para o mercado ao estabelecer regras e critérios que disciplinam as relações imobiliárias, tendo como finalidade aumentar a transparência das incorporações, a credibilidade dos empreendimentos e a segurança jurídica de parte a parte. Como decorrência, previa-se a alavancagem dos negócios e a facilitação do acesso ao crédito. A Lei nº 10.931 não veio substituir a Lei de Incorporações Imobiliárias (Lei nº 4.591/64), senão complementá-la e aprimorá-la.

O termo afetar tem a acepção de destinar, ligar um determinado patrimônio a alguma coisa. Por regime de afetação entende-se, pois, o regime de incorporação mediante o qual o objeto do empreendimento fica afetado, ou seja, segregado do patrimônio geral da empresa. A afetação consiste na adoção de um patrimônio próprio para cada empreendimento, evitando que os recursos sejam desviados. O patrimônio de afetação, por não se comunicar com os demais bens, obrigações e direitos do incorporador, protege o negócio contra eventuais tropeços deste em outros negócios. Além disso, a afetação proporciona às partes meios para terminarem a obra, afastando-se a tal "síndrome da Encol". É uma medida relevante para evitar o que o mercado apelidou de "bicicleta" — o ciclo vicioso de uma incorporadora canalizar recursos de um empreendimento para cobrir outro anterior e assim sucessivamente "até a correia quebrar".

Pela lei, a adoção do regime de afetação é opcional, cabendo ao incorporador optar por aderir ou não. Uma mesma empresa pode ter apenas um empreendimento sob o regime de patrimônio de afetação, ou todos eles. Se forem mais de um empreendimento afetados, um não se comunicará com o outro. O patrimônio de afetação funciona como uma empresa autônoma. O que se busca é garantir que os recursos aportados para uma obra não sejam desviados para sanar problemas de outra. Uma questão que se levanta é o porquê de a adoção do regime de afetação não ter sido imposta como regra geral — provavelmente para dar tempo às empresas de regularizarem suas contas e irem progressivamente aderindo ao novo regime. Até agora era comum entre alguns incorporadores criar uma Sociedade de Propósito Específico (SPE) para cada empreendimento, mas tal se dava mais com o intuito de satisfazer as instituições de financiamento do que propriamente para garantir proteção aos compradores contra algum insucesso.

Com a lei, todas as dívidas, de natureza tributária, trabalhista e junto a instituições financeiras ficam restritas ao empreendimento em construção, sem qualquer relação com outros compromissos e dívidas assumidos pela empresa. Se, por exemplo, a construtora/incorporadora falir, os adquirentes poderão dar continuidade à obra, contratando outra empresa para o lugar da falida, a fim de garantir a entrega de imóvel comprado na planta, dentro das mesmas condições contratuais.

O primeiro passo para quem quer constituir um Patrimônio de Afetação é averbar no Registro de Imóveis um termo firmado pelo incorporador e, se for o caso, também pelos titulares de direitos reais sobre o terreno — por exemplo, o credor hipotecário. A lei faculta a averbação a qualquer tempo, porém afetar um empreendimento já iniciado deve ser muito complicado, senão praticamente impossível. Uma vez afetado o patrimônio, é requerido que ele tenha contabilidade própria, com conta bancária independente das demais da empresa. Cabe à incorporadora emitir relatórios trimestrais de acompanhamento da obra — receitas, despesas, contratos firmados, prazos, previsões financeiras — e encaminhá-los à Comissão de Representantes nomeada pelos compradores. O recurso aportado para uma determinada obra só poderá ser aplicado naquela obra. É de se registrar que, mesmo que a construtora seja optante pela tributação com base no lucro presumido, ela não se exime de manter escrituração contábil completa. Aqui cabe um comentário: o Patrimônio de Afetação representa uma segurança ao comprador ao restringir a condição de o incorporador de adquirir bens — dando, por exemplo unidades em permuta —, porque o produto da alienação tem necessariamente que ser aplicado na execução do empreendimento. É sem dúvida uma limitação na gestão do caixa da empresa. Como se nota, o regime de afetação aumenta a garantia do comprador restringindo a liberdade de ação do incorporador, como se houvesse uma correspondência biunívoca entre as duas atitudes.

Da conta do empreendimento, o incorporador só poderá sacar o preço de aquisição do terreno proporcionalmente à venda das unidades. Ademais, incumbe a ele preservar os recursos necessários à conclusão da obra. A lei confere à Comissão de Representantes o poder de verificação e controle dos recursos. Do montante arrecadado, deve ser liberado para o incorporador tudo o que não corresponder ao custo da construção. Excluem-se do patrimônio de afetação os recursos financeiros que excederem a importância necessária à conclusão da obra, e o valor referente ao preço de alienação da fração ideal de terreno de cada unidade vendida. Em outras palavras, o patrimônio afetado é o do custo de construção apenas, não recaindo sobre fração ideal nem taxas da incorporação (alvarás, licenças, etc.).

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Um dos pontos que mais chamam a atenção na lei é o Regime Especial de Tributação (RET) para os patrimônios de afetação. Ele é facultativo — quem opta pelo regime da afetação, não está obrigado a optar pelo regime de tributação especial. Pelo RET, a incorporadora fica sujeita ao pagamento de uma alíquota única de 7% a título de IRPJ, PIS/PASEP, CSLL e COFINS. A alíquota incide sobre a receita mensal recebida. Uma grande vantagem é que esta simplificação tributária permite à Comissão de Representantes uma checagem mais fácil dos recolhimentos. A bem da verdade, a lei perdeu uma grande oportunidade de estender o RET a todos os empreendimentos como forma de dinamizar o mercado imobiliário. Para as dúvidas que persistiam acerca da necessidade de complementação tributária e da possibilidade de restituição, a MP do Bem veio trazer a resposta: o pagamento desses tributos é definitivo, não gerando, em qualquer hipótese, direito à restituição ou à compensação com o que for apurado pela incorporadora.

Finalmente, é importante esclarecer que a responsabilidade dos compradores se limita ao pagamento do preço de aquisição de sua unidade. A responsabilidade pelas dívidas é do incorporador. Mesmo em caso de falência do incorporador, as dívidas fiscais, previdenciárias e trabalhistas não são transferidas para os compradores. Estes, sim, terão a atribuição de quitá-las, porém com recursos extraídos das receitas do patrimônio de afetação.

O que deflui de tudo o que expusemos acima é o que o advento do Patrimônio de Afetação representa um avanço nas relações entre incorporadores e compradores. A adesão ao regime de afetação garante maior transparência no negócio e com isso a segurança do adquirente cresce. O regime é, aliás, uma ótima ferramenta de marketing, principalmente para aquelas empresas mais novas e de médio porte, que são justamente as que mais causam receio a quem quer comprar imóvel na planta. O grande desafio das incorporadoras é saber se terão condições de trabalhar com uma obra ilhada dos outros negócios da empresa. Tudo se resume a saber se é possível abandonar a bicicleta e suas cômodas, mas perigosas, pedaladas.

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Sobre o autor
Aldo Dórea Mattos

engenheiro civil e mestre em Salvador (BA), consultor de empresas públicas e privadas, diretor técnico da Dórea Mattos Projetos e Construções, bacharelando em Direito pela UFBA

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MATTOS, Aldo Dórea. O patrimônio de afetação vai vingar no mercado imobiliário?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1013, 10 abr. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8222. Acesso em: 20 nov. 2024.

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