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Da inocorrência do anatocismo na Tabela Price:

uma ánalise técnico-jurídica

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16/04/2006 às 00:00
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III –Das condições que se contratam com a aplicação da Tabela Price

Ordinariamente, o que se tem divulgado é que a Tabela Price contempla a prática do anatocismo e isso é feito com base em inferências infundadas, conforme se verá em capítulos subseqüentes.

Contudo, antes que se percorra o quase sempre penoso caminho de interpretar fórmulas e cálculos, parece de todo conveniente que se interpretem quais efetivas condições são ajustadas entre as partes quando contratam o cálculo de prestações e a amortização de dívidas com base no sistema da Tabela Price. Ou seja, é imprescindível identificar qual o fato jurídicoque emana da vontade das partes que contratam obrigações a serem pagas e amortizadas com base no sistema da Tabela Price.

Um contrato é um ajuste que expressa a livre manifestação de vontade entre as partes e, se não compreendidas com clareza quais as obrigações assumidas quanto ao modo e tempo de seu adimplemento, impraticável é definir se existe ou não prática abusiva que justifique a interferência do Estado para restabelecer o equilíbrio entre os contratantes e coibir eventuais ilicitudes camufladas nas condições contratadas.

O que se observa nos pleitos de quem busca a tutela jurisdicional do Estado, no que tange especificamente às obrigações contratuais ajustadas com base na Tabela Price, é que se alega a prática de abuso usurário decorrente de anatocismo que estaria implicitamente contemplado na fórmula de cálculo que redunda, diretamente, na apuração dos valores das prestações e, indiretamente, nas proporções de amortização do capital e da evolução do saldo da dívida.

Entretanto, a utilização da Tabela Price em contratos não implica nas alegadas ilicitudes. Tomemos o seguinte exemplo: um mutuário toma um empréstimo de R$ 9.000,00 no dia 01/04/X0 e pretende saldá-lo dentro de dois anos com o pagamento de 24 (vinte e quatro) prestações mensais, iguais e sucessivas, vencíveis sempre no mesmo dia de cada mês, considerada a taxa de juros legal de 1% (um por cento) ao mês. Se aplicada a fórmula da Tabela Price, a mesma indicará, para o caso em questão, um fator igual a 0,047073 e que, se aplicado sobre o capital mutuado, resultará no valor de cada uma das prestações contratuais, isto é: R$ 9.000,00 X 0,047073 = R$ 423,66.

Convém confirmar tal assertiva com a resolução concreta da fórmula da Tabela Price, conforme segue:

P

=

C

x

(1 + i )n x I

(1 + i)n - 1

Onde:

P =Prestação
C = Capital Inicial
i =taxa de juros
n = período

 

P

=

9.000,00

x

(1 + 0,01)24 x 0,01

 

(1 + 0,01)24 - 1

 

P

=

9.000,00

x

1,269735 x 0,01

 

1,269735 - 1

 

P

=

9.000,00

x

0,012697

 

0,269735

 

P

=

9.000,00

x

0,047073

 

P

=

423,66

Ainda, assuma-se que a contratação exemplificativa previu que, em caso de inadimplemento, sobre as prestações vencidas incidam juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, desde seus respectivos vencimentos e até seus efetivos pagamentos.

Esse é um padrão bem conhecido nos contratos brasileiros, que usualmente prevêem o pagamento em prestações "mensais, iguais e sucessivas vencíveis sempre no mesmo dia de cada mês". Ainda, é usual que sobre as prestações vencidas incidam "juros de mora de 1% (um por cento) ao mês". As dívidas feitas em prestações mensais são assim consumadas e é fato dos mais comezinhos que dispensa referências ou confirmações, já que de notório conhecimento público.

Tais contratos não falam em juros capitalizados. Também não falam de carência para o início das amortizações do principal ou dos juros. Menos ainda, estipulam especificamente uma ordem ou proporção de imputação dos valores pagos para efeito de liquidação das obrigações assumidas. Simplesmente estipulam que o valor das parcelas mensais já computa juros de 12% ao ano pela Tabela Price, ou singelamente "TP".

Portanto, tem-se que um tal tipo de contratação, com a aplicação do fator colhido na Tabela Price, fixou expressa estipulação entre as partes quanto ao período do mútuo, as épocas dos pagamentos e amortizações e, obviamente, o valor específico de cada pagamento. No mais, ou seja, naquilo que não se depreende especificamente dos termos expressamente ajustados, obviamente devem ser observados os estritos preceitos legais, quais sejam:

a)que a partir do primeiro vencimento – e assim sucessivamente com os demais – devam haver pagamentos que se prestem a amortizações parciais do saldo devedor total;

b)que os valores entregues se prestem, primeiramente, a saldar os juros do saldo devedor total e, na seqüência, amortizar parte do capital mutuado;

c)que não sejam incorporados juros ao saldo do capital; e

d)que os juros moratórios somente incidam sobre o valor das prestações pagas em atraso e não sobre o capital como um todo, vez que a mora dá-se em função do atraso no pagamento da mensalidade e não do contrato.

Conforme anteriormente já ressaltado, a alegação feita por aqueles que atacam a utilização da Tabela Price é que sua aplicação não respeitaria o ditame legal que veda a incorporação dos juros ao capital. Ocorre que, na verdade, tal conseqüência não existe, conforme se demonstra na seqüência.


IV – Das conseqüências concretas pela aplicação da Tabela Price

Tomado o exemplo contido no capítulo anterior, bem como, as condições contratuais implícitas na contratação de prestações calculadas pelo sistema de amortização da Tabela Price, a evolução dos valores decorrentes restaria assim espelhada:

EVOLUÇÀO DO SALDO DEVEDOR PELO CRITÉRIO DA TABELA PRICE

Época

Histórico

Saldo do Principal

Saldo dos Juros

Saldo Do Contrato

Parcela de Amortização

Parcela de Juros

Total da Prestação

01/04/X0

Vr. Mútuo

9.000,00

0,00

9.000,00

0,00

0,00

0,00

01/05/X0

1a. Prest.

8.666,34

0,00

8.666,34

333,66

90,00

423,66

01/06/X0

2a. Prest.

8.329,34

0,00

8.329,34

337,00

86,66

423,66

01/07/X0

3a. Prest.

7.988,97

0,00

7.988,97

340,37

83,29

423,66

01/08/X0

4a. Prest.

7.645,20

0,00

7.645,20

343,77

79,89

423,66

01/09/X0

5a. Prest.

7.297,99

0,00

7.297,99

347,21

76,45

423,66

01/10/X0

6a. Prest.

6.947,31

0,00

6.947,31

350,68

72,98

423,66

01/11/X0

7a. Prest.

6.593,12

0,00

6.593,12

354,19

69,47

423,66

01/12/X0

8a. Prest.

6.235,39

0,00

6.235,39

357,73

65,93

423,66

01/01/X1

9a. Prest.

5.874,08

0,00

5.874,08

361,31

62,35

423,66

01/02/X1

10a. Prest.

5.509,16

0,00

5.509,16

364,92

58,74

423,66

01/03/X1

11a. Prest.

5.140,59

0,00

5.140,59

368,57

55,09

423,66

01/04/X1

12a. Prest.

4.768,34

0,00

4.768,34

372,25

51,41

423,66

01/05/X1

13a. Prest.

4.392,36

0,00

4.392,36

375,98

47,68

423,66

01/06/X1

14a. Prest.

4.012,62

0,00

4.012,62

379,74

43,92

423,66

01/07/X1

15a. Prest.

3.629,09

0,00

3.629,09

383,53

40,13

423,66

01/08/X1

16a. Prest.

3.241,72

0,00

3.241,72

387,37

36,29

423,66

01/09/X1

17a. Prest.

2.850,48

0,00

2.850,48

391,24

32,42

423,66

01/10/X1

18a. Prest.

2.455,32

0,00

2.455,32

395,16

28,50

423,66

01/11/X1

19a. Prest.

2.056,21

0,00

2.056,21

399,11

24,55

423,66

01/12/X1

20a. Prest.

1.653,11

0,00

1.653,11

403,10

20,56

423,66

01/01/X2

21a. Prest.

1.245,98

0,00

1.245,98

407,13

16,53

423,66

01/02/X2

22a. Prest.

834,78

0,00

834,78

411,20

12,46

423,66

01/03/X2

23a. Prest.

419,47

0,00

419,47

415,31

8,35

423,66

01/04/X2

24a. Prest.

0,00

0,00

0,00

419,47

4,19

423,66

Totais

9.000,00

1.167,84

10.167,84

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Primeiramente, é importante notar que os juros foram calculados de forma simples, a cada período, considerando sempre o saldo devedor total do contrato, isto é:

Época

 

Taxa de Juros Mensal

 

Saldo Anterior do Principal

 

Juros Contratuais

01/05/X0

 

1,00%

x

9.000,00

=

90,00

01/06/X0

 

1,00%

x

8.666,34

=

86,66

. . .

           

01/04/X2

 

1,00%

x

419,47

=

4,19

Total

         

1.167,84

Ainda, considerando que, a cada pagamento feito, os primeiros valores saldados foram os juros contratuais, liquidados integralmente, e que somente a diferença foi computada como amortização do principal, tem-se que o saldo devedor JAMAIS contempla em si um centavo sequer de juros, isto é:

Época

Histórico

Saldo do Principal

Saldo dos Juros

Saldo do Contrato

01/04/X0

Vr. Mútuo

9.000,00

0,00

9.000,00

01/05/X0

1a. Prest.

8.666,34

0,00

8.666,34

01/06/X0

2a. Prest.

8.329,34

0,00

8.329,34

. . .

       

01/04/X2

24ª. Prest.

0,00

0,00

0,00

Em outras palavras, a aplicação da Tabela Price observa os ditames legais pertinentes e não contempla a capitalização de juros, posto que não redunda na incorporação dos juros ao saldo contratual e, por conseqüência, não há incidência de juros sobre juros em nenhum momento da evolução do saldo da dívida.

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Sobre o autor
Obed de Faria Junior

perito judicial, advogado em São Paulo (SP), bacharel em Ciências Contábeis e Jurídicas

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FARIA JUNIOR, Obed. Da inocorrência do anatocismo na Tabela Price:: uma ánalise técnico-jurídica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1019, 16 abr. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8241. Acesso em: 2 nov. 2024.

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