A literatura jurídica em prol do Direito da Criança e do Adolescente traz pontuais reflexões acerca das prementes inovações legislativas que desafiam o segmento, no mesmo passo em que os apontamentos jurisprudenciais se cristalizam, e vão alinhavando os procedimentos processuais, na perspectiva do razoável e mínimo possível, a fim de agregar as novas posturas sociais, neste tocante. Constata-se, não obstante, que esse fenômeno da recepção de novas práticas e comportamentos humanos, que repercutem sensivelmente para o ordenamento jurídico, têm se arrastado pelo descaso legislativo e, por isso, o ativismo judicial exsurge como uma realidade, pelas súmulas do Superior Tribunal de Justiça, sem embargo das resoluções do Conselho Nacional de Justiça.
Reconheça-se, por consequência, que há pontos e temáticas nos procedimentos processuais das Varas da Infância e Juventude que ainda geram inquietações, expressivas discussões, pela insegurança jurídica das partes, naquilo que se tem adotado, enquanto prática, por meio das decisões judiciais. Dentre esses assuntos, que desafiam repaginações, reestudos, melhor análise da jurisprudência, para sedimentação, alguns serão permeados, a título de reflexão e ampliação do debate.
A) A idade como fator delimitador da competência das Varas da Infância e Juventude
A idade, enquanto fator delimitador para se estabelecer as competências nas Varas da Infância e Juventude, é uma realidade, em que pese a ausência de unificação entre os demais parâmetros, neste sentido. O Estatuto da Criança e do Adolescente adota o critério etário (art. 2º, da Lei 8.069-90),[1] diferentemente do Código Penal que adota o critério biopsicológico (art. 26, do Código Penal),[2] onde se analisa a capacidade psicológica da pessoa maior para responder por crime ou receber medida de segurança. Deste modo, a Legislação Estatutária, que não adotou critério biopsicológico, mas apenas etário, estabelece que criança é o ser situado na faixa etária de 0 (zero) a 12 anos incompletos. Adolescente é aquele situado na faixa etária de 12 anos e menos de 18 anos. Por isso, a criança que porventura cometa infrações, a exemplo de homicídio, não deve ser representada e julgada em processo pelo Tribunal do Júri, mas apenas receberá uma medida protetiva.
A ausência de padronização etária em algumas normativas, a exemplo do Código Civil em relação ao Estatuto da Criança e do Adolescente, sem embargo do Código Penal, o Estatuto do Idoso, além de legislações esparsas, deixam as partes e advogados à mercê de constantes equívocos, neste lado. A pessoa, por exemplo, que é absolutamente incapaz, na faixa de idade inferior a 16 anos, na legislação civil, é contemplada enquanto adolescente, numa faixa de 12 e menos de 18 anos na Lei 8.069-90.
Em análise prefacial, exalte-se que a legislação menorista ou estatutária deverá ser aplicada apenas às crianças e aos adolescentes, mas abrange, todavia, nalgumas circunstâncias, faixas etárias superiores. As controvérsias, neste particular, se ampliaram a partir do novo Código Civil de 2002, que reduziu a maioridade civil de 21 (vinte e um) anos para 18 (dezoito) anos, gerando a antinomia com a legislação menorista que aplica, excepcionalmente, o seu conteúdo, às pessoas entre 18 (dezoito) e 21 (vinte e um) anos. (art. 2º, parágrafo único, da Lei 8.069-90).[3]
Sobre as controvérsias da aplicação, ou não, da Legislação estatutária às pessoas maiores, na esfera cível ou infracional, mormente a partir da redução da maioridade civil para 18 (dezoito) anos, no Código Civil de 2002 depara-se com três correntes doutrinárias que debatem a questão. A primeira corrente, majoritária, defende o posicionamento, para aplicação, de forma excepcional, do Estatuto da Criança e do Adolescente para os maiores, em sintonia com o art. 121, § 5º, da Lei 8.069-90. A segunda corrente defende a inaplicabilidade da Lei menorista para os maiores, em sua vertente civil, sob o argumento de haver sido derrogado o parágrafo único do art. 2º, da Lei 8.069-90, com o novo Código civil de 2002, que reduziu a maioridade civil para 18 (dezoito) anos. No tocante à vertente infracional, essa Corrente não se opõe que infratores que estejam cumprindo a medida socioeducativa de internação, permaneçam, nesta condição, até os 21 (vinte e um) anos de idade, quando serão postos imediatamente em liberdade. (art. 121, § 5º, da Lei 8.069-90). A terceira corrente pugna pela não aplicação do parágrafo único do art. 2º, da Lei 8.069-90, sob argumento de que a maioridade civil foi reduzida para 18 (dezoito) anos, no Código Civil de 2002.
O aparente conflito entre a norma especial, que é o Estatuto da Criança e do Adolescente em face da norma geral, que é o Código Civil, inclusive quando aquele é anterior a esse, necessita ser analisado com melhor vagar, amiúde em sintonia com a lição do princípio da especialidade, que traz norteamentos no sentido de que a norma especial excepcionaliza a norma geral (art. 12, do Código Penal),[4] e, em cotejo com a Lei de Introdução às normas do Direito Brasileira (art. 2º, § 2º, do Decreto-Lei nº4.657-42).[5] Há que se refletir, também, neste contexto, que o Estatuto da Criança e do Adolescente, enquanto norma regulamentadora da proteção integral, não poderia estar contemplando pessoas maiores, ou seja, além da faixa etária de crianças e adolescentes, consoante se vê dos adotandos maiores, que já se encontram sob a guarda ou tutela dos adotantes. (art. 40, da Lei 8.069-90).[6]
No tocante à extensão da Legislação Estatutária para maiores, no âmbito infracional, depara-se, também com uma fuga da finalidade precípua do Estatuto da Criança e do Adolescente, já que, voltado às pessoas em desenvolvimento ou em período de formação, que necessitam da proteção integral do Estado e de toda a sociedade. Insta registrar, neste contexto da competência absoluta ratione personae pela faixa etária, que o adolescente que participa da prática de ações criminosas com pessoas maiores, em coautoria ou participação, responderá pelo delito, após o desmembramento do feito, nas varas da infância e juventude, haja vista a competência exclusiva dessas para apreciação e julgamento das infrações, equiparadas a condutas criminais, praticadas por adolescentes.
Impõe acentuar, no tocante à extensão de abrangência da legislação menorista para a faixa etária até os 21 (vinte e um anos), que os aspectos didáticos e pedagógicos da Legislação estatutária perdem seus efeitos, neste contexto. Tanto assim se dá que, constata-se o procedimento do SINASE, em relação aos cumprimentos de medida socioeducativa, trazendo orientação opcional ao Juiz, para extinção do processo de execução da medida socioeducativa, quando verificar, durante o cumprimento dessa, que o adolescente completou 18 (dezoito) anos e passou a responder simultaneamente por ações penais, em decorrência dos crimes praticados. (art. 46, § 1º, da Lei 12.594-12).[7] Nota-se, portanto, que a penalidade que esse jovem irá receber nas Varas Criminais, termina por expor as medidas socioeducativas a um plano de irrelevância, haja vista que estarão esvaziadas em suas funções didático-pedagógicas.
Deve-se analisar, também, neste contexto etário, os efeitos gerados pela emancipação, à partir dos 16 (dezesseis) anos. Assinale, pois, que essas repercussões se dão exclusivamente na esfera civil, na medida em que, em alusão às possíveis práticas infracionais, equiparadas a crimes, enquanto o emancipado não atingir a maioridade penal, estará respondendo por essas.
De modo que as discussões prosseguem, nesta vertente, por falta de uniformização etária e de pacificação pela jurisprudência dos Tribunais Superiores, até que o legislador possa retificar essas dualidades.
B) As medidas de internação provisória, internação-sanção, internação na sentença de mérito
No rol de medidas socioeducativas constante da Legislação menorista, afigura-se a internação que, consideradas as proporções, produz algum reflexo daquilo que é a prisão, na Legislação criminal. Em sintonia com o princípio da brevidade e excepcionalidade, o lapso temporal das internações não são previamente estipulados, mas apenas fixados por parâmetros de limites mínimo e máximo, a exemplo do que se vê da projeção mínima de 06 (meses) e máxima de 03 anos. Ressalte-se, pois, que, no cumprimento dessas, há um procedimento de reavaliação semestral, por meio das equipes de fiscalização e controle, que poderá produzir reflexos para progressão da medida.
Neste contexto das internações, as controvérsias maiores se afiguram em relação à internação provisória, costumeiramente pleiteada pelo Delegado de Polícia ou pelo Ministério Público, cuja custódia provisória poderá dar-se excepcionalmente na fase pré-processual (Enunciado nº 02, FONAJUV),[8] uma vez que, segundo a legislação estatutária, a fase oportuna será após o devido processo legal, (art. 122, § 1º, da Lei 8.069-90),[9] quando o juiz, verificando a presença dos indícios de autoria e materialidade, já recebeu a representação e, após determinou a notificação do representado para apresentar a sua defesa e comparecer em audiência de representação.
Insta anotar que, dentre os requisitos para concessão da internação provisória, se afiguram, dentre outros, tratar-se da prática de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência contra a pessoa. Cite-se, além dessa circunstância, os casos de reiterações na prática de outras infrações graves. Além dessas circunstâncias, outras comumente são levantadas, a exemplo dos argumentos para evitar destruição de indícios, provas; impedir a fuga do investigado do distrito da ressocialização, dentre outros. Registre-se, enfim, que a legislação estipula o prazo dessa segregação em, no máximo, 45 (quarenta e cinco) dias (art. 108, da Lei 8.069-90).[10]
Nota-se, não obstante, que, de acordo com a realidade fática das comarcas, suas estruturas investigativas, dos seus órgãos de internação, depara-se sempre com algum adolescente que representa risco, perigo, para reiteração de novas infrações e, diante do acúmulo de serviços, pautas de audiência lotadas, dificilmente em 45 dias, a instrução do feito será alcançada para ratificação da custódia provisória, ou aplicação de outra medida. Haverá, em decorrência, a soltura do ressocializando, antes de concluída a instrução. Esse infrator, após, dificilmente será localizado, ocasionando, deste modo, a frustração do trabalho inicial, em sede de Delegacia e, após no Poder Judiciário. Remanescendo ao juiz apenas o recurso de expedir mandados de busca e apreensão, até a caracterização da prescrição da pretensão executória ou pretensão ressocializadora do Estado. Isso quando antes não restar caracterizada a prescrição etária, pela maioridade penal, ou, noutra circunstância, não se obtém notícias da morte do infrator. Esse é o quadro desafiador que enseja alterações prementes.
Constata-se, desta forma, decisões nas Varas da Infância e Juventude prorrogando, por igual período, a internação provisória, até por uma questão de segurança, afastando da sociedade o infrator, de alta periculosidade, com expressiva certidão de antecedentes, refratário à ressocialização e reintegração, que, desde cedo, está nos trilhos das práticas infracionais graves (art. 174, da Lei 8.069-90),[11] enfim, não assimilando as medidas didático-pedagógicas que lhes foram aplicadas em outros processos. Aliás, cabe realçar que essas decisões de custódia provisória são executadas imediatamente, ou seja, os recursos interpostos não desafiam efeito suspensivo, exatamente pela ineficácia que geraria, diante de prazo tão exíguo.
Apesar das controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais; das restrições materiais e quadro reduzido de servidores nas Varas da Infância e Juventude, observa-se dispositivos e manifesto do Conselho Nacional de Justiça contrários à prorrogação da custódia provisória, além dos 45 (quarenta e cinco) dias de internação. (arts. 108[12] e 183[13] do ECA e art. 16, § 2°, da Res. CNJ n. 165/2012).[14]
Uma juíza de primeiro grau, na comarca de Frei Paulo, Sergipe, prorrogou a internação provisória do adolescente por mais 45 (quarenta e cinco) dias, no processo de nº 201468090053, sob argumento da alta periculosidade do adolescente. O Tribunal de Justiça Sergipano manteve a prorrogação (Habeas Corpus nº 201400318207). O Superior Tribunal de Justiça também (Habeas nº Corpus 304200) e, por fim, o Supremo Tribunal Federal (Habeas Corpus nº 124.813), sendo que, na medida em que os autos foram para o Relator no STF, o adolescente já tinha mais de 120 (cento e vinte) dias internado provisoriamente, e mesmo assim, sob a justificativa de que o processo já estava na sua fase final, o ministro Relator não reconheceu o constrangimento ilegal no caso e manteve a privação do adolescente.
Grife-se que a responsabilidade pela observância do prazo de internação provisória é do juiz que a decretou (art. 16, § 1°, da Resolução nº 165-12 do CNJ). Findo o prazo de 45 dias ou determinada a liberação antes de expirado o prazo, caberá ao magistrado comunicar a decisão ao órgão gestor e também ao juízo fiscalizador, dando-se baixa na guia de internação provisória no CNACL (art. 17 da Resolução nº 165-12 do CNJ).
No tocante ao local e à forma do cumprimento da internação, a regra é que essa medida socioeducativa não pode ser cumprida em estabelecimento prisional. Caso inexista na Comarca unidade educacional adequada, deve o adolescente ser transferido para localidade mais próxima. Excepcionalmente, é possível a permanência em repartição policial pelo prazo máximo de 05 (cinco) dias, apenas para viabilizar a remoção. (art. 123, da Lei 8.069-90).[15] Com essa prática, busca-se evitar a convivência em ambiente que não contribua para a recuperação dos adolescentes.
Restando evidenciado que o Órgão de Internação, ou seja, o Centro de Atendimento Socioeducativo-CASE, não dispõe de vaga, o adolescente deve ser colocado em liberdade até a existência daquela, revogando-se a custódia cautelar. (art. 185, § 1º, 2º, da Lei 8.069-90).[16]
A internação-sanção, noutra parte, com lapso temporal de até 03 (três) meses, é autorizada apenas na fase processual, para os casos de adolescente, que durante o transcurso do processo, em descumprimento à ordem judicial, continua reiterando, de forma injustificável, a prática de outras infrações, além de deixar de comparecer aos atos processuais, quando intimado, gerando tumulto e procrastinação nas ações. Observa-se da parte de alguns magistrados, a utilização desses parâmetros, por analogia, para os casos de prorrogação das custódias provisórias. (art. 122, III, § 1º, da Lei 8.069-90).[17]
A internação, enquanto medida socioeducativa resultante da decisão final de mérito no processo (art. 122, da Lei 8.069-90),[18] terá um prazo máximo de duração de 03 (três) anos. (art. 121, da Lei 8.069-90).[19] Note-se que, com avaliações periódicas, a cada 06 (seis) meses (art. 19, § 1º, da Lei 8.069-90),[20] dificilmente, o reeducando cumpre esse período integral. A maioria dessas internações, havendo bom comportamento do infrator, e revelado progresso em sua conduta moral, será concedida a progressão para medida mais branda.
C) A prescrição da pretensão ressocializadora e executória
Ouve-se da parte de muitos juristas o posicionamento de como tratar de prescrição nos feitos infracionais das Varas da Infância e Juventude, quando os seus prazos são exíguos, por consequência dos princípios da brevidade e excepcionalidade, com o propósito de acompanhar pessoas em período de formação, assegurando a esses a proteção integral. (art. 227, da CF-88),[21]
Há que se notar que o Estatuto da Criança e do Adolescente traz procedimentos próprios, mas adota, de forma subsidiária, os regramentos do Código Penal e Processo Penal, naquilo que não conflitar com a norma especial (art. 226, da Lei 8.069-90).[22] Assim, o instituto da prescrição da pretensão executória da medida socioeducativa e, antes, a prescrição da pretensão ressocializadora são aplicados, nesta seara, inclusive com algumas peculiaridades.
Os prazos prescricionais, portanto, serão contabilizados pela metade, quando tratar de pessoas com idade inferior a 21 (vinte e um) anos. (art. 115, do Código Penal).[23] Para dissipar a questão, do reconhecimento ou não da prescrição nos feitos da Varas da Infância e Juventude, já se tem a súmula nº 338 do STJ,[24] determinando a aplicação das regras penais de prescrição em relação às medidas socioeducativas.
Adotando os parâmetros da legislação penal, naquilo que for possível, contabiliza-se o máximo de tempo da medida socioeducativa em abstrato, que é de 03 (três) anos (art. 121, § 3º, da Lei 8.069-90), para os casos da prescrição da pretensão ressocializadora. E, de outro lado, o tempo estimado em concreto em cada medida socioeducativa aplicada (art. 109, do Código Penal),[25] no tocante à prescrição da pretensão executória.
Neste contexto prescricional, além de não se ignorar a contabilização do tempo pela metade, e de tomar por parâmetro o referencial do dia dos fatos, até a presente data no processo, analisando o lapso temporal transcorrido, é indispensável analisar se dos autos há algum evento para suspensão ou interrupção desse efeito prescricional, a exemplo do recebimento da representação.
Cabe observar, nesta seara prescricional, três circunstâncias distintas. A primeira hipótese, no tocante às medidas socioeducativas de advertência e a de obrigação de reparar o dano, que se encontram desvinculadas de lapsos temporais. A segunda hipótese, a medida socioeducativa sem termo final, ou seja, sem lapso determinado. A terceira hipótese, a medida socioeducativa com termo final, isto é, como prazo especificado, incluindo nesta situação aquela em que a sentença estabelece um período mínimo.
Na primeira hipótese, em que o cumprimento da medida gera o seu exaurimento instantâneo, ou seja, não se protrai no tempo, a prescrição deve ser declarada em um ano e meio, que é o atual menor lapso do Código Penal (inciso VI, do artigo 109), sem embargo da redução pela metade do lapso temporal (art. 115, do Código Penal).
Na segunda hipótese, em que o prazo da medida socioeducativa é indeterminado, a prescrição será mensurada em três anos, que é o teto da internação (artigo 121, § 3º, da Lei nº 8.069/90), e, portanto, operar-se-á em quatro anos (art. 109, IV, e art. 115, ambos do Código Penal).
Na terceira hipótese, na qual há lapso certo ou fixação de um limite mínimo, a prescrição será calculada sobre o respectivo montante temporal e, por conseguinte, poderá ocorrer em um ano e meio, em dois ou em quatro anos (art. 109, VI, V ou IV e art. 115, ambos do Código Penal).
Anote-se, a propósito, que a indeterminação abstrata de prazo máximo para a medida socioeducativa de liberdade assistida (art. 118, § 2º, da Lei nº 8.069/90), não impede a incidência da prescrição, pois a alteração do lapso (ou do mínimo estipulado na sentença) estará condicionada a evento futuro e incerto.
Tem-se ainda, que não se pode estender para a medida de liberdade assistida, com prazo mínimo de seis meses, o mesmo lapso prescribente que se destina aos atos infracionais de natureza grave, aos quais a internação é reservada, pois o juízo de reprovabilidade da conduta, definido pelo legislador penal, deve ser sopesado, sob pena de emprestar-se tratamento igualitário a situações significativamente diferentes.
De forma inovadora, o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo-SINASE traz a opção de reconhecimento da prescrição ressocializadora ou da pretensão executória da medida (art. 46, § 1º, da Lei n.º 12.594/2012), havendo prática criminal do infrator, respectivamente, em fase pré-processual ou em fase processual. Reforça com essas medidas, a finalidade didática e pedagógica da Legislação Estatutária menorista, pois o infrator que irá responder a penalidades graves, severas, em ações criminais, esvazia o aspecto didático e pedagógico das medidas socioeducativas.
D) Remissão e sursis processual e da pena – análises comparativas
As Varas da Infância e Juventude nas jurisdições do País se apresentam em número reduzido, haja vista que, em inúmeras Comarcas, as ações de suas competências são acumulada em outras varas, a exemplo das Varas de Família em relação aos feitos cíveis daquelas; e Varas Criminais, em relação aos feitos infracionais daquelas. Difícil compreender essa concomitância de ritos tão peculiares e específicos das Varas da Infância e Juventude, que caminham ao lado de ritos comuns das Varas de Família e Criminais. Certamente, atropelando os parâmetros indispensáveis de princípios, como a proteção integral, brevidade, excepcionalidade e caráter preferencial, que regem os feitos das Varas Estatutárias Menoristas.
Decerto que, com o passar do tempo, o Legislador estatutário constatou que os feitos infracionais se acumularam nas Varas da Infância e Juventude, por falta de estruturas, servidores, magistrados e boa vontade dos Tribunais Estaduais, sem embargo dos municípios dispensando a colaboração material necessária para estruturação física de órgãos e departamentos voltados ao ideal funcionamento. (art. 145, da Lei 8.069-90).[26]
Neste lado, portanto, de mecanismos para desafogar as prateleiras das Varas da Infância e Juventude, e evitar acúmulos de serviços, constata a remissão pura e simples (art. 126, da Lei nº 8.069-72),[27] como forma de exclusão do processo, ofertada pelo Ministério Público, na fase pré-processual, a partir apenas de indícios de autoria ou materialidade (art. 114, da Lei 8.069-72),[28] em relação a uma conduta infracional de menor gravidade, que poderia assoberbar de serviços as serventias, estrangular pautas de audiências, agenda de magistrados e do Ministério Público, a ser dedicada, com maior empenho, em relação aos feitos de infrações graves e de maior repercussão.
A remissão, também, poderá ser proposta pelo Ministério Público, de forma cumulativa com outras medidas socioeducativas, a exemplo da advertência, prestação de serviços à comunidade e liberdade assistida, suspendendo o processo até o cumprimento da medida aplicada. Aqui, nestas hipóteses, verifica-se algo assemelhado ao sursis processual, aplicado nos juizados especiais criminais, (art. 89, da Lei 9.099-95),[29] após a proposta de transação penal feita pelo Ministério Público, nos crimes de menor potencial ofensivo, mediante o cumprimento de uma pena alternativa, a exemplo do recolhimento de cestas básicas a determinada instituição. Neste contexto, porém, não se pode confundir o sursis da pena (art. 77, do CP),[30] aplicado em alguns processos das Varas Criminais, quando o réu preenche determinados requisitos, a exemplo de bons antecedentes, comportamento social, ocupação profissional, oportunidade em que, sob determinadas condições, a execução da pena será suspensa, até o cumprimento das exigências alternativas impostas nos autos.
E) Do sistema recursal, prazos, efeitos, e preparo
No tocante à sistematização recursal, o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê, expressamente, que será adotado o sistema do Código de Processo Civil, com algumas adaptações. (art. 198, da Lei 8.069-90). Mas, de início, já traz o norteamento do princípio da preferência, no julgamento desses, e a dispensa do revisor. (art. 198, III, da Lei 8.069-90).[31]
Os prazos para interposição dos recursos, com o advento do novo Código de Processo Civil, foram unificados para 15 (quinze) dias. Há exceções, no tocante ao lapso temporal dos embargos de declaração, que permaneceu em 05 (cinco) dias (art. 1003, § 5º, do CPC).[32] O Recurso Inominado das decisões de mérito nos Juizados Especiais cíveis que é de 10 (dez) dias (art. 41, da Lei 9.099-95). Os Embargos Infringentes de Alçada interpostos contra sentença em Execuções Fiscais com valor de até 50 OTN (art. 34, § 2º, da Lei 6830/80 – Lei de Execuções Fiscais), cujo prazo também é de 10 (dez) dias.
Nas Varas da Infância e Juventude, não obstante, o prazo para interposição e resposta da apelação e demais recursos será de 10 (dez) dias com exceção dos embargos de declaração, que será de 05 (cinco) dias. Acresça-se a esse aspecto, a restrição ao privilégio dos prazos em dobro, que agora será de apenas 10 (dez) dias para o Ministério Público, Fazendas Públicas, Defensorias Públicas, Litisconsortes com advogados diferentes, e Professores-Advogados de Núcleo de Práticas Jurídicas das Faculdades de Direito e demais advogados atuantes na defesa. (art. 198, II, da Lei 8.069-90).[33]
Em alusão aos efeitos que serão recebidos os recursos, a regra geral será no efeito devolutivo, haja vista a execução imediata da maioria das decisões ou sentenças, em sintonia com o princípio da brevidade e excepcionalidade. Grife-se, no entanto, que os recursos contra algumas sentenças, a exemplo da adoção internacional e daquelas onde houver perigo de dano irreparável ou de difícil reparação, poderão ser recebidos nos efeitos devolutivo e suspensivo. (art. 199-A, da Lei 12.010-09).[34] Aliás, cabe anotar que a nova Lei de Adoção (Lei 12.010-09) revogou os incisos IV, V e VI, do art. 198. Nesses dispositivos havia a previa a previsão de recebimento dos recursos contra as decisões das Varas da Infância e Juventude apenas no seu efeito devolutivo.
As decisões prolatadas nos feitos infracionais, aplicando medidas socioeducativas, apesar da interposição de recursos, poderão ser executadas provisoriamente, salvo nos casos quando confirmar a internação provisória. (STJ: RHC 65.368).
Tratando do juízo de admissibilidade e do juízo de retratação, há que se pontuar algumas diferenças entre os referidos institutos. O estatuto da criança e do adolescente, que adota como referencial genérico o sistema recursal do Código de Processo Civil de 2015, possui as suas especificidades e, neste lado, ressalte-se, não exerce do juízo de admissibilidade, adotado na sistemática processual civil (art. 1010, § 3º, do CPC),[35], mas apenas o juízo de retratação. Note-se, desta forma, que o próprio juiz poderá reformar a sua sentença ou decisão, no caso, respectivamente, de apelação ou do instrumento de agravo, no prazo de 05 (cinco) dias, antes de determinar a remessa dos autos à superior instância, por meio de despacho fundamentado. (art. 198, VII, da Lei 8.069-90).[36] Impende anotar que, no caso de manutenção da decisão apelada ou agravada, o escrivão remeterá os autos ou o instrumento à superior instância dentro de 24 (vinte quatro) horas. Caso haja a reforma da decisão, a remessa dos autos dependerá de pedido expresso da parte interessada ou do Ministério Público, no prazo de 05 (cinco) dias, contados da intimação. (art. 198, VIII, da Lei 8.069-90).[37]
O preparo recursal é dispensado (art. 198, I, da Lei 8.069-90),[38] e, de igual modo, as custas processuais dos autos que tramitam perante as Varas da Infância e Juventude, envolvendo menores e adolescentes, na condição de autores ou réus, salvo os casos de litigância de má-fe. Anote-se que essas benesses não são extensivas a terceiros que ingressarem no processo. A isenção das custas, neste particular, tem por objetivo assegurar a acessibilidade à Justiça. (art. 141, § 2º, da Lei 8.069-90).[39] Acentue-se, nesta seara recursal, que aplica-se subsidiariamente aos feitos das Varas da Infância e Juventude, os procedimentos dos Códigos Processuais (art. 152, da Lei 8.069-90),[40] a exemplo do sistema recursal da legislação processual civil, inclusive no tocante às execuções das medidas socioeducativas (art. 198, da Lei 8.069-90).[41]
Pondere-se, em linhas derradeiras, acerca da possibilidade de renúncia ao direito do adolescente recorrer ou não contra sentença, cujo manifesto deverá vir de forma expressa. Apesar da previsão legal de renúncia recursal (art. 190, § 2º, da Lei 8.069-90),[42] há inúmeras controvérsias doutrinárias, mormente no sentido de se tratar de norma inconstitucional, na medida em que estaria cerceando a amplitude do direito de defesa da parte.
As inovações legislativas nos procedimentos das Varas da Infância e Juventude se afiguram, no silogismo natural de evolução dos comportamentos e posturas das pessoas na sociedade. Caberá ao Legislador e, na sua ausência, a jurisprudência, assimilar essas novas relações que, de algum modo, repercutem no ordenamento jurídico, para que o suprimento de lacunas de normas não se torne prática comum, antes da praxe de aplicação da legislação vigente aos casos postos em juízo.