Da (não) vedação de Recurso Adesivo nos Juizados Especiais e o Princípio da Celeridade Processual

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A jurisprudência majoritária não tem admitido Recurso Adesivo nos Juizados Especiais, contudo o presente estudo tem por propósito desnudar os argumentos que vêm sustentando essa resistência, quais sejam: falta de previsão legal e celeridade processual.

Não se ignora que a posição majoritária da jurisprudência não tem admitido o aviamento de Recurso Adesivo em sede de Juizado Especial, contudo o presente estudo tem por propósito desnudar os argumentos que vêm sustentando essa resistência dos nossos pretórios, quais sejam: a falta de previsão legal e a celeridade processual.

Malgrado inexistir previsão legal da possibilidade de interposição de Recurso Adesivo no microssistema do Juizado Especial, igualmente não existe qualquer vedação legal quanto ao seu cabimento. Sequer o Princípio da Taxatividade (que pauta a Teoria Geral dos Recursos e estabelece que são considerados recursos apenas aqueles expressamente previstos em Lei) serve como argumento para impedir sua admissibilidade, na medida em que o Recurso Adesivo que é permitido no procedimento comum igualmente não está previsto na Lei Adjetiva Civil como recurso.

Tanto o art. 496 do Código de Processo Civil revogado (que vigia quando da entrada em vigor das Leis nº 9.099/95 e 10.259/2001) [1] quanto o art. 994 do Código em vigor não preveem o Recurso Adesivo como uma modalidade autônoma de recurso. Dizia o art. 496 do CPC revogado:

CPC DE 1973 (REVOGADO)

"Art. 496. São cabíveis os seguintes recursos: 

I - apelação;

II - agravo; 

III - embargos infringentes;

IV - embargos de declaração;

V - recurso ordinário;

Vl - recurso especial; 

Vll - recurso extraordinário; 

VIII - embargos de divergência em recurso especial e em recurso extraordinário."

Já o dispositivo em vigor estabelece o seguinte:

CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

"Art. 994. São cabíveis os seguintes recursos:

I - apelação;

II - agravo de instrumento;

III - agravo interno;

IV - embargos de declaração;

V - recurso ordinário;

VI - recurso especial;

VII - recurso extraordinário;

VIII - agravo em recurso especial ou extraordinário;

IX - embargos de divergência."

Logo, em que pese seja chamado de “recurso”, o Recurso Adesivo não possui natureza jurídica de recurso, uma vez que não se trata de uma irresignação autônoma (como o são aqueles elencados no art. 994 do CPC); depende da provocação da parte adversa, possuindo portanto uma natureza incidental e – como diz o nome – adesiva. É, portanto, subordinado ao recurso interposto pela outra parte, conforme estabelece a literalidade do §2º do art. 997 do Código de Processo Civil (grifo ausente no original):

CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

“Art. 997. Cada parte interporá o recurso independentemente, no prazo e com observância das exigências legais.

(...)

§ 2º O RECURSO ADESIVO FICA SUBORDINADO ao recurso independente, sendo-lhe aplicáveis as mesmas regras deste quanto aos requisitos de admissibilidade e julgamento no tribunal, salvo disposição legal diversa, observado, ainda, o seguinte:”

Portanto, a falta de previsão legal expressa não constitui argumento suficiente para obstaculizar a admissão do Recurso Adesivo, tendo em vista inclusive a subsidiariedade do Código de Processo Civil em relação às Leis nº 9.099/95 e 10.259/2001. Ademais, se um dos princípios norteadores dos Juizados Especiais é exatamente a informalidade, é de absoluto contrassenso exigir formalidade de modo seletivo. Nas palavras do Juiz Federal Agapito Machado [2]:

 “(...) em face da inexistência de regulamentação própria nas Leis 10.259/02 [sic] e 9.099/95, o recurso adesivo sendo uma forma de adesão, não precisa estar elencado na lei específica, bastando a previsão do recurso principal. Ademais, o recurso adesivo atende à agilidade processual, na medida em que desestimula a interposição de recursos simultâneos”.

Nesse sentido, trazemos excerto de acórdão de lavra do Dr. Gilberto Pereira de Oliveira, relator do Recurso nº 0010865-39.2002.8.07.0003 da 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, sobre o reiterado argumento de inexistência de previsão legal quanto ao cabimento do Recurso Adesivo em sede de Juizado Especial:

“(...) Não comungo desse entendimento. O recurso adesivo não é espécie de recurso diverso daqueles existentes, mas fenômeno processual excepcional em que se admite que a parte também sucumbente, utilizando-se do prazo para responder, interponha recurso da mesma natureza daquele interposto pela outra e que acompanhará a sorte do principal. A adesão não lhe confere caráter de recurso autônomo e, pois, dispensa previsão legal específica, podendo-se, nitidamente, neste caso, utilizar-se o Código de Processo Civil subsidiariamente. (...)”

Além da alegada falta de previsão legal, outro argumento que tem sustentado essa resistência à aceitação do Recurso Adesivo em sede de Juizado Especial é a tese de que o mesmo feriria o Princípio da Celeridade Processual. Tal alegação não resiste a uma ligeira observação do cotidiano, pois na prática do dia a dia a inadmissão do Recurso Adesivo denuncia um efeito absolutamente contrário ao pretendido, estimulando a parte que, mesmo contente com o resultado da demanda, interponha recurso.

Vejamos um caso hipotético onde o Autor de uma demanda no Juizado Especial se vê satisfeito com a sentença, ainda que não tenha sido na exata extensão dos pedidos iniciais. No afã de dar um tratamento mais célere ao processo, resigna-se e opta por não recorrer da parte em que decaiu. Contudo, caso a parte adversa recorra, a pretendida celeridade desaparece instantaneamente, pois o recurso será processado e analisado pelo segundo grau e, portanto, a entrega final da solução do litígio será automaticamente postergada, exatamente em decorrência do Recurso interposto pela parte adversa.

O Recurso Adesivo, portanto, visa justamente evitar que ambas as partes recorram, mas para tal desiderato é necessário que um dos litigantes intua que a outra não recorrerá. E apenas o Recurso Adesivo pode entregar isso. Logo, o Recurso Inominado na forma adesiva é uma das ferramentas que melhor homenageia o Princípio da Celeridade Processual, pois visa refrear a interposição de recursos por quaisquer das partes. Não é outro o entendimento de Cândido Rangel Dinamarco [3], quando sustenta que

“Os objetivos do recurso adesivo coadunam-se muito harmoniosamente com os da criação do processo especialíssimo dos juizados, onde o zelo pela terminação rápida do serviço jurisdicional se situa entre as preocupações centrais. Faz parte do espírito conciliatório que aqui se alvitra essa atitude do litigante que, atendido em parte quanto à pretensão sustentada em juízo, prefere não recorrer e só recorrerá se o fizer o adversário. Por isso, também no processo dos juizados especiais é admissível o recurso adesivo, embora não se tenha aqui o recurso de apelação mas o inominado, uma vez que os objetivos práticos deste coincide com os daquela.”

Portanto, a admissão do Recurso Adesivo não apenas não interfere no quesito celeridade processual (muito pelo contrário) como tem o condão de entregar um melhor resultado ao jurisdicionado. O Tribunal de Justiça do Distrito Federal já se debruçou sobre a temática, admitindo a propositura de Recurso Adesivo em sede de Juizado Especial, conforme se vê da seguinte ementa cujo destaque é nosso:

“CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. DANO MORAL. OCORRÊNCIA. RECURSO ADESIVO. CABIMENTO. 1) O recurso adesivo não é meio de impugnação autônomo, a reclamar previsão legal específica, podendo e devendo ser admitido em sede de Juizados Especiais. 2) É grave a culpa do fornecedor que lança, indevidamente, o nome do consumidor em cadastros restritivos de crédito quando as prestações foram pagas antes mesmo do vencimento. 3) O valor das indenizações nos Juizados Especiais devem guardar, tanto quanto puderem, semelhança com aquelas fixadas pelo Juízo Comum, sob pena de se desprestigiar quem busca a Justiça do Povo. (Recurso nº 20020310108655 ACJ - 0010865-39.2002.8.07.0003 - Res. 65 CNJ - 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal. Relator: Gilberto Pereira de Oliveira, julgado em 25/02/2003. Publicado no DJU seção 3 em 19/05/2003, pág. 48).

Vale trazer à baila outro trecho do acórdão de lavra do Relator Gilberto Pereira de Oliveira no que toca à falsa premissa de que o Recurso Adesivo ofenderia a celeridade processual, in verbis:

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“(...) O recurso adesivo, portanto, corrige dois males a um só tempo: funciona como mecanismo para incentivar o conformismo das partes com a decisão e evita penalizar aquela que se resignou com a sentença, mas viu a outra interpor recurso, solitariamente. (...)”

E aquele magistrado não está sozinho. Nesse mesmo diapasão, o Juiz Federal Elmo Gomes de Souza inclusive cita em sua decisão que conheceu Recurso Adesivo em sede de Juizado Especial (processo nº 0000102-60.2015.4.02.5155 do 1º Juizado Especial Federal de Nova Friburgo/RJ) que outros tantos doutrinadores de grande envergadura igualmente reconhecem a admissibilidade do Recurso Adesivo em sede de Juizados Especiais, como Joel Dias Figueira Júnior, Fredie Didier Júnior e Leonardo Carneiro da Cunha. Estes últimos assim defendem a admissibilidade de Recurso Adesivo em sede de Juizado Especial:

“Não se tem admitido recurso inominado (Juizados Especiais) adesivo (...). Esse entendimento não é correto. Parte-se da falsa premissa de que o recurso adesivo é instituto que atenta contra a razoável duração do processo, o que é exatamente o contrário. O recurso adesivo é técnica que conspira em favor da duração razoável do processo. O órgão recursal irá examinar, a um só tempo, mais de uma pretensão recursal. Ademais, o recurso adesivo estimula a ausência de recurso.” [4]

Logo, como o Recurso Inominado em sua forma adesiva não configura espécie diversa daquela existente, constituindo-se em mera e efetiva faculdade da parte também sucumbente – mas em um primeiro momento resignada com seu parcial decaimento – em tentar aumentar o espectro da decisão que lhe foi procedente em parte, não se observa qualquer vedação legal ao seu cabimento. E no que diz respeito à celeridade processual, a prática nos mostra que de fato se trata de expediente que tem em seu espírito o desestímulo ao recurso, em absoluta sintonia e homenagem ao indigitado princípio.

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NOTAS:

[1] Que regulam os Juizados Especiais Cíveis e Criminais nos âmbitos Estadual e Federal, respectivamente.

[2] MACHADO, Agapito. “Recurso Adesivo nos Juizados”. Disponível em https://portal.trf1.jus.br/lumis/portal/file/fileDownload.jsp?fileId=2C90824A3AD12A68013AD1C12EA548A4. Acesso em 05.jun.2020.

[3] DINAMARCO, Cândido Rangel. Manual dos Juizados Cíveis. São Paulo: Malheiros, 2001.

[4] DIDIER JÚNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. “Curso de Direito Processual Civil” – vol. 3. 17ª edição revista, atualizada e ampliada. Salvador: Jus Podivm, 2020.

 

BIBLIOGRAFIA

BRASIL. Constituição Federal de 1988.

BRASIL. Código de Processo Civil, Lei nº 5.869/1973.

BRASIL. Código de Processo Civil, Lei nº 13.105/2015.

BRASIL. Código Civil, Lei nº 10.406/2002.

BRASIL. Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, Lei nº 9.099/95.

BRASIL. Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais Federais, Lei nº 10.259/2001.

DIDIER JÚNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. “Curso de Direito Processual Civil” – vol. 3. 17ª edição revista, atualizada e ampliada. Salvador: Jus Podivm, 2020.

FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. “Manual dos Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais”. São Paulo: RT, 2006.

MACHADO, Agapito. “Recurso Adesivo nos Juizados”. Disponível em https://portal.trf1.jus.br/lumis/portal/file/fileDownload.jsp?fileId=2C90824A3AD12A68013AD1C12EA548A4. Acesso em 05.jun.2020.

DINAMARCO, Cândido Rangel. “Manual dos Juizados Cíveis”. São Paulo: Malheiros, 2001.

EMYGDIO, Vinícius Marques Rosa. “A interposição de Recurso Adesivo no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis”. Disponível em <http://www.abdpc.org.br/abdpc/artigos/Vinicius%20Emygdio-%20vers%C3%A3o%20final.pdf> Acesso em 05.jun.2020.

MOREIRA, José Carlos Barbosa. “O novo processo civil brasileiro: exposição sistemática do procedimento”. Ed. Ver. E atual. Rio de Janeiro, Forense, 2005.

SILVA, Wesley Ricardo Bento da. O recurso adesivo nos Juizados EspeciaisRevista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8n. 1481 dez. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4556. Acesso em: 4 jun. 2020.

Sobre o autor
Eduardo Antônio Kremer Martins

Advogado inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, seccional do Rio Grande do Sul, sob o nº 65.587. Possui escritório profissional em Porto Alegre, na Rua da República nº 305, sala 404, concentrando suas atividades na Capital do Estado e Região Metropolitana, atuando de maneira consultiva e no contencioso judicial. É Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e pós-graduado em Direito Processual Civil pela Universidade Castelo Branco do Rio de Janeiro (UCB). Colabora como articulista em diversos veículos jurídicos, como os saites Espaço Vital, Jus Vigilantibus, Universo Jurídico, Jurid Publicações Eletrônicas, Artigos, A Priori, Artigonal, Só Artigos, Web Artigos, Portal Jurídico Investidura e os periódicos Seleções Jurídicas e o informativo semanal Consultoria Trabalhista, ambos publicados pela COAD. www.eduardomartins.adv.br [email protected]

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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