A Emenda Constitucional n.º 45/04, ao alterar o art. 114 do Texto Maior, trouxe diversas inovações no que tange à competência da Justiça Laboral.
Em conseqüência, inúmeras discussões estão sendo travadas a respeito dessa nova competência.
Algumas questões, como demandas decorrentes de acidente de trabalho e ações de indenização por dano moral derivadas de relação de emprego, já foram suprimidas.
Todavia, a interpretação da expressão "relação de trabalho" é, hoje, tema de constante debate entre os juristas.
Com efeito, diversos profissionais, que não atuam na área trabalhista, se vêem obrigados a operar nessa Justiça Especializada, pois muitos processos distribuídos originariamente na Justiça Comum estão sendo redistribuídos à Justiça do Trabalho, pela negativa de competência dos juízes estaduais.
Obviamente que o propósito da Emenda n.º 45 não foi o de provocar o "inchamento" da Justiça Laboral, mas tão somente o de criar mecanismos que possibilitem o direcionamento de alguns processos a uma justiça especializada, mais habituada a solucionar os conflitos entre trabalhadores e patrões.
Infelizmente, porém, não é o que está ocorrendo, já que a abrangência da expressão utilizada no inciso I está levando muitos magistrados a qualificar específicas e diferenciadas relações como decorrentes de trabalho.
De acordo com o art. 442 da CLT, a relação de trabalho é aquela decorrente da prestação de trabalho entre uma pessoa natural e outra pessoa, seja também natural ou jurídica.
Exemplificativamente, seria possível caracterizar uma ação de cancelamento de protesto ajuizada por uma empresa em face de outra pessoa jurídica, prestadora de serviços de fornecimento de mão-de-obra (terceirização), como decorrente de "relação de trabalho"?
Entendemos que não. Embora a questão de fundo (protesto indevido de duplicata) seja decorrente da execução do contrato de terceirização de mão-de-obra, não há que se falar em relação de trabalho, mas simplesmente de relação comercial.
Outro não foi o entendimento da 19ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, ao julgar a questão objeto do exemplo supra (Agravo de Instrumento n.º 7050912-7), sob o fundamento de que não é possível caracterizar relação de trabalho entre pessoas jurídicas.
Caso diverso seria aquele em que um empregado da prestadora de serviços ingressasse em Juízo para reclamar eventuais direitos, incluindo, no pólo passivo da ação, a empresa tomadora dos serviços. Em tal hipótese, resta evidente a competência da Justiça do Trabalho para apreciação e julgamento do feito.
Outrossim, diversos processos que versam sobre cobrança de anuidades, propostos por conselhos de classe (CRQ, CRM, etc.) em face de empresas também estão sendo redirecionados à Justiça Obreira.
Veja o exemplo de uma empresa atuante na área de combustíveis, que possui diversas bases operacionais apenas para distribuição, sem que haja fabricação de qualquer produto.
Nesse caso, o ponto crucial da demanda seria qualificar como química ou não a atividade desenvolvida pela empresa, para determinar se haveria ou não a necessidade de um funcionário químico em suas dependências. Não se trata de fiscalização de relação de trabalho, atividade conferida essencialmente ao Poder Público, mas tão somente do regular exercício da fiscalização de determinada atividade pelo seu Conselho.
Em tal contexto, eis o teor de decisão proferida recentemente em execução fiscal movida por conselho de classe em face de pessoa jurídica:
"As atribuições dos órgãos autônomos de fiscalização se restringem, única e exclusivamente, aos aspectos decorrentes do exercício de determinada atividade profissional legalmente regulamentada, não se estendendo o poder de polícia, à eventual relação de trabalho oriunda da atividade profissional fiscalizada. Assim, carecendo de atribuição legal para fiscalizar relações de trabalho, as penalidades aplicadas pelos órgãos autônomos de fiscalização não estão sujeitas à competência da Justiça do Trabalho, mas sim da Justiça Federal"
Percebe-se, portanto, que a interpretação da expressão "relação de trabalho" pode conduzir a caminhos bens distintos.
Tal situação está levando diversas empresas a interporem Recursos, visando manter processos na Justiça Comum, erroneamente remetidos à Justiça do Trabalho pela interpretação do magistrado quanto à eventual existência de relação de trabalho entre as partes.
Preocupada com a situação, a AJUFE – Associação dos Juízes Federais do Brasil propôs Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN nº 3395), visando a declaração de inconstitucionalidade do inciso I do art. 114 da CF, alterado pela Emenda Constitucional nº 45, sustentando vício formal nesta última, por ter suprimido do final do inciso trecho incluído pelo Senado Federal.
Dessa forma, segundo a referida associação, o inciso I do art. 114 deveria ter a seguinte redação:
"Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: I - as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, EXCETO OS SERVIDORES OCUPANTES DE CARGOS CRIADOS POR LEI, DE PROVIMENTO EFETIVO OU EM COMISSÃO, INCLUÍDAS AS AUTARQUIAS E FUNDAÇÕES PÚBLICAS DOS REFERIDOS ENTES DA FEDERAÇÃO".
O Ministro Relator CEZAR PELUSO concedeu a liminar requerida, com efeitos "ex tunc", com o fito de suspender qualquer interpretação da expressão "relação de trabalho".
Referida decisão certamente evitará eventuais interpretações errôneas acerca da nova competência conferida à Justiça Laboral, até o julgamento final do feito.
Porém, independente da manutenção ou revogação da liminar, é necessário que as dúvidas quanto à expressão sejam dirimidas, determinando-se quais feitos serão, definitivamente, julgados pela Justiça Laboral, baseando-se nos princípios que a norteiam.
Conclui-se, portanto, que ao ampliar a competência da Justiça do Trabalho, a Emenda Constitucional nº 45/04 buscou dirigir questões que necessitassem de julgamento por uma Justiça mais especializada, como no caso das demandas relativas à relação de trabalho. Todavia, uma interpretação genérica e errônea em alguns casos que, na verdade, não estão relacionados diretamente à relação de trabalho, poderá, infelizmente, conduzir ao "inchamento" da Justiça Laboral, a qual sempre foi prezada pela celeridade na proteção do labor.