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Considerações acerca do dever de fundamentação das decisões:

a legitimidade democrática argumentativa do Poder Judiciário no Estado Democrático de Direito brasileiro

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22/04/2006 às 00:00
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6 – Conclusão

            Como é sabido, o mesmo evento pode, dependendo do ângulo de análise e da pré compreensão do observador, gerar diferentes fatos, com diferentes conseqüências jurídicas, o que deixa evidente que sem fundamentação o arbítrio torna-se inevitável.

            Ainda assim, não se deve iludir advogando que a fundamentação seja "a cura para todos os males". Ora, se a fundamentação se faz eminentemente pela via argumentativa e se o instrumento utilizado é a linguagem, forçoso reconhecer que se está no campo da lógica do provável, e não das certezas e verdades inequívocas [24]. Citando Aristóteles, Paul Ricoeur [25] observa que nesta "arte de utilizar argumentos prováveis no uso público da palavra" há sempre espaço para um "mas", na medida em que, em certo sentido, a formulação de argumentos é infinita – encontrando seus limites nas regras formais atinentes ao processo judicial (v.g.: as que estipulam prazos e limitam os recursos). Observa, ainda, Humberto Ávila [26] que "no final, restará um quê de subjetivo na argumentação".

            Portanto, se é ontologicamente impossível, por mais e melhor que se fundamente, a partir das ferramentas utilizadas pelo operador do direito, determinar qual a (única) decisão correta, a explicitação das razões que motivaram determinada decisão permite controlá-la, gerando instrumentos hábeis a impedir o arbítrio e a propiciar previsibilidade e segurança jurídicas – mormente se se criar estandartes que permitam entrever a exigência de fundamentação necessária para cada grupo de casos, aliados a uma cultura de respeito às razões de decidir anteriores – coerência com os fundamentos elencados como preponderantes em casos análogos precedentes.


7 - Referências:

            ANDRADE, José Carlos Vieira de. O dever da fundamentação expressa de actos administrativos. Coimbra: 1992, 399 p.

            ATIENZA, Manuel. Tras la justicia. Barcelona: Ariel, 1995. 267p.

            ____ As Razões do Direito.Tradução de Maria Cristina Guimarães Cupertino. São Paulo: Landy, 2003.

            ÁVILA, Humberto. Argumentação Jurídica e a Imunidade do Livro Eletrônico. Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, v. 19, p.157-180. março 2001.

            ____ Teoria dos Princípios. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

            ____ Sistema Constitucional Tributário. São Paulo: Saraiva, 2004.

            BINEMBOJM, Gustavo. A Nova Jurisdição Constitucional Brasileira: legitimidade democrática e instrumentos de realização. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.

            CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição. 4. ed. Coimbra: Almedina.

            HABERMAS, Jürgen, Direito e Democracia entre facticidade e validade. Tradução de Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003.

            RICOEUR, Paul. Leituras 1. Em torno ao político. O justo entre o legal e o bom p.107.

            SILVA, José Afonso da. Poder Constituinte e Poder Popular: estudos sobre a constituição. São Paulo: Malheiros

            SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. Jurisdição Constitucional, Democracia e Racionalidade Prática. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. 378 p.


Notas

            01

CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição. 4. ed. Coimbra: Almedina p.57/58.

            02

Sobre o tema vide HABERMAS, Jürgen, Direito e Democracia entre facticidade e validade. Tradução de Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003.

            03

SILVA, José Afonso da. Poder Constituinte e Poder Popular: estudos sobre a constituição. São Paulo: Malheiros. p. 107 e ss.

            04

Conforme vêm lecionando vários autores, dentre os quais Gustavo Binembojm, no Estado Democrático de Direito, a legitimidade do Judiciário – único Poder cujos representantes não são democraticamente escolhidos pelo povo – é argumentativa, o que lhe impõe o ônus de convencer a sociedade sobre a correção de suas decisões e submeter-se às críticas, o que se faz por meio da fundamentação. In BINEMBOJM, Gustavo. A Nova Jurisdição Constitucional Brasileira: legitimidade democrática e instrumentos de realização. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.

            05

Em razão da conexão com o Estado Democrático de Direito, servindo mesmo como um dos instrumentos que confere concretude ao estado ideal de coisas por este visado, a fundamentação das decisões judiciais é arrolada por Daniel Sarmento, em suas aulas, como exemplo de direito constitucional fundamental fora do elenco do artigo 5º da Constituição Federal.

            06

Ter-se-ia, na classificação entre nós difundida por José Afonso da Silva, uma norma constitucional de eficácia plena. Já na classificação de Luís Roberto Barroso, tratar-se-ia de uma norma definidora de direito.

            07

Neste caso, trata-se de regra geral que admite exceções em favor do interesse público, entendido este de forma ampla (albergando, por exemplo, o segredo de estado, investigações que correm sob sigilo e a proteção à família ou à privacidade – nas causas em que aspectos da vida íntima de uma casal vêm à tona). Este nosso entendimento encontra amparo na própria carta constitucional, mais especificamente no inciso LX ao artigo 5º, que estabelece que" a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem"(grifos nossos).Na classificação de José Afonso da Silva, esta regra figuraria entre as normas de eficácia contida (que, como adverte Michel Temer, melhor teriam sido chamadas de normas de eficácia restringível, na medida em que são normas que operam seus efeitos desde que promulgadas e publicadas, podendo estes serem restringidos por legislação futura).

            08

Art. 460. É defeso ao juiz proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado.

            09

Art. 128. O juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões, não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte

            10

Art. 131. O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que lhe formaram o convencimento.

            11

Acerca das categorias normativas e da distinção entre sobreprincípios, princípios, regras e postulados aplicativos, vide ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. São Paulo: Malheiros, 2003. Vide ainda, do mesmo autor, Sistema Constitucional Tributário. São Paulo: Saraiva, 2004.

            12

Anotações de aula na disciplina Retórica e Argumentação Jurídica, ministrada no Programa de Pós-Graduação Strictu Sensu da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ.

            13

ATIENZA, Manuel. As Razões do Direito.Tradução de Maria Cristina Guimarães Cupertino. São Paulo: Landy, 2003. p.20

            14

ob. cit. p. 22/23

            15

ob. cit. p. 23

            16

ANDRADE, José Carlos Vieira de. O dever da fundamentação expressa de actos administrativos. Coimbra: 1992, p.11

            17

ob. cit. p. 13

            18

ÁVILA, Humberto. Argumentação Jurídica e a Imunidade do Livro Eletrônico. Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, v. 19, p.157-180. março 2001.

            19

Ob. cit. p. 180

            20

art. 101 – A declaração de constitucionalidade ou inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, pronunciada por maioria qualificada, aplica-se aos novos feitos submetidos às Turmas ou ao Plenário, salvo o disposto no artigo 103.

            21

Aqui tem-se como pressuposto a diferenciação entre texto (dispositivo legal) e norma, sendo esta construída a partir dos sentidos preliminares fornecidos por aquele. Ao nosso ver, a norma, assim como os fatos jurídicos, são construídos argumentativamente. Logo, dependendo dos argumentos lançados sobre determinados dispositivos legais, ter-se-ão construídas diferentes normas, devendo o operador do direito justificar a norma que pretende eleger (decisão de interpretação) como a mais suportável pelo ordenamento jurídico. Atente-se ainda, que o ordenamento jurídico também variará conforme a pré-compreensão daquele que o interpreta, de forma que, por mais que se argumente, sempre restará um quê de subjetividade que é ontologicamente impossível de se eliminar, em razão mesmo do instrumento de trabalho utilizado pelo operador do direito – a linguagem. Assim, admitindo-se a impossibilidade de eliminar a subjetividade, importa à teoria da argumentação jurídica evidenciá-la, submetendo-a a controle crítico. E ao intérprete do direito (que não é somente operador, mas também construtor da norma), impõe-se a necessidade de persuadir seus interlocutores de que a decisão de interpretação por ele proposta é aceitável e, de preferência, melhor que as outras decisões também possíveis.

            Usando um exemplo banal para facilitar a compreensão, pode-se entender a relação teoria da argumentação e subjetividade analogamente à relação vírus de alta performance e antivírus no mundo cibernético. O antivírus, muitas vezes (e é nesses casos que cabe a analogia), não tem recursos para acabar com o vírus. No entanto, pode colocá-lo em quarentena, de modo a controlar os seus passos e manter protegidos outros setores do sistema. Do mesmo modo, como assevera o professor Humberto Ávila, "a argumentação jurídica não aniquila a subjetividade; mantem-na sob controle crítico". Ob. cit. p. 180

            22

Ob. cit. p. 227 e ss.

            23

No sentido empregado por PERELMAN, significando um conhecimento do auditório que facilita a comunicação. Assim, o uso de palavras ou termos com significados pré-definidos no âmbito da comunidade jurídica facilitaria a clareza, contribuindo para o entendimento da decisão.

            24

Se é que elas existem ou já existiram um dia.

            25

RICOEUR, Paul. Leituras 1. Em torno ao político. O justo entre o legal e o bom p.107.

            26

ÁVILA, Humberto. Argumentação Jurídica e a Imunidade do Livro Eletrônico. Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, v. 19, p.157-180. março 2001.
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Sobre o autor
Jasson Hibner Amaral

professor de Direito Constitucional em Vitória (ES), mestre em Direito Público pela UERJ

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AMARAL, Jasson Hibner. Considerações acerca do dever de fundamentação das decisões:: a legitimidade democrática argumentativa do Poder Judiciário no Estado Democrático de Direito brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1025, 22 abr. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8248. Acesso em: 18 abr. 2024.

Mais informações

Síntese de seminário apresentado pelo autor em setembro de 2004, no curso de mestrado da UERJ, como um dos requisitos para aprovação na disciplina Segurança dos Direitos Fundamentais, ministrada pelos professores Doutores Humberto B. Ávila e Ricardo Lobo Torres.

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