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A importância do inquérito policial diante das diretrizes principiológicas do Estado Democrático de Direito

01/08/2022 às 12:00
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Ainda que o inquérito policial não acarrete a aplicação direta de uma pena, pode resultar na restrição de bens e direitos do investigado, afetando severamente uma parcela de seus direitos fundamentais.

O artigo inaugural da Constituição Federal estabelece que o Brasil rege-se segundo as regras do Estado Democrático de Direito e possui como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa. Essa previsão de regência pelas regras do Estado de Direito, se traduz no chamado império da Lei, pois o poder da lei está acima da lei do poder.

O Estado cria a lei e, ao mesmo tempo, se submete a ela. Nesse cenário, destaca-se o papel exercido pela Constituição Federal. Pois, além de se constituir em um Estado Democrático de Direito, o Brasil funda-se nos conceitos de um Estado Constitucional, regido por uma Constituição, de modo que toda e qualquer lei criada deve respeitar os seus limites e as suas diretrizes, sob pena de incompatibilidade com sistema adotado.

O Estado Constitucional deve assegurar a centralidade da pessoa e a garantia de seus direitos fundamentais como vínculos estruturais de toda a organização política que rege a dinâmica social em todas as suas formas e segmentos. Logo, o Estado deve exteriorizar uma política de atuação apta a garantir o respeito às liberdades civis e, sobretudo, o respeito aos direitos e garantias fundamentais, prevendo uma efetiva proteção jurídica.

 Encaixando-se a persecução criminal nesse sistema, não há como se conceber que ela esteja desgarrada dos fundamentos da República, devendo observar, com mais tenacidade ainda, as sua bases principiológicas, já que poderá culminar na restrição da liberdade individual. Saliente-se, por oportuno, que o ponto de partida da persecução penal é o inquérito policial, que está a cargo da polícia judiciária (Polícias Civis e Polícia Federal), presidido por delegado de polícia de carreira.

 A principal atribuição da polícia judiciária é a apuração da autoria e materialidade das infrações penais, conforme expresso no texto constitucional[1]. Assim, ao desenvolver a atividade investigativa, compete ao delegado de polícia, através de análise técnico-jurídica dos fatos, delinear os rumos do procedimento preparatório da ação penal, aplicando, respeitando e fazendo-se respeitar as leis. Esse trabalho, se bem utilizado pelo Ministério Público, inclusive, pode auxiliar no livre convencimento do Juiz, embora não possa ser utilizado de forma exclusiva[2].

  O inquérito policial constitui-se, portanto, em um procedimento preparatório do processo criminal, de modo que, embora tenha natureza administrativa, pode ser considerado verdadeira instrução preliminar. Nesse jaez, ainda que o delegado de polícia não exerça jurisdição, é incontestável que aplica a lei no âmbito preparatório do processo penal. Não raro, o delegado recebe do legislador o tratamento por "autoridade de polícia judiciária".

Conforme bem observa Henrique Hoffmann[3], “a investigação preliminar é o ponto de partida para uma persecução penal bem sucedida, que atenda ao interesse da sociedade de elucidar crimes sem abrir mão do respeito aos direitos mais comezinhos dos investigados”.

O firmamento do Estado de Direito, na prática e não apenas nos manuais, passa necessariamente pela observância de todas as normas legais democraticamente estatuídas, principalmente por parte dos agentes estatais, e, mais especialmente ainda, quando estamos nos referindo ao poder punitivo. Nessa esteira, investigação criminal, como preliminar de um processo jurídico racional, deve adotar um modelo que, segundo Fábio Motta Lopes[4]:

(...) deve assegurar a todos os indivíduos, principalmente àqueles que sejam acusados da prática de uma infração penal, os direitos fundamentais previstos na Constituição Federal, levando-se em conta, sempre, a proteção da dignidade da pessoa humana, princípio fundamental da República Federativa do Brasil, segundo se verifica no art. 1°, inciso III do texto constitucional, e que o poder estatal deve ser limitado.

Portanto, o delegado de polícia, como "primeiro garantidor da legalidade e da Justiça", nas palavras do ministro Celso de Mello[5], não pode adotar uma visão unifocal na presidência da investigação criminal, de modo a desprezar as garantias e os direitos individuais do investigado[6]; deve, sim, exercer as suas funções com circunspecção.

Com efeito, assim como é clara a outorga legal ao delegado de polícia para apurar a materialidade e autoria de infrações penais, também o é, em uma leitura constitucional da investigação, o dever de realizar esse mister com imparcialidade e independência, pois não está vinculado nem à acusação e nem à defesa, estando a serviço da Justiça.

Aliás, anote-se, tudo o que é produzido no inquérito policial é posteriormente coalescido ao processo judicial[7], não sendo incorreto afirmar que o inquérito policial é o "principal mecanismo de produção da verdade processual"[8], já que, como a realidade nos mostra, dado início ao processo, o Ministério Público pouco acrescenta àquilo que foi produzido no inquérito[9]. Dessa forma, as provas produzidas em contraditório judicial, que deveriam ser a espinha dorsal do processo, acabam se tornando coadjuvantes na formação da convicção do julgador[10], convertendo-se o processo em "mera repetição ou encenação da primeira fase"[11].

Nesse diapasão, não há como se negar que o inquérito policial é essencial no sistema de justiça criminal, resultando na colheita e preservação de elementos de informações que, não raras vezes, são irrepetíveis em juízo, convertendo-se em verdadeiras provas do fato, v. g., levantamentos em locais de crimes, interceptações telefônicas, perícias criminais.

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Atento a esse fato, Henrique Hoffmann assevera que “a Polícia Federal e as polícias civis têm a importante missão de assegurar que as investigações criminais se mantenham em sintonia com um país democrático e republicano”. O direito criminal é, sem dúvidas, um dos meios de controle social, caracterizado, em virtude de sua resposta visar a restrição da liberdade, como o mais severo.

Ainda que o inquérito policial não acarrete a aplicação direta de uma pena, pode resultar na restrição de bens e direitos do investigado, v.g., sequestro ou apreensão de objetos, bloqueio de ativos, prisão cautelar, etc., afetando severamente uma parcela substancial de seus direitos fundamentais.

Por essa simples razão, não cabe somente ao juiz, durante o processo, a garantia da efetivação desses direitos constitucionais, mas também ao delegado, durante o inquérito, já que possui aptidão técnica e jurídica para ser o primeiro guardião das garantias fundamentais. Aliás, conforme a brilhante lição de Guilherme de Souza Nucci, “o delegado de polícia é o primeiro juiz do fato”[12].

É inegável, diante dos argumentos lançados, a importância do inquérito policial, onde se consubstancia a investigação criminal, instrumento deve ser conduzido com estrita obediência às matrizes constitucionais que norteiam a sua legitimação. Dessa forma, a sujeição das pessoas ao modelo de comportamento imposto terá início em um procedimento isento, imparcial e, acima de tudo, constitucional.


[1] Art. 144, §1º, IV e § 4º, da CF.

[2] Art. 155 do CPP.

[3] CASTRO, Henrique Hoffmann Monteiro de. Missão da polícia judiciária é buscar a verdade e garantir direitos fundamentais. disponível em: http://www.conjur.com.br/2015-jul-14/academia-policia-missao-policia-judiciária-buscar-verdade-garantir-direitos-fundamentais. Acessado em 18/05/2020.

[4] LOPES, Fábio Motta. Os direitos de informação e de defesa na investigação criminal. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009, p. 20.

[5] STF, HC 84.548, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 21/06/2012.

[6] CASTRO, Henrique Hoffmann Monteiro de. Missão da polícia judiciária é buscar a verdade e garantir direitos fundamentais. Loc. cit.

[7] Art. 12 do CPP.

[8] CARVALHO, Salo de. O papel dos atores do sistema penal na era do punitivismo (o exemplo privilegiado da aplicação da pena). Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2010, p. 89.

[9] CHOUKR, Fauzi Hassan. Inquérito policial: novas tendências e prática. IBCRIM, São Paulo, boletim 84, novembro 1999.

[10] QUEIROZ, DAVID. Delegado de Polícia, o primeiro garantidor de direitos fundamentais! Mas quem garante os direitos do garantidor?. Disponível em: <https://emporiododireito.com.br/leitura/delegado-de-policia-o-primeiro-garantidor-de-direitos-fundamentais-mas-quem-garante-os-direitos-do-garantidor>. Acessado em 18 de maio de 2020.

[11] LOPES Jr., Aury. Direito processual penal. São Paulo: Saraiva, 2014. P. 106.

[12] CASTRO, Henrique Hoffmann Monteiro de. Missão da polícia judiciária é buscar a verdade e garantir direitos fundamentais. Loc. cit.

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Sobre o autor
William Garcez

Delegado de Polícia (PCRS). Pós-graduado com Especialização em Direito Penal e Direito Processual Penal. Professor de Direito Criminal da Graduação e da Pós-graduação da Fundação Educacional Machado de Assis (FEMA) e de cursos preparatórios para concursos públicos: Ad Verum/CERS (2018), Casa do Concurseiro (2019), CPC Concursos (2020), Mizuno Cursos (2021) e Fatto Concursos (2023). Professor de Legislação Criminal Especial do curso de Pós-graduação do IEJUR - Instituto de Estudos Jurídicos (2022) e da Pós-graduação da Verbo Jurídico (2023). Organizador e autor de artigos e obras jurídicas. Palestrante. Instagram: @prof.williamgarcez

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GARCEZ, William. A importância do inquérito policial diante das diretrizes principiológicas do Estado Democrático de Direito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6970, 1 ago. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/82332. Acesso em: 2 nov. 2024.

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