O QUE PODE SE ESPERAR COM A PROMULGAÇÃO DESTA LEI
É diante de um cenário onde um dos assuntos mais pautadas pelo brasileiro é a corrupção, em tempos onde aparentemente um processo que ganhou repercussão mundial, a Lava Jato, onde a impunidade parece que ganhará o seu fim, é que surge a Lei de Abuso de Autoridade. No Brasil os casos de abuso de autoridade perdura desde os tempos do período colonial, talvez até mesmo desde a época em que havia aqui somente os índios. A verdade é que nessa época ninguém pode dizer que havia, mas também, ninguém poderia dizer que não houvesse. Afinal de contas, ser autoridade publica para muitos é sinônimo de poder de senhorio sobre os “vassalos”, que continua impregnada no subconsciente de um povo que foi colonizado a centenas de anos atrás.
A Lei de Abuso de Autoridade surge em nossa época como uma medida contra a corrupção, o crime organizado e os crimes praticados com grave violência à pessoa.
O medo, a insegurança da população faz brotar por meio de seus representantes, leis como essa, que são na verdade uma resposta ao clamor de seus eleitores. Não deveríamos esquecer que no silencio de seus representantes o provo veio a rua propor através de iniciativa popular que ficou conhecido com “10 medidas contra a corrupção”. Muito apesar de parecer que o tema perdeu o seu condão, ainda sim, há expectativas positivas e negativas após a promulgação desta lei.
Segundo o texto aprovado, as condutas das autoridades serão consideradas crimes caso praticadas com a finalidade específica de prejudicar alguém ou beneficiar a si próprio ou a terceiro, assim como "mero capricho" ou satisfação pessoal. De acordo com a lei, qualquer agente público, servidor ou não, da administração direta, indireta ou fundacional de qualquer poder da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios estão sujeitos a responder por crimes de abuso de autoridade quando cometidos no exercícios de suas funções. Além da prisão, o projeto considera formas alternativas de penalidades aos crimes de abuso, como obrigação de indenizar o dano causado e a inabilitação para o exercício de cargo, mandato ou função pública de até cinco anos. A inabilitação ou a perda do cargo, no entanto, só serão aplicados em casos de reicidência em crime de abuso de autoridade. Outras penas substitutivas previstas pela lei são: prestação de serviços comunitários, suspensão do exercício do cargo por até seis meses com perda de remuneração.
Por assim dizer, a sociedade pode de certa maneira agora se sentir um pouco mais protegida quando tiver que acionar os serviços de um agente publico, pois este agora, talvez como sempre esteve, mas de uma maneira mais “clara” esta cercado de obrigações legais que o condicionam a agir no limite de sua competência. Espera-se agora que o cidadão de bem poderá contar com a “encarnação” da lei na pessoa de seu agente publico com a crença de que este traz vestidos em seu comportamento estritamente o que se espera de si. Isso é bom, é seguro!
É claro que sempre que se faz necessário punição daqueles que se excedem, o meio mais funcional de conter isso será a produção de novas leis, com mais recrudescimento, mais regras, impondo mais limites ao exercício de sua função. Se isso é bom? É indiscutível que nenhuma legislação nasce perfeita, muito menos as que amadurecem em um caminho histórico tão labiríntico. É possível, e mesmo necessário, que alguns dispositivos da lei tenham que ser submetidos a um teste de batimento à luz do texto constitucional. Todavia, a qualidade técnica da proposição aprovada é digna de destaque. A latitude da incidência da norma sujeita qualquer agente público ao seu escrutínio, do Presidente da República ao guarda de trânsito da esquina. Mas isso é bom?
Quem poderá responder a esta pergunta? Se colocamos nas mãos do cidadão que viu o agente público cometendo excessos para proteger a sua casa ao deter um criminoso que passava na frente de sua casa, talvez para este cidadão, este agente publico não seria um infrator da lei, mas sim um super-herói. Se por outro lado colocamos essa pergunta nas mãos de um cidadão que estava caminhando livremente em via publica, e de forma truculenta foi abordado pelo mesmo agente publico, para este cidadão esta lei é a resposta contra a impunidade frente ao excesso na ação dos agentes públicos. Difícil encontrar essa resposta.
Mas as questões trazidas, merecem também que sejam analisadas em seu caráter negativo. Claro que sim, pois este trabalho de pesquisa tem o condão de questionar e provocar a reflexão daquilo que se estuda.
Por mais que este trabalho seja produzido por um graduando em direito, um ponto merece observação pois produz um privilégio desproporcional aos advogados. Somente advogados terão uma prerrogativa que, quando violada, configura crime e só o advogado, quando se sentir com sua prerrogativa violada, poderá mover uma ação penal contra aquele que ele entender que violou algum direito seu”. Isso concede aos advogados um poder e uma proteção que não tem parâmetro ou equivalente dentro do modelo constitucional brasileiro. Torna-se ainda mais difícil a investigação de uma pessoa que possa estar em ilícito penal quando esta é um(a) advogado(a).
A Lei trazia dispositivos que foram imediatamente vetados pelo presidente da republica, e mantidos pelo congresso. Trazendo assim uma segurança para a população.
Hoje o agente publico continuará podendo usar as algemas quando for necessário, como já era previsto. Para muitos as algemas atenta contra os direitos humanos, mas este instrumento visa proteger ameaça de fuga ou risco à integridade física do próprio preso.
Foi mantido o veto ao trecho que punia policiais que executem a captura, prisão ou busca eapreensão de pessoa que não esteja em situação de flagrante delito ou sem ordem escrita de autoridade judiciária. Sem duvida este trecho trazia em si a força de intimidar os policiais, provocando nos mesmos o medo de serem policiais.
CONSIDERAÇÃOES FINAIS
O dano provocado pelo abuso de autoridade, pelo excesso de poder é a grande questão que visa o direito penal sanar. Não podemos esquecer do fato trágico que chocou todo o pais em 2 de Outubro de 2017, quando o então reitor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Luiz Carlos Cancellier, que se suicidara em um shopping de Florianópolis. Dezessete dias antes, Cancellier havia sido afastado da função pública que exercia e preso preventivamente por 30 horas no âmbito de uma operação da Polícia Federal que investigava supostos desvios em cursos de Educação à Distância oferecidos pela universidade.
No dia de sua prisão, a PF veiculou a notícia de que a operação desbaratara um suposto esquema de desvios de mais de R$ 80 milhões. A repercussão foi determinante para a decisão de Cancellier de tirar sua própria vida. Tempos depois, a própria Polícia Federal desmentiu a informação, já que tal valor se referia ao total dos repasses para o programa. Não havia qualquer elemento indiciário que envolvesse Cancellier no inquérito.
Os equívocos só foram admitidos extemporaneamente. Em um bilhete encontrado no bolso do suicida, um recado: "minha morte foi decretada no dia do meu afastamento da universidade"1.
A família do reitor apresentou representação junto ao Ministério da Justiça para que a divulgação errônea dos fatos fosse apurada. O irmão da vítima narra que, dois meses depois, a Polícia Federal respondeu que a publicação da notícia falsa seria indiferente já que “ninguém lê”2. A sindicância aberta contra a delegada responsável pelo caso foi estranhamente arquivada sem qualquer punição3.
O dano é sem nenhuma dúvida irreparável quando se observado em suas proporções.
São varias as questões que levam a tragédias como essa noticiada e outras muitas que não chegaram a virar noticia, mas uma que merece atenção especial, pois sem dúvida é a principal razão que deixa brechas a ser tampadas são as tentativas de definição dos excessos e abusos na ação dos agentes. Talvez esse seja o grande desafio do legislador.
O projeto, que apesar de ter no abuso de autoridade seu principal tema apresentava um pacote de medidas anticorrupção, originalmente apresentado à Câmara por iniciativa popular e defendido pelo Ministério Público, também transforma em crime o caixa dois eleitoral e a compra de votos. Aumenta, ainda, a pena para o crime de corrupção, tornando-o hediondo em alguns casos. A tramitação da criminalização do abuso de autoridade ganhou velocidade em meio ao vazamento dos supostos diálogos entre o então juiz e hoje ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, e procuradores da Lava Jato, entre eles o chefe da força-tarefa de Curitiba, Deltan Dallagnol. O conteúdo das supostas mensagens sugerem que o ex- juiz orientava os procuradores durante a operação, o que fere o princípio da imparcialidade e da equidistância entre as partes - acusação e defesa - do juiz.
Todavia em 2016, foi apresentado ao Congresso um projeto de lei idealizado pelo Ministério Público Federal e apresentado por meio de iniciativa popular que ficou conhecido como “10 medidas contra a corrupção”. O pacote recebeu mais de dois milhões de assinaturas de apoio. Os deputados, no entanto, desconfiguraram o texto - das dez medidas, apenas quatro foram mantidas - e incluíram nele a criminalização do abuso de autoridade de juízes e membros do Ministério Público, o que foi visto como uma reação da classe política à Lava Jato. Aprovado na Câmara no final de 2016, o projeto ficou parado no Senado até o ano de 2019.
À época, a iniciativa foi alvo de críticas associações de magistrados e de procuradores. As principais reclamações foram que o texto previa crimes de abuso de autoridade apenas para magistrados e membros do Ministério Público e deixava de fora os outros agentes públicos. Mas qual era o verdadeiro porquê disso estar sendo discutido nesse momento e por que está sendo discutido esse projeto, já que existia um projeto do senador Requião, que já estava na Câmara. Perguntas sem respostas...
A questão é que, no Brasil, virou a panaceia para todos os males e tem sido usado em todos os conflitos relacionais. Com a edição de uma Lei de Abuso de Autoridade e o encarceramento se pretende resolver questões da estrutura autoritária da sociedade brasileira.
A lógica de quem pensa o Direito Penal e o Sistema de Justiça para resolver problema de abuso de autoridade é a mesma de quem acredita que a violência somente se combate com violencia, ou seja, para acabar com um tipo de violência seria necessária uma violência maior de outro tipo. O Direito Penal vem sendo usado abusiva e indevidamente. De conflito no campo decorrente da estrutura fundiária, a conflitos de interesses decorrentes de relações de consumo ou exercício de necessidades fisiológicas em vias públicas onde inexiste banheiro público, ou o volume do som do vizinho, enfim, tudo tem sido submetido ao sistema de justiça penal. Além disto, impõe "punições não previstas em lei" como a estigmatização e a humilhação do acusado. É o ramo do Direito mais sujeito aos riscos de cometer injustiças irreparáveis, como o caso do reitor que mencionamos neste trabalho.
Ocorre que, não raramente, o Estado é o maior abusador das leis, e seus agentes, ao invés de se portarem como como "servidores" (que são) querem se postar como "senhores"(que não são) do cidadão, acreditando que as leis servem para os outros e não para eles mesmos, que seriam livres para agir como bem entenderem, não importa o que diga a lei.
A Lei do Abuso de Autoridade poderá não atingir quem incida nas ilegalidades que pretende evitar e seja protegido. Mas, poderá ser fundamento para perseguições a quem não atenda a interesses escusos, ainda que ao final se conclua pela improcedência do que abusivamente se acuse. As penas não estão somente nas sentenças, mas sobretudo nos processos a que são submetidos os "indesejáveis".
A lei de abuso de autoridade é temida por agente público que acredita que tem o direito de fazer o que quiser e como quiser, algo que só existe na cabeça deles (esse direito nunca existiu no mundo jurídico) pois todo agente público só pode fazer o que a lei permite, e portanto, não pode desrespeitar o que a lei manda.
Mas não se deve ignorar, que amordaçar através de mandamentos jurídicos aquele investido na função de dizer o direito, ou “pegar o ladrão”, colocando em seus calcanhares “âncoras” que pesam no seu convencimento, ou dardos apontados para o seu peito, o fazendo pensar duas ou dez vezes antes de tomar a decisão de proteger o cidadão de bem, poderá o fazer pensar muito antes de agir, quando em alguns momentos os segundos não lhes serão suficientes para decidir em aplicar a lei ou ferir a lei, o colocando assim na obrigação de proteger os seus (familiares) de terem os seus direitos prejudicados, tendo como alternativa mais viável ficar inerte ou mesmo silente ante a situação onde na qual deveria agir, ou ao menos dizer: “Parado, em nome da Lei! ”
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Lei Nº 4.898, de 09 de Dezembro de 1965. O Presidente da República, H. CASTELO BRANCO, faz saber que o Congresso Nacional decreta e ele sanciona a Lei que Regula o Direito de Representação e o processo de Responsabilidade Administrativa Civil e Penal, nos casos de abuso de autoridade. Brasília: Casa Civil, 1965. Disponível:<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4898.htm> (Acessado em 10/02/2020).
Dicionário jurídico. Disponível em: (https://www.sitesa.com.br/juridico/dicionarios/dicionario.html) (acesso em 10/02/2020.)
Diário Oficial da União. Disponível em: (https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?jornal=600&pagina=1&data=05/09/2019&totalArquivos=4) acesso em 29/03/2020.
FREITAS, Gilberto Passos de; FREITAS, Vladimir Passos de. Abuso de autoridade. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.
MOREIRA FILHO, Guaracy. Código Penal Comentado. 2a ed. São Paulo. Rideel. 2012.
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas: 2 ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007a.
Lei de Abuso de Autoridade. Disponível em: (https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13869.htm) acesso em 29/03/2020.
Notas
1 https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2017/10/1923630-reitor-da-ufsc- encontrado-morto-deixou-um-bilhete-no-bolso-da-calca.shtml (acesso em 31/03/2020.)
2 https://veja.abril.com.br/brasil/ele-se-sentiu-humilhado-e-impotente-diz- irmao-de-reitor-que-se-suicidou/ (acesso em 31/03/2020.)
3 https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/02/1954885-assessor-produziu- parecer-para-eximir-delegada-da-pf-em-sindicancia.shtml (acesso em 31/03/2020.)
Abstract: Studying about the limits of authority in Brazil is a subject that is still debated today in the Brazilian National Congress, a matter of extreme relevance because when you know the limits of the authority of the public agent, you will also know where the abuse of authority begins. The great debate of the moment is how to stop or make excesses of this agent equipped with public office in the legal exercise of his function. For some, countless measures must be taken immediately to prevent principles from being infringed, on the other hand, for others, if more limitations are created for the public agent, they would thus be placing him in a situation of legal insecurity for the proper legal exercise of his authority. profession / function. And it will be through what has already been consolidated by jurists and in the Law itself that this solution is found, and this work points out through these sources, how the public agent can remain faithful to the fulfillment of his legal duty serving society without the need to use abuse of authority and at the same time without having to establish even more limits so that it can fulfill this public office with excellence.