Introdução
Este trabalho é a síntese do resultado de uma consulta realizada por cliente e de um trabalho jurídico de impugnação de um auto de infração e lançamento tributário emitido pela autoridade fiscal de um Município localizado no Estado do Rio Grande do Sul, onde está localizado um escritório comercial de uma empresa de ensino profissional presencial e à distância (EAD) cuja sede está localizada na Região do ABC Paulista, no Estado de São Paulo. Por óbvio, com o único intuito de preservar a identidade da parte, não serão informados os demais elementos de identificação do processo, nem o nome da cliente e os locais de seu funcionamento, limitando-se a explicar os fundamentos da discussão jurídica realizada, bem como a descrição dos conceitos jurídicos empresariais e tributários selecionados e estudados para a realização do exercício da defesa da mesma na esfera administrativa.
De início, deve-se apresentar as características de funcionamento das atividades da consulente, bem como os fundamentos da autoridade fiscal municipal quando da lavratura do auto de infração e lançamento tributário, com a imposição das sanções aplicadas.
A consulente, no caso, como antes registrado, é uma instituição educacional de ensino profissionalizante e de capacitação profissional, que produz e vende os cursos para os segmentos industrial, comercial e serviços, capacitando os profissionais internos de suas clientes, por meio de aulas presenciais dentro da empresa, as chamadas in company, ou mediante aulas do ensino à distância (EAD), gravadas ou transmitidas ao vivo, fornecendo certificados de capacitação aos alunos participantes. A sede da empresa, como também já mencionado está localizada no Estado de São Paulo, mas a mesma possui três escritórios comerciais próprios localizados em outros Estados, sendo um deles no Estado do Rio Grande do Sul. Este escritório comercial realiza a prospecção de clientes na região sul do país, sendo responsável pela apresentação da empresa e venda dos cursos nos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. Os agentes internos da empresa, após realizarem a venda dos cursos, repassam o contrato para a matriz localizada em São Paulo, que promove o deslocamento do instrutor ou professor responsável pelo curso vendido, que ministrará o mesmo na sede da empresa; ou ainda, passará as aulas no sistema de EAD da sua própria sede, sendo recebidas as imagens na sede da empresa adquirente para os funcionários beneficiados do curso, havendo a monitoria interna de um professor para tirar as dúvidas existentes. A nota fiscal de serviços é emitida com base na sede da matriz da empresa, sendo o Imposto sobre Serviços (ISS) declarado e pago nesta localidade.
Ao descobrir essa situação, o Município onde estava localizado o escritório comercial da região sul da empresa consulente abriu expediente de processo administrativo fiscal, solicitando documentos contábeis da empresa, em especial a prova de inscrição fiscal local como filial e dos respectivos pagamentos do ISS local. A consulente entregou os documentos societários e contábeis solicitados, mas, por óbvio, deixou de entregar a inscrição fiscal de filial e os comprovantes de pagamento do ISS local porque tais documentos não existiam.
Assim, em resumo conclusivo, a consulente foi autuada por não cumprimento de obrigação tributária acessória (inscrição fiscal da filial na sede do Município), bem como pelo não recolhimento do tributo municipal (ISS), que fora, então, arbitrado, adicionado das sanções legalmente previstas para as hipóteses em questão. Ciente desta autuação administrativa, procurou a consulente uma posição quanto à esta situação, buscando um entendimento jurídico compatível com o caso para realizar o exercício de sua impugnação.
O cerne da questão, portanto, foi descobrir o conceito jurídico de filial e se o escritório comercial da consulente poderia (ou deveria) ser considerado como uma, ou se enquadraria em outro instituto jurídico conexo, como a sucursal ou a agência, e quais seriam os impactos tributários dessa consideração.
Registra-se que este trabalho não objetiva consolidar um entendimento profundo sobre o tema, limitando-se, tão somente, a apresentar os elementos jurídicos e argumentos registrados tanto pelo Fisco Municipal para fundamentar sua atuação contra a consulente, bem como colocar em discussão os elementos da sua defesa realizada, sem adentrar nos detalhes técnicos e processuais, nem sobre a discussão jurídica sobre as sanções aplicadas, restringindo ponderações somente sobre o que tange ao plano de fundo jurídico colocado como objeto do estudo.
1. A interpretação tributária e a definição dos conceitos.
Traz-se um conceito de ALEXY para conduzir a importância da interpretação e da definição dos termos normativos destacados neste estudo. Para o autor,
“A interpretação jurídica distingue-se de outros tipos de interpretação por seu caráter prático e institucional. A interpretação jurídica tem um caráter prático, porque nela sempre se trata imediata ou mediatamente disto, o que, em um sistema jurídico, é ordenado, proibido e permitido e para o que ele autoriza. Em vez de caráter ‘prático’ pode, também, ser falado de um ‘normativo’”.1
Portanto, ao interpretar a lei, visando o seu caráter prático, ou normativo, o interprete sempre extrairá do texto legal, para a construção da norma jurídica, uma ordem, uma proibição ou uma permissão de condutas. No entanto, é necessário esclarecer os termos do texto legal para se chegar às definições normativas e seus alcances práticos para sua aplicação.
Em primeiro lugar, é importante realizar a definição dos conceitos dos elementos jurídicos colocados sob análise, para uma melhor observação das possíveis consequências tributárias. Esta tarefa é relevante por ocasião da leitura do art. 110, do Código Tributário Nacional (CTN), que enuncia que a norma tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas determinados pelo Direito Privado, quando os mesmos sejam utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias. Antes disso, o art. 109, também do CTN, expressa que “Os princípios gerais de direito privado utilizam-se para pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos e formas, mas não para definição dos respectivos efeitos tributários.”
A leitura conjunta dessas normas tributárias e a interpretação possível é, de certa forma, intrigante, já que determina que as definições, conceitos, alcance e demais elementos realizados pelo legislador infraconstitucional quanto aos institutos do direito privado não têm o condão de alterar os efeitos tributários definidos na lei tributária, que, pasmem, são igualmente criados pelo mesmo legislador infraconstitucional, salvo quando a matéria vem expressamente determinada na Constituição Federal ou instrumentos constitucionais correlatos, cuja salvaguarda do art. 110, determina o limite interpretativo de aplicação das regras tributárias.
São intrigantes essas passagens de cunho interpretativas de texto do Código Tributário, pois, como ensinava BECKER, “não existe um legislador tributário distinto e contraponível a um legislador cível ou comercial”2, pois todas essas matérias são partes de um único sistema jurídico, de modo que qualquer regra jurídica exprimirá sempre uma única regra (conceito, categoria ou instituto jurídico), válida para a totalidade daquele único sistema jurídico. Ora, o legislador da norma tributária é o mesmo legislador da norma civil, não havendo em nosso sistema hierarquia entre as regras e normas por ocasião do conteúdo de sua matéria.
Isso significa que institutos previstos nos Direitos Civil, Comercial, Penal, etc., devem ser os mesmos institutos regulamentados pelo Direito Tributário, já que a fonte do direito – a lei – tem a mesma origem e hierarquia, estando ou não expressamente previstas na Constituição Federal, tendo em vista que a própria Constituição Federal é o instrumento que regulamenta produção legislativa nacional, sendo ela a fonte ordenadora e principiológica de todo o sistema jurídico nacional.
Esse entendimento é necessário pois o legislador nacional - constitucional ou infraconstitucional - não definiu os conceitos de filial, sucursal ou agência, prevendo somente a sua existência e regulamentando situações jurídicas que as envolvam. Assim, como não há conceito desses elementos na lei – civil ou tributária – a questão é formar essas definições com o intuito de verificar os alcances e consequências legais para cada uma delas.
E esta importância vem reforçada pelo texto do art. 150, inc. I, da CF, que estabelece o princípio da legalidade, aduzindo que "é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça". O princípio da legalidade tributária limita a atuação do poder tributante em prol da segurança jurídica dos contribuintes. Seria temerário permitir que a Administração Pública pudesse criar ou aumentar tributos sem a expressa previsão dos seus atos em lei competente para o mesmo.
Mas o princípio da legalidade tributária vai além, já que é uma reverberação do princípio enunciado no art. 5º, inc. II, da CF, que afirma que "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei". Tal regra expressa duas faces: a submissão dos agentes públicos à lei, salvaguardando os direitos do cidadão, e o direito do cidadão realizar qualquer conduta que não seja expressamente prevista ou proibida em lei, de modo que só a lei pode determinar proibições, mandamentos ou exarar direitos.
Pois bem, como referido, o legislador não definiu os conceitos de matriz, filial, sucursal ou agência, mas os previu na legislação nacional. Vejamos suas previsões:
O Código Civil Brasileiro (CCB), em seu artigo 969, estabelece uma obrigação ao empresário quando constitui os estabelecimentos secundários:
Art. 969. O empresário que instituir sucursal, filial ou agência, em lugar sujeito à jurisdição de outro Registro Público de Empresas Mercantis, neste deverá também inscrevê-la, com a prova da inscrição originária.
Parágrafo único. Em qualquer caso, a constituição do estabelecimento secundário deverá ser averbada no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede.
Essa disposição referente expressamente ao empresário, também é reprisada em relação às sociedades simples (art. 1.000), adaptado às exigências legais pertinentes a este tipo societário.
Depois, o art. 1.136, §2º, inc. II, estabelece que a sociedade legalmente estabelecida deve arquivar nos registros competentes (Junta Comercial ou Registro de Pessoas Jurídicas), as suas filiais, sucursais e agências.
Veja-se que a diferença entre as instituições é relevante para a lei, senão não teria a mesma realizado distinção quando da previsão da obrigação direcionada ao empresário ou à sociedade simples. É princípio basilar de hermenêutica jurídica o entendimento segundo o qual a lei não contém palavras inúteis: verba cum effectu sunt accipienda, ou seja, as palavras devem ser compreendidas como tendo algum sentido. Portanto, esclarecer as diferenças e definir os conceitos é muito importante para se poder observar os devidos efeitos jurídicos que o restante da legislação nacional e local reserva para o caso.
2. O Estabelecimento comercial.
O art. 1.142, do CCB, enuncia o conceito de estabelecimento:
Art. 1.142. Considera-se estabelecimento todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária.
Tem-se que esse conjunto de bens, dispostos de maneira organizada pelo empresário, é o que possibilitará a exploração da atividade econômica, visto que a organização dos fatores de produção, aliada com o investimento de capital nesse complexo de bens é o que resulta no estabelecimento empresarial. Compreende-se como bens corpóreos, por exemplo, a sede da empresa, terrenos, máquinas, matérias-primas etc., bem como bens incorpóreos, por exemplo, o nome empresarial, a marca, a patente etc. O estabelecimento empresarial tem atribuído um valor econômico mais amplo do que todo o conglomerado de elementos que o compõe, devido a organização desses elementos, que resulta na capacitação do estabelecimento para a atividade empresarial3.
Neste sentido, a filial e os outros institutos fazem parte do conceito de estabelecimento empresarial, fazendo parte do acervo patrimonial de uma única pessoa jurídica, partilhando dos mesmos sócios, contrato social e firma ou denominação da matriz. Nessa condição, consiste em uma universalidade de fato, não ostentando personalidade jurídica própria, não sendo sujeito de direitos, tampouco uma pessoa distinta da sociedade empresária. Cuida-se de um instrumento de que se utiliza o empresário ou sócio para exercer suas atividades de forma mais dinâmica no competitivo mercado econômico.
Observe-se que a discriminação do patrimônio da empresa, mediante a criação de filiais, não afasta a unidade patrimonial da pessoa jurídica, que, na condição de devedora, deve responder com todo o ativo do patrimônio social por suas dívidas, à luz de regra de direito processual prevista no art. 798. do Código de Processo Civil, segundo a qual o devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei, conceito repisado no art. 30, da Lei de Execuções Fiscais (Lei n. 6.830/1980).
No entanto, saber que esses institutos fazem parte do patrimônio da empresa, dado o conceito jurídico de estabelecimento, não os conceitua, permanecendo inócua a lei neste sentido. Como visto anteriormente, é necessário definir os conceitos para se chegar à regra e à construção da norma a ser aplicada no caso.
2.1. Matriz.
Para definir os estabelecimentos secundário, primeiro devemos descrever o que é o estabelecimento primário de uma empresa. Dentro do conceito de estabelecimento antes descrito, tem-se que a matriz é a sede principal ou local de gestão da empresa, onde há a primazia da direção a qual estão subordinados todos os demais estabelecimentos da empresa, chamados de filiais, sucursais ou agências.
Assim, é a matriz que detém toda a responsabilidade gerencial e administrativa da empresa ou sociedade e, dado o princípio da universalidade do patrimônio do estabelecimento, é sempre a matriz quem responde pelas obrigações gerais da empresa.
2.2. Filial.
A filial é um estabelecimento derivado da matriz, ele representa a direção principal, sem, contudo, ter poderes ou alçada deliberativa e/ou executiva. Ela pratica atos que tem validade jurídica e obrigam a organização como um todo, porque este estabelecimento possui poder de representação ou mandato da matriz e, por esta razão, a filial deve adotar a mesma firma ou denominação do estabelecimento principal. De forma genérica, tem-se chamado de filial também como agência ou sucursal; no entanto, cremos que, se fossem a mesma coisa, tivessem o mesmo conceito, a legislação não teria previsto formas diferentes de realização do objeto societário da empresa.
Não se pode confundir, no entanto, filial com o conceito de “empresa filha”, que é uma sociedade independente, autônoma, mas controlada pela “empresa mãe”. Esse tipo de empresa goza de autonomia jurídica, de personalidade, o que não ocorre com as filiais que são meras extensões da organização principal4.
2.3. Sucursal.
Pode ser o estabelecimento comercial ou industrial que opera na dependência da matriz, instituído em local diverso ao do estabelecimento principal, para realizar , com melhor eficiência, os negócios próprios que constituem o seu objetivo; no entanto, diferentemente da filial, à sucursal detém uma maior autonomia administrativa, possuindo uma direção própria atribuída à faculdades de operação independente, com maior liberdade de atuação, apesar de ligada às orientações e direção da matriz. Pode-se dizer, por isso, que a sucursal possui uma posição hierarquia mais elevada do que a filial, podendo, inclusive, que a sucursal tenha suas próprias filiais.
2.4. Agência
Considera-se o estabelecimento comercial localizado fora da sede e a esta subordinado, com a finalidade de promover a intermediação de negócios. Também pode ser considerado um escritório comercial ou de gestão de parte dos negócios que não depende de uma matriz, como uma agência de leilões, corretagem, transporte, etc., relevando a outorga de uma representação técnica específica, através de um mandatário, que se diz agente ou preposto do estabelecimento principal, ou não, porquanto pode-se manter a agência como um negócio próprio, mas vinculado ao exercício do objeto societário.
Importa que a agência não realiza o negócio da matriz em si, mas opera sob sua responsabilidade e mando, devendo respeitar as diretrizes estabelecidas pelo estabelecimento principal.
Um exemplo claro do uso de agências é feito pelas instituições bancárias, que posicionam inúmeras agências bancárias por todo o Brasil, no claro intento de facilitar o acesso dos seus serviços ao grande público, “agenciando” para a matriz as suas funções básicas e administrando as contas dos clientes a estas vinculadas. Claro que tais agências são muito mais do que meros agentes de intermediação de negócios, até mesmo por ocasião de regulamentos administrativos nacionais de órgão de regulação.
2.5. E o escritório comercial?
Como visto, a consulta que gerou este trabalho tinha por objeto a existência de um escritório de vendas localizado em local diverso do estabelecimento da matriz, cuja atuação profissional não estava registrada no órgão fiscal municipal local. E a questão é: esse escritório de vendas pode ser enquadrado dentro desses conceitos? Consoante os elementos do estabelecimento secundário, dentre os conceitos de filial, sucursal e agência, o mais certo é que se pode enquadrar o escritório comercial como uma agência, embora quase nunca nos tratados comerciais se trate do escritório comercial como uma espécie de agência.
Portanto, consoante disposto na legislação cível empresarial, o escritório comercial é uma agência, servindo como um posto avançado de vendas em nome e responsabilidade da matriz, devendo, por tal razão, ter sua existência registrada na Junta Comercial local.
Assim, a questão societária nos mostra que o registro da agência é medida impositiva quando da sua formalização pela empresa matriz; mas e os efeitos fiscais do estabelecimento secundário? Como se trata a tributação dessa atuação. Passemos à análise tributária da agência e demais estabelecimentos secundários.