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O exercício da autotutela : os limites impostos à autoridade administrativa

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07/06/2020 às 16:00
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4  DA IMPORTÂNCIA DO LIMITE AO EXERCÍCIO DA AUTOTUTELA ANALISADA SOB O CASO CONCRETO

A fim de demonstrar a necessidade de aplicação dos limites ao exercício do poder-dever de autotutela inerente à atividade da Administração Pública e complementar o exame da matéria analisada, cita-se o Agravo em Recurso Especial nº 1.357.157/SP, que se encontra pendente de julgamento perante o Superior Tribunal de Justiça.

No caso concreto, a discussão é travada acerca da possibilidade do Procurador da Fazenda editar Nota Técnica desconstituindo acórdão proferido pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF em procedimento administrativo cuja própria Fazenda Nacional figurava como parte.

Em outras palavras, a Fazenda Nacional, órgão público integrante da administração direta e parte no procedimento administrativo que tramitou perante o CARF, por meio de seu Procurador, desprovido de poder atributivo – princípio da legalidade –, invalidou, anulou ato administrativo proveniente do CARF, órgão independente.

A título de esclarecimento, o Agravante do aludido recurso é sujeito passivo de dois lançamentos de Imposto de Renda de Pessoa Jurídica e Contribuição sobre o Lucro Líquido, efetuados pela Receita Federal, no âmbito de procedimento administrativo instaurado.

Em referido procedimento administrativo, foram promovidos os recursos cabíveis e, em seu curso regular, o Conselho de Contribuintes (atual CARF), julgando recurso interposto pelo Agravante contra a Fazenda Nacional, reconheceu a ilegitimidade passiva daquele para responder pelas multas aplicadas pela Receita Federal.

Após a publicação de tal decisão, a Fazenda interpôs embargos de declaração, os quais foram desprovidos e, em razão da ausência de interposição de recurso, operou-se, assim, a preclusão da decisão administrativa.

Destaca-se que a Fazenda não promoveu qualquer ação judicial contra a decisão administrativa, operando-se o trânsito em julgado daquela decisão.

Desta forma, diante da decisão administrativa transitada em julgado e apresentada a Declaração de Compensação, a mesma foi submetida a uma Comissão de Assuntos Tributários – CAT, presidida por Procurador da Fazenda – parte no procedimento administrativo perante o CARF –, por meio da qual se editou Nota Técnica desconstituindo acórdão proferido pelo CARF, em flagrante exercício ilegal de autotutela.

Como se vê, o Procurador Chefe, subscritor da aludida Nota, sem qualquer atribuição legal, anulou acórdão do CARF, editando ato administrativo ilegal e nulo na forma, nos moldes do que foi exposto ao longo do presente trabalho.

 A preclusão, mencionada como limitação ao exercício da autotutela no tópico anterior, como é óbvio, também foi totalmente desprezada no caso concreto em exame.

Nem se diga que a edição da Nota Técnica, além de violar os preceitos já mencionados, transgrediu também o devido processo legal, já que a decisão administrativa transitada em julgado, proferida pelo CARF, foi retirada do mundo jurídico pela própria parte interessada – Fazenda Nacional – não oportunizando a parte adversa o contraditório e a ampla defesa.

Aliás, nos autos do caso ora em análise, observa-se parecer da própria Fazenda Nacional que entende que o Tribunal Administrativo Fiscal:

é um órgão administrativo perante o qual não há instauração de um contencioso, com a garantia do contraditório e da ampla defesa, em paridade de armas, entre os contribuintes e a União que, ao final de  um rito procedimental, produz uma decisão na esfera administrativa acerca dos lançamentos tributários, insuscetível de revisão pelo  exercício da autotutela[10].

Por fim, destaca-se que, em caso análogo ao dos autos em destaque, o Superior Tribunal de Justiça, por meio do julgamento do Recurso Especial nº 1.218.417/SC, em voto de lavra do Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, frisou-se que “se cabia ou não recurso na esfera administrativa, a União, principal interessada em reverter a decisão, não fez uso do instrumento competente, de maneira que, ao que tudo indica, ambas as partes se conformaram com o julgado emanado pelo 1º. Conselho de Contribuinte”, de tal forma que a Fazenda Nacional deve se submeter à decisão administrativa do CARF transitada em julgado.

Desta forma, a partir das limitações elencadas no tópico anterior e da análise do caso concreto aqui exposto, não pairam quaisquer dúvidas acerca da necessidade de se impor e, sobretudo, de se respeitar, os limites impostos ao exercício da autotutela, a fim de que sejam assegurados princípios constitucionais amplamente protegidos pelo ordenamento jurídico, tais como a segurança jurídica, a legalidade e o devido processo legal.


5  CONCLUSÃO

A partir da análise dos conceitos apresentados, bem como das jurisprudências colacionadas, pode-se afirmar que a problematização a respeito dos limites impostos ao agente público para o exercício do poder-dever da autotutela administrativa liga-se diretamente à existência ou não da competência dada pela lei.

Apesar de ser um exercício inerente à atividade da Administração Pública, viu-se, ao longo do presente trabalho, que a norma jurídica que atribui a competência ao agente, ao mesmo tempo que habilita a sua atuação, também a limita.

Justamente por tratar-se de um poder-dever - ou seja, poder dado ao agente público e dever para com a coletividade, com o interesse público - é que deve ser adequado a outras normais legais.

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É preciso, portanto, limitar a atuação do agente público, já que o exercício irrestrito de tal atividade pode violar princípios protegidos constitucionalmente, bem como diretrizes basilares da função administrativa, quais sejam, em síntese, a legalidade, o devido processo legal, a ampla defesa, contraditório e a segurança jurídica, demonstradas cabalmente a partir do exame do caso concreto pendente de julgamento perante o Superior Tribunal de Justiça.


6  REFERÊNCIAS

ALEXANDRINO, Marcelo. Direito administrativo descomplicado. 25ª ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método: 2017;

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 15ª ed. Malheiros Editores.

CRETELLA JÚNIOR, José. Controle jurisdicional do ato administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 1997.

CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de direito administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 1997.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2003.

FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de direito administrativo. 2ª ed. Malheiros Editores.

GASPARINI, Diogenes.       Direito administrativo. 17ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 13ª ed. Revista dos Tribunais, 2018.

LAZZARINI, Álvaro. Estudos de direito administrativo: coordenação Yussef Cahali. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.

MAZZA, Alexandre. Manual de direito administrativo. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 16ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991.

MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo: parte introdutória, parte geral e parte especial. Rio de Janeiro: Forense, 2005.

OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2018.


Notas

[1][2] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 15ª edição. Malheiros Editores.

[3] CRATELLA JÚNIOR, José. Curso de direito administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 1997.

[4] GASPARINI, Diogenes. Direito administrativo. 17ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

[5] FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de direito administrativo. 2ª edição. Editora: Malheiros Editores.

[6] A Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revoga-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos.

[7] MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo: parte introdutória, parte geral e parte especial. Rio de Janeiro: Forense, 2005.

[8] Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.

[9] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 13ª ed. Revista dos Tribunais, 2018.

[10] Documento anexo.

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Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TOLEDO, Fernanda. O exercício da autotutela : os limites impostos à autoridade administrativa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6185, 7 jun. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/82712. Acesso em: 28 mar. 2024.

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