Capa da publicação Filial, sucursal, agência e escritório: consequências tributárias
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Conceitos de filial, sucursal, agência e escritório comercial e as consequências tributárias

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3. Obrigações fiscais do estabelecimento secundário.

Analisada a questão societária, definindo conceitos e os elementos formadores do quadro jurídico em análise, pode-se construir o entendimento de que o escritório de vendas, o escritório comercial da empresa consulente, é, na realidade, uma agência, pois que sua atribuição é a exclusiva realização da representação comercial da matriz perante uma determinada região localizada fora da região da sede principal. Como ficam, então, as obrigações fiscais surgidas do exercício dos estabelecimentos secundários?

O art. 37, inc. XXII, da Constituição Federal expressa o poder de regulamentação de cadastros e informações fiscais compartilhadas entre a União, Estados, Municípios e Distrito Federal, de modo que a regulamentação fiscal nacional é determinada pela Receita Federal do Brasil, que fixou a obrigatoriedade da inscrição das empresas no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ). Ao tempo dos fatos, a regulamentação de tal obrigação fiscal – o cadastro da pessoa jurídica – estava determinado pela Instrução Normativa RFB nº 1863/2018, que informa que “Todas as entidades domiciliadas no Brasil, inclusive as pessoas jurídicas equiparadas pela legislação do Imposto sobre a Renda, estão obrigadas a se inscrever no CNPJ e a cada um de seus estabelecimentos localizados no Brasil ou no exterior, antes do início de suas atividades.” (art. 3º). Em diversos artigos (p. ex. art. 38. e 39) do Regulamento referido, há a menção genérica à “entidade” ou ao “estabelecimento filial”, dando a entender que tais expressões remetem à matriz e à filial.

Veja-se que, no caso, a legislação regulamentar infralegal do CNPJ só prevê a obrigação de cadastro fiscal da matriz e da filial, não havendo previsão expressa de inscrição no cadastro sobre sucursais e agências. Para não dizer que o regulamento do CNPJ não exclui a sua aplicação em relação à agências, o art. 6, da referida Portaria expressa que as agências das instituições bancárias podem requerer a unificação da inscrição de todos os seus estabelecimentos no mesmo CNPJ, desde que localizados no mesmo município. Veja-se que há uma evidente consideração de que as agências fazem parte do estabelecimento empresarial, mas confunde-as com o conceito de filiais; concebe-se então, que a Portaria – norma tributária, muda o conceito de uma instituição jurídica prevista na legislação civil, como se cada agência bancária seja encarada como filial, em evidente confusão conceitual.

A questão é: diante da aplicação do princípio da legalidade estrita das obrigações tributárias e da atuação da administração pública, é exigível o cadastro das sucursais e das agências perante as autoridades fiscais? A autoridade fiscal pode exigir a inscrição da sucursal e da agência como uma obrigação tributária?

Como visto, a sucursal possui uma concepção ainda mais abrangente do que a filial, podendo ter uma atuação econômica superior à da filial, ela mesma tendo suas filiais; diferentemente das agências, a sucursal realiza a atividade econômica e todas as demais finalidades empresariais da matriz, de forma autônoma, com administração própria inclusive. De tal modo, como realiza as atividades empresariais da matriz, cremos que uma sucursal deveria, sim, ser obrigada a realizar a sua inscrição no Cadastro de contribuintes. No entanto, a normativa fiscal não prevê expressamente tal hipótese, pois, como visto, limita-se a exigir da matriz e da filial a inscrição.

Em sentido diferente corre a agência, pois, pelo conceito esposado, esta instituição jurídica sequer realiza os atos próprios da atividade econômica da empresa. Pelo conceito exposto, a agência é mero escritório comercial, tendo absoluta vinculação ao exercício da atividade empresarial realizado pela matriz. A agência não detém capacidade administrativa decisória, sendo um mero “braço” operacional da empresa.

Como um simples escritório comercial, a agência não tem personalidade jurídica própria, o que significa que toda a produção mercantil realizada pela agência é realizada em nome e por conta da matriz, sendo esta a única responsável por toda as obrigações e direitos negociados pelo agente comercial. A agência, no caso, exerce a atividade como um gerente, ou seja, como um preposto ou representante para realização de uma atividade exclusiva, tal como a venda de produtos em nome daquela matriz a que está vinculado juridicamente.

No caso estudado, objeto da consulta e da defesa administrativa realizada, o escritório comercial da consulente nada mais fazia do que vender os cursos promovidos pela matriz da empresa. Os professores e instrutores responsáveis pela realização dos cursos eram todos vinculados à empresa, sem qualquer vinculação com o escritório comercial da mesma. Logo, não havendo sequer obrigação de inscrição da agência no CNPJ, não há, por igual motivo, razão para exigir-se a inscrição municipal, pois não há prestação de serviços desta agência para a matriz, sendo ambas a mesma empresa.

Isso significa, no caso prático, que todos os pedidos e faturamentos eram realizados junto à matriz, não havendo nenhum lançamento tributário realizado na sede da agência local responsável pela região a ela estabelecida.

Mas o que isso implica? Implica na observação da cobrança do Imposto sobre Serviços (ISS), já que a municipalidade local entendeu que o tributo municipal deveria ser recolhido localmente e não junto ao município da sede da empresa no Estado de São Paulo, já que há um estabelecimento físico da mesma instalado localmente.

Por isso, demonstrado que a estrutura física do escritório comercial, embora faça parte do estabelecimento, mas não possui função operacional, já que mera agência, passamos à análise das competências tributárias para verificação da legalidade, lato sensu, da cobrança do tributo municipal contra a empresa.


4. O ISS como tributo constitucional.

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu diversas regras e princípios na esfera tributária, podendo-se afirmar, como ensina ÁVILA que o direito tributário brasileiro é essencialmente um direito constitucional5, já que as diretrizes e limitações para todo o sistema estão previstos na própria Constituição. Neste ensejo, é sempre imperiosa a leitura da Constituição Federal como guia fundamental do entendimento e da aplicação das regras tributárias.

O art. 156, inc. III, da Constituição Federal, estabeleceu competir aos Municípios a instituição de imposto sobre serviços de qualquer natureza, dentre aqueles não compreendidos no art. 155, II, que são da competência estadual, definidos em lei complementar. A Constituição, então, determinou que o tributo incidente sobre os serviços, de qualquer natureza, excluídos aqueles da competência estadual, devem ser cobrados pelos Municípios, exigindo, para isso, a sua definição em lei complementar.

Como o Brasil possui – em 2019 – 5.570 Municípios, cada um com sua própria competência para instituir e cobrar esse tributo sobre serviços, podendo gerar conflitos tributários de competência entre si, coube à União estabelecer uma regra geral, valendo-se do disposto no art. 146, inc. I, por meio da edição da Lei Complementar n. 116/2003, que dispôs sobre o Imposto sobre Serviços de competência dos Municípios e do Distrito Federal.

Da leitura do art. 1º desta LC 116/2003, verifica-se, primeiramente, o descortinamento da hipótese de incidência da regra tributária do imposto sobre serviços: a prestação de um serviço. Mas esse serviço deve ser prestado, fornecido, ou seja, realizado de uma pessoa para outra, de forma onerosa e sem a caracterização de um vínculo empregatício entre as partes. BARRETO ensina que o “serviço é um esforço de pessoas desenvolvido em favor de outrem, com conteúdo econômico, sob regime de direito privado, em caráter negocial, tendente a produzir uma utilidade material ou imaterial”6.

De cara, já temos um ponto de exclusão de uma eventual consideração acerca das atividades do escritório comercial para com a matriz da empresa. Como já antecipado, não há se falar em prestação de serviços de uma para a outra, pois, juridicamente, embora em locais diferentes, a agência, como mero escritório de vendas, exerce atividades exclusivamente para a matriz, não se falando em prestação de serviços de uma para a outra, já que são a mesma pessoa. Como não cabe a prestação de serviços para si mesma, não há incidência da regra tributária à questão por esta situação.

E os serviços educacionais vendidos pelo braço comercial local em nome da matriz? A prestação desses serviços pela matriz, vendidos pelo escritório comercial local, prestados ou não no Município em questão, podem ou não ser tributados pelo ISS deste mesmo local?

Para responder essa questão, devemos estudar, primeiramente, a questão do domicílio tributário: o Código Civil expressa que, para pessoas jurídicas, o domicilio considera-se o lugar onde funcionarem as respectivas diretorias e administrações, ou onde for eleito domicilio especial no estatuto ou contrato social; na hipótese de haver diversos estabelecimentos em lugares diferentes, cada um deles será considerado domicílio para os atos nele praticados (art. 75, IV e §1º, do CCB). Por sua vez, o Código Tributário Nacional, no art. 127, expressa que o domicilio da pessoa jurídica de direito privado é o lugar da sua sede, ou, em relação aos atos ou fatos que derem origem à obrigação, o de cada estabelecimento, podendo ser também o do responsável pela obrigação.

Esta regra, como ensina COSTA, abriga situações supletivas para a determinação do domicílio tributário7, aduzindo uma regra geral, a de que o domicilio tributário é o da sede da empresa, exceto em situações vinculadas à prática de determinados atos tributários: o IPTU será devido na sede de cada estabelecimento, o ICMS será devido na sede de cada local onde houver realizada a operação da circulação de mercadorias e assim por diante, tudo conforme as previsões das regras constitucionais de competência tributária.

Entender a questão do domicilio tributário é muito importante, pois os elementos de sua formação podem gerar consequências na esfera tributária. No caso, o Município local entendeu que todos os serviços educacionais vendidos pelo escritório comercial nele localizados, independentemente do local de sua realização, são tributáveis pelo ISS local, pouco importando tenha sido pago o ISS no local da sede da matriz.

O art. 3º, da LC 116/2003, expressa o seguinte:

Art. 3o O serviço considera-se prestado, e o imposto, devido, no local do estabelecimento prestador ou, na falta do estabelecimento, no local do domicílio do prestador, exceto nas hipóteses previstas nos incisos I a XXV, quando o imposto será devido no local: (Redação dada pela Lei Complementar nº 157, de 2016).

A regra tributária de competência territorial é clara ao expressar que a prestação do serviço é considerada como realizada no local do estabelecimento do prestador, só havendo o deslocamento dessa competência quando o prestador não tiver estabelecimento, no local do seu domicílio, exceto nas hipóteses previstas no rol dos vinte e cinco incisos descritos na sequência. Portanto, como nenhuma das hipóteses do rol de exceções da lei nacional prevê o deslocamento da competência tributária para o caso estudado, a competência para a instituição e cobrança do ISS pertence ao do local da sede da empresa.

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A pretensão tributária do Município autuante, no entanto, passou por duas situações: (a) a ideia de que o escritório comercial presta serviços à matriz de representação comercial, incidindo no serviço constante no item 10.09 da lista de serviços; (b) e o inc. XX, do art. 3º, que excepciona a regra geral da competência territorial, afirma que serviços de terceirização de mão-de-obra, de qualquer forma (item 17.05 da lista anexa- inclusive de empregados ou trabalhadores, avulsos ou temporários, contratados pelo prestador de serviço), são tributados no local do tomador de serviços.

De tal modo, pela interpretação da autoridade fiscal municipal, todos os serviços “prestados” pelo escritório comercial, realizando a venda de “terceirização de serviços” educacionais deveriam ser tributados no local onde ocorreu a venda, ou seja, onde houve a representação comercial da empresa “tomadora” de serviços. E, havendo fornecimento de mão-de-obra técnica, pouco importando a característica da mesma, a tributação deve ocorrer no local do tomador de serviços.

A primeira hipótese já foi preliminarmente discutida, já que não é possível que uma pessoa preste serviço para si mesma, sendo este argumento contrário até mesmo ao conceito de prestação de serviço, sendo inconstitucional a sua tentativa de consubstanciação para a hipótese analisada.

A segunda hipótese da intepretação do Fisco local é ainda mais frágil, uma vez que, como foi referido, não necessariamente os serviços educacionais foram prestados no mesmo local da venda, já que o escritório representava toda a região sul, envolvendo os seus três Estados; assim, caso procedente sua interpretação, aquele Município só poderia, então, tributar os cursos efetivamente realizados dentro da circunscrição municipal, nenhum outro. No entanto, a interpretação está equivocada, já que o serviço educacional é expressamente previsto no rol de atividades da LC 116/2003 no item 8, como serviços de educação e ensino; logo, não há enquadramento do serviço à hipótese legal de exceção da regra de competência.

Um último escorço interpretativo foi apontado pela autoridade fiscal municipal nos autos do processo administrativo, na clara tentativa de forçar a aplicação da regra de competência do art. 3º da LC 116/2003: na hipótese, estava evidente que a empresa não tinha qualquer registro administrativo de seu estabelecimento no local das vendas, uma vez que não cumprira com a obrigação de inscrição tributária; logo, sem ter cumprido as obrigações as quais lhe eram exigidas, não se pode considerar a existência lícita do estabelecimento, aplicando-se, daí, a regra subsidiária do próprio caput do art. 3º, que remete a competência para o local onde estiver domiciliada a empresa. Ora, autoridade fiscal, então, trouxe à tona as já citadas regras dos art. 75, IV e §1º, do CCB e 127, do CTN quanto ao domicilio da pessoa jurídica. Destacou que, havendo mais de um domicilio, considera-se todos como tal, e tendo em vista que o ato foi realizado localmente, deve este local ser considerado como competente para a aplicação da regra tributário, já que a regra subsidiária do art. 3º, da LC 116/2003, afirma o deslocamento para o domicilio do prestador, considerando como tal o do local de onde partiram as vendas dos serviços educacionais.

No entanto, embora razoável esta interpretação, não se pode esquecer que o objeto social da empresa é a prestação de serviços educacionais, não a sua venda em si. A venda realizada pelo escritório comercial é mera operação intermediária para a finalidade última, que é, sim, a realização dos cursos de capacitação educacional. Portanto, não se pode considerar como realizado o objeto da hipótese de incidência no local da venda, pois esse não é o objeto em si da operação da empresa: só a efetiva realização do curso educacional é que pode ser considerada a consolidação da hipótese tributária e esta é realizada pela matriz da empresa, gerida toda a operação na sua sede administrativa.

Assim, os argumentos da autoridade fiscal, na modesta opinião deste estudioso, mostraram-se insubsistentes para a manutenção da autuação fiscal e imposição da regra tributária de exigibilidade do tributo municipal, circunstância que justificou, de tal modo, a busca pela anulação do ato administrativo em questão.

Sobre o autor
Santiago Fernando do Nascimento

Advogado com especialização em Direito Tributário pelo IBET/INEJE, Direito Processual Civil pela PUCRS e Direito Empresarial pela Faculdade IDC. Consultor jurídico na área empresarial e tributária. Diretor Jurídico da empresa Valor Fiscal Inteligência Tributária e ex-diretor jurídico da AGPS (Associação de Gerenciamento de Projetos Sociais).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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