1.5 – A DEMOCRACIA COMO PARADIGMA PARA SUPERAÇÃO DEMOCRÁTICA DO ESTADO CONSTITUCIONAL.
O Estado que substituiria o Estado Constitucional Moderno, como Poder Público, deveria assegurar não só a igualdade de oportunidades entre os diferentes projetos de institucionalização democrática, mas também pautas mínimas de inclusão que tornem possível uma cidadania ativa e capaz de acompanhar, controlar e avaliar a importância e adequação de cada projeto. Estas pautas são necessárias para fazer da instabilidade institucional um âmbito de deliberação democrática.
Atualmente a instabilidade institucional é tratada como um fator de desequilíbrio do sistema político e, deste modo, produzindo freqüentes crises. O no Estado deverá poder transformar a instabilidade em espaços deliberativos democráticos. [46]
Uma teoria da Democracia para depois do Estado Constitucional Moderno não deve ser, pois, uma Pura Teoria da Democracia, mas sim um esforço por uma teoria livre e isenta de partidarismos.
Uma teoria democrática com essa característica será a mais entrosada com seu objetivo, pois a Democracia é procedimento, uma forma para enfrentar e resolver as diferenças de opiniões ou doutrinas na política. Não poderá ser acusada, portanto, com relação aos seus efeitos práticos, de ser uma teoria vazia. Estaria comprometida com a maioria da Sociedade de tal forma que os pouco ou nada democratas não irão gostar.
Mas justamente o recordar as altas exigências da Democracia como método, liberada da roupagem de classe ou confissão de nacionalidade, é o que deveria levar às políticas de todos tempos e lugares a adentrar no miolo democrático e assumir isso que é "forma" em sua integridade e com o mais substancial e renovado "conteúdo".
Hoje é mais conveniente para muitos identificar, no fundo, a Democracia com alguns valores e feitos determinados – com uma ideologia – para condenar como "não democrático" tudo que se afasta deles. Há motivo, portanto, para apontar a existência de uma Teoria Pós-Moderna da Democracia, vinculada à superação do combalido Estado Constitucional Democrático. [47]
No âmbito mundial está surgindo uma nova ordem política. E isto está provocando a necessidade de se re-fundar as bases que sustentam a atual ordem política mundial, com um apelo mais universalista e menos excludente.
Deve-se recordar que, para que a Democracia se esparja e possa se aprofundar, necessárias são pessoas que vivam os valores democráticos, que se tenham socializado e interiorizado na Democracia. [48] A Democracia não se limita ao voto, nem a alguns procedimentos para solucionar conflitos. É, principalmente, um talento cívico. E só pode nascer e consolidar-se desde um interior comprometido com a coletividade e a felicidade dos demais.
A Democracia, amparada por estes alicerces pós-modernos seria o principal procedimento para enfrentar e resolver as diferenças que surgirão com a nova realidade globalizada.
1.6 – RECORTES TEÓRICOS SOBRE A SUPERAÇÃO DEMOCRÁTICA DO ESTADO CONSTITUCIONAL.
Caso não se comece, imediatamente, a teorizar a superação do obsoleto e insuficiente Estado Constitucional Moderno, corre-se o risco de se ver sua progressiva substituição por um "Estado de Direito Privado", reduzido a um código de regras que se legitimam por seu bom funcionamento, mas que estão desprovidas de qualquer conotação humanitária. Impõem-se, assim, a racionalidade instrumental e a política como elemento gerencial. O político e o movimento político não serão valorados por suas capacidades de gerarem ideais ou de atuarem em conseqüência, mas sim por sua efetividade e rapidez para resolver problemas – ou aparentar resolvê-los de forma convincente – passando a ser um gerente da coisa pública e não um servidor da mesma.
A globalização implica, portanto, um certo nível, mesmo que mínimo, de governabilidade mundial. A ausência dessa estrutura política só acentuaria a decadência do político diante da cada vez mais crescente influência dos poderes econômicos. As empresas multinacionais ou transnacionais tendem a converter-se, deste modo, no eixo em torno do qual gira o destino dos seres humanos. Um destino no qual suas aspirações e necessidades ficam reféns dos interesses dos grandes grupos financeiros. Falar de globalização sem estas condições é não só prematuro, mas inclusive sarcástico. [49]
Para isso é preciso, em primeiro lugar, como aponta o cientista basco Gurutz Jáuregui, reformar e superar o atual sistema político espacial-territorial, a fim de que todos aqueles assuntos, cada vez mais numerosos e importantes, que escapam ao controle do Estado Constitucional Moderno, possam ser submetidos a controles democráticos efetivos. Em segundo lugar, é necessário repensar sobre o papel e a função reguladora das diversas agências globais e regionais que já existem, assim como a criação de novas estruturas e organizações. Por fim, é imprescindíveis reconsiderar a articulação e conexão das instituições políticas com os diferentes grupos, organizações, associações e agências de caráter internacional, a fim de gerar um sistema global compatível com os valores e as tradições democráticas. [50]
A era pós Estado Constitucional Moderno na que se está entrando poderia também ser qualificada como neo-imperial, na medida em que, como o Império Romano, sua "fronteira" já não é uma linha que divide um espaço e separa alguns homens – os que exercem a soberania e os que não exercem – mas sim uma margem indefinida. A plenitude de uma soberania não se choca, como no tempo do Estado Constitucional Moderno, com a plenitude de outra soberania do outro lado do rio. O mesmo movimento que tende a relativizar as fronteiras do mundo desenvolvido. Nenhuma fronteira será absoluta. [51]
Uma das questões fundamentais da orientação teórica e política do presente reside em ver se seria possível tolerar a idéia de uma sociedade carente de centro e se, caso positivo, se poderia perceber as condições para uma política democrática efetiva. Ou se, tendo-se em conta a situação geral do sistema de Sociedade Global, se acreditaria, ou se deveria, atribuir à política uma vez mais uma responsabilidade global que possivelmente poderia destruir seus limites atuais e os laboriosos procedimentos da formação da opinião democrática. [52]
É importante repetir o que António Manuel Espanha escreve sobre a nova estrutura estatal. A resposta ao padrão organizativo caracterizado pela generalidade, abstração e centralismo – de que o Estado Constitucional Moderno e o direito legalista ou conceitualista são um bom exemplo – estaria numa nova estrutura organizativa caracterizada: a) por uma arquitetura em rede, em que cada pólo fosse gerido autonomamente, tendo em conta todas as particularidades das situações; b) em que a flexibilidade e a adaptabilidade do conjunto fosse garantida pela inexistência de um pólo central; e c) e em que a comunicação fosse de um tipo novo, não baseada em modelos gerais e abstratos de informação, mas em discrições personalizadas, exaustivas e atentas às dimensões não puramente racionais das situações. É a isto que Toffler chama flex-organizations. [53]
Em contrapartida, um direito para o novo tipo de organização teria que prescindir da generalidade e da abstração. Teria que ser produzido "localmente", nas periferias que estão mais em contato com as situações a regular. Mas teria ainda que prescindir de características porventura mais profundas do nosso mundo jurídico, como o modelo de justiça adjudicatória (garantida por um terceiro, independente e neutro), fomentando formas de composição pactuada. Na verdade, a justiça "neutra" não considera uma parte muito importante das situações, o plano da emoção e da afetividade. Com isto, perde muita informação que seria indispensável para uma composição "amigável", que se desenvolve em contato com todos esses elementos não racionais, manteria uma informação suficientemente rica para garantir soluções adequadas ao caso concreto (e não, apenas, ao seu esqueleto conceitual, genérico, abstrato). [54]
A suposta inevitabilidade dos imperativos neoliberais afetaram de forma irreversível o âmbito e a forma do poder de regulação do Estado Constitucional Moderno. [55] Estas mudanças não supõem, sem dúvidas, uma volta ao passado, já que só um Estado pós-liberal pode desestabilizar a regulação pós-liberal. Esta desestabilização cria o anti-Estado dentro do próprio Estado. Estas transformações são tão profundas que, sob a mesma denominação de Estado, está surgindo uma nova forma de organização política, mais vasta que o Estado Constitucional Moderno. Uma organização integrada por um conjunto híbrido de fluxos, redes e organizações na qual se combinariam e interpenetrariam elementos estatais e não estatais, tanto nacionais, como locais e globais. Esta nova organização não teria centro e a coordenação do Poder Público funcionaria como imaginação de centro. A regulação social que surgiria desta nova forma política seria muito mais ampla e férrea que a regulação protagonizada pelo Estado Constitucional Moderno no período anterior, mas como também seria mais fragmentada e heterogênea tanto por suas fontes como por sua lógica, se confundiria facilmente com a desregulamentação social.
Como escreve Boaventura de Souza Santos, grande parte da nova regulação social seria produzida através da sub-contratação política, diferentes grupos e agentes que competem e que representam distintas concepções dos bens públicos e do interesse geral. [56]
Atualmente muitos autores já não se conformam com a mera exposição de temas voltados à superação democrática do Estado Constitucional Moderno. Começam a efetivamente propor novas teses, como é a defendida por Pierre Lévy, em favor de um Poder Público apoiado na ciberdemocracia, com alcance local, regional e mundial, transparente e a serviço da consciência coletiva e, em conseqüência, a favor da separação da cultura da esfera pública.
Uma nova forma de Poder Público estaria emergindo progressivamente, articulado com as novas condições de governabilidade (globalização, liberalização, informatização). Articulado também em nível global garantiria a diversidade cultural e transmitiria essa dinâmica coletiva da Sociedade às demais esferas. [57]
Desde logo é preciso dizer que uma utopia do Século XXI não poderá ser senão a descrição de uma Sociedade aberta e livre, mais aberta e livre que a Sociedade Moderna.
Como já assinalado, é muito provável a intensificação das discussões em torno de um Contrato Social Global para a satisfação das necessidades básicas, dirigido a suprimir as ilegítimas desigualdades sócio-econômicas entre classes, gêneros, etnias, regiões e nações. [58]
António Del Cabo e Gerardo Pisarello sugerem que deveria ser proposto um novo Contrato Social fundado na constatação de que a socialização da economia, produzida com o desenvolvimento da modernidade e sob os auspícios do Estado Constitucional Moderno, só foi conseguido às custas da "dessocialização" da natureza, o que conduziu os atores sociais mais relevantes – incluídas as organizações sindicais – a não perceberem, em alguns casos, os graves delitos ecológicos levados a efeito na esfera do trabalho e da produção. Mas, sobretudo, na evidência de que os sistemas sócio-econômicos humanos cresceram irracionalmente em relação à biosfera que os mantém, desencadeando a crise ecológica global e pondo em risco todos os habitantes do planeta. [59]
Os dois autores defendem que o contrato anterior deveria ser substituído pela efetiva adoção de um Contrato Social Global democrático, voltado para um novo regime político internacional.
Este processo deveria, evidentemente, culminar numa impostergável democratização da Organização das Nações Unidas, junto com uma reforma profunda de todos os objetivos da instituição e de seu Conselho de Segurança. Seria fundamental também a criação de um verdadeiro Parlamento Mundial, de uma Corte de Justiça independente e vinculante, assim como a mudança do Tribunal Penal Internacional para uma corte capaz de prevenir os genocídios e os crimes contra a humanidade, num sentido que permita superar os duplos critérios (internacional e nacional) e as limitações impostas pelas grandes potências, como atualmente existe. [60]
Por sorte ou por azar, está-se testemunhando uma série de mudanças no rumo da história, de notável envergadura. Assiste-se, por um lado, como conseqüência da revolução tecnológica e da mundialização da economia, a um processo de cosmopolitização inevitável da vida política, cultural e social. Querendo-se ou não, na época das comunicações via satélite, todos são forçados a se converterem em cidadãos do mundo. Os mesmos livros podem ser lidos em quase todos os lugares, se assiste aos mesmos espetáculos, se participa e se sofre por idênticos acontecimentos. As ações financeiras e econômicas de Tóquio repercutem imediatamente nas bolsas da América Latina e Europa. Os conflitos bélicos se projetam em Nova Iorque com a mesma intensidade que em Paris, Berlin ou Londres.
Está-se contemplando, como lógica e compreensível reação a esse processo, movimentos de descentralização a todos o níveis, que permitem a alguns teóricos mais afoitos falar de uma espécie de volta ao sistema feudal.
Por conta disso, proliferam nacionalismos beligerantes e aparecem extravagantes construções ideológicas de um municipalismo e de um localismo que, se no mundo feudal tiveram alguma justificativa, agora não passa de anacrônicos fenômenos de um tempo definitivamente convulsionado.
Pode-se dizer que todos estão condenados a desenvolver uma existência esquizofrênica em duas utopias antagônicas (a utopia da cosmopolitização e a utopia do localismo), que terminam gerando duas realidades contraditórias e excludentes: a realidade do uniformismo e da homogeneidade, própria do universalismo, e a realidade da diferenciação e da diversidade, própria do localismo o do neo-feudalismo.
Paralelamente presencia-se, na condição de expectadores privilegiados, o singular cataclismo das grandes concepções de mundo, que até poucos anos serviram para organizar política e ideologicamente a convivência de milhões de homens. A crise irremediável e definitiva dos paises do chamado socialismo real veio acompanhada da crise do Terceiro Mundo. O que significa que, se a utopia socialista fracassou, a velha utopia liberal, mesmo com o empenho contemporâneo de Friedman, Hayek, Kristal ou Fukuyama, também não prosperou.
Nestas circunstâncias, que se acaba de expor, vale falar de uma situação generalizada de crise. Nesses momentos, o mais importante é tomar conhecimento do que realmente está acontecendo e propor uma orientação intelectualmente conseqüente.
Não se deve incorrer na exposição banal de oferecer diagnósticos definitivos e soluções de urgência para um problema tão complexo. No vasto campo das discussões sobre este tema, é comum notar-se o fenômeno da simplificação arbitrária do que é complexo. Isto não passa de falsificar e mascarar a realidade, oferecer remédios e soluções falaciosas aos males oriundos da moribunda modernidade. Como sugere Feliz Tezanos, por todas as partes surgem vozes com vocação de redentores que, por ignorar a magnitude e o alcance de muitas das questões e problemas que discutem, encontram infantil e facilmente receitas milagrosas e fórmulas salvadora. [61]
Mesmo assim, não se deve incorrer no erro de complicar, de maneira improcedente, o problema, levando a análise para o outro extremo.
O que se trata não é de simplificar o complexo ou complicar arbitrariamente o simples. O que se deve, neste momento, é esclarecer que os problemas apontados determinam inúmeras inadequações nos clássicos conceitos de representação e legitimidade democrática, sendo a pretensão desse artigo apenas a de esclarecer, com os riscos que os conhecimentos dos autores permitam, as causas, o sentido e o alcance da crise presente das idéias de Estado Constitucional Moderno e de Democracia Representativa.
Um bom exemplo de abordagem equilibrada é a que faz Norbert Bilbeny, que em sua obra Política sin Estado [62] ensaia um ordenamento internacional democrático criticando a "razão de Estado". Segundo ele, num hipotético ordenamento mundial mudaria de escala, mas não de ordem estatal. Ou, em termos análogos, se continuaria recorrendo à "razão de Estado". Para Bilbeny, onde há "razão de Estado" prevalece a autocracia sobre a Democracia e o perigo de guerras sobre a garantia da paz. Mesmo Kant imaginou uma civitas gentium, ou união de povos da terra numa perspectiva de uma "federação da paz" e não de um auto-contraditório "Estado de povos". Por conseguinte, um ordenamento internacional de paz não é um Estado mundial, mas sim uma ordem política na qual, a exemplo do Estado Constitucional Moderno, se invocam normas e se recorre à coação, com a diferença de que não se justifica nenhuma ação com o falso argumento da "razão de Estado", o maior fato consumado da política que se tem notícia.
Com tudo e com isto, não se está aqui defendendo a súbita abolição de qualquer tipo Estado, ou sua gradual extinção, como propuseram anarquistas e marxistas, respectivamente, mas sim sua lógica e previsível superação desde que se cumpra, basicamente, a condição de desenvolvimento democrático. [63] Só depois disso é que o Estado Constitucional Moderno poderia ser superado tanto por escala, quanto por ordem e forma específica. Do ponto de vista democrático, o Estado Constitucional Moderno é uma forma incompleta e transitória do ordenamento político em geral, que adotou, nos últimos dois séculos, outros modelos de organização, mas que foram espécies do mesmo gênero, como o de Bem Estar, Providência, Social, Liberal e Neo-Liberal.
Mesmo a despeito do que foi trazido à colação sobre um ordenamento internacional de paz e apesar do estatalismo mostrar sérios sinais de exaustão, essa proposta se aloja no longínquo país abstração. Assim acontece com quase tudo que tem relação com a razão prática, que não obstante, seria o único mensageiro de paz possível, tanto na ética como na política.
Um ordenamento internacional de paz não forma parte, em princípio, do gênero de utopias de predição. Mas também não pertence às utopias de intenção. Ambos gêneros de utopia representam, de um modo ou de outro, um conteúdo positivo, propiciado, no primeiro caso, por um suposto saber teórico ou especulativo e no segundo por um decidido interesse prático ou moral. São utopias, assim, substantivas.
Um ordenamento internacional de paz não é uma utopia nos moldes das figuras míticas da "Nova Atlântida" ou da "Cidade do Sol". Trata-se de um conceito extraído do conceito de Democracia, como já ressaltado, que é um conceito formal: a existência de uma condição política tal que permita a paz por acordos e por maioria. A utopia dela derivada – uma ordem mundial que ultrapasse o Estado Constitucional Moderno – é, igualmente, formal.
A utopia de um ordenamento internacional que indicaria o "não lugar" e o "ainda não" de uma política que detém os meios necessários para a discussão política. Estes meios seria a negação à guerra, e a negação ao argumento da "razão de Estado", próprios de um ordenamento democrático desenvolvido. E esta idéia que a razão permitiu pensar, a mesma razão não impede que seja tomada ao mesmo tempo como um ideal e que sua realização chegue a constituir o objetivo de um interesse prático. [64]
Um ordenamento internacional de paz representaria o último passo em direção ao desenvolvimento racional de ordenamento político democrático. As condições atuais, tanto políticas quanto econômicas, sociais e culturais, assim o impõem.
Vê-se assim que o nascimento de uma Sociedade política mundial resultaria de processo vital de crescimento em que o trabalho das instituições oficiais e privadas, interessadas em qualquer modalidade de aproximação e colaboração internacional, acharia seu lugar, mas o papel essencial seria desempenhado pela vontade das pessoas de cada nação de viverem juntas no mundo, ou seja, por uma vontade bastante poderosa para varrer os obstáculos criados pelo mito dos estados soberanos ou pelos prejuízos dos governos ou pelos obstáculos criados pelo próprio povo, originados pela infelicidade, pela lentidão da razão e pelo egoísmo natural.
Ao mesmo tempo pode-se compreender que a independência das nações não correria perigo, muito pelo contrário, seria melhor garantida pela criação de uma Sociedade política mundial. Os estados renunciariam à corroída Soberania Moderna, o que na verdade nunca tiveram. Renunciariam à sua plena independência, ou seja, a algo que já perderam. Teriam que abandonar algo que ainda possuem, mas cujo uso se mostrou mais prejudicial do que proveitoso às nações, ao mundo e a eles mesmos, ou seja, a capacidade que cada um deles tem de gozar de uma independência que nenhuma autoridade superior controla.
Como já escrevera Jacques Maritain, sem dúvidas, em sua interdependência mútua, as nações poderiam chegar a um grau de independência real, ainda que imperfeita, mais elevado do que o que possuem atualmente, pelo fato de que sua vida política interior, liberada da ameaça da guerra e da interferência das nações rivais, poderia, na realidade, chegar a ser mais autônoma do que jamais foi. [65]
Como isto poderia ser feito é tarefa para os pensadores atais. A situação de hoje é ainda mais dramática, pois a globalização, que não estava na pauta mais imediata de Maritain e seus contemporâneos, insere discussões que vão desde a economia até o meio ambiente, passando por temas de interesse regionais e locais.