Abandono afetivo: A responsabilidade civil dos pais pelo desamor.

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23/06/2020 às 00:39
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O conceito de abandono afetivo, o posicionamento doutrinário e jurisprudencial, as consequências para os filhos, trazendo a análise de hipóteses em que houve indenização por danos morais nas relações familiares em caso de comprovação do abandono.

RESUMO

Considerando a valorização jurídica da afetividade entre os membros da entidade familiar, o presente trabalho tem por objetivo central verificar a possibilidade se imputar uma obrigação de indenizar, em face do abandono afetivo, no âmbito das relações familiares. Nessa perspectiva, pretende-se, por meio de técnica bibliográfica e jurisprudência, apresentar a evolução do conceito de família, a responsabilidade civil dos pais, suas características e aplicação. E, por fim, tendo em vista a crescente demanda nos tribunais, discutir o conceito de abandono afetivo, o posicionamento doutrinário e jurisprudencial, as consequências para os filhos, trazendo a análise de hipóteses em que houve indenização por danos morais nas relações familiares em caso de comprovação do abandono. Além disso, serão analisados os critérios de fixação da indenização, refletindo, sobretudo, em relação aos pontos positivos e negativos de tal forma de reparação para sanar o conflito familiar.

PALAVRAS-CHAVE: Afetividade. Abandono afetivo. Responsabilidade Civil. Indenização por danos morais nas relações familiares.

ABSTRACT

Considering the juridical valuation of affection among the members of the family entity, the main objective of this paper is to verify the possibility of imputing an obligation to indemnify, in the face of emotional abandonment, within the scope of family relationships. In this perspective, it is intended, through bibliographic technique and jurisprudence, to present the evolution of the concept of family, the civil liability of parents, its characteristics and application. And, finally, in view of the growing demand in the courts, discuss the concept of emotional abandonment, the doctrinal and jurisprudential positioning, the consequences for the children, bringing the analysis of hypotheses in which there was indemnity for moral damages in family relationships in case evidence of abandonment. In addition, the criteria for setting the indemnity will be analyzed, reflecting, above all, in relation to the positive and negative points of such form of reparation to resolve the family conflict.

KEYWORDS: Affectivity. Affective abandonment. Civil responsability. Indemnity for moral damages in family relationships.

1 INTRODUÇÃO

A família moderna passa por grandes transformações com a valorização do afeto entre seus membros e a diminuição da influência da religião e do Estado.

Desta forma, as relações familiares são consideradas socioafetivas, uma vez que faz a junção do fato social e da afetividade como princípio normativo.

Em razão da Constituição de 1988, que trouxe como princípio basilar o princípio da dignidade humana, desencadeou-se uma série de alterações no Direito de Família, como por exemplo, o vínculo afetivo e biológico entre pais e filhos.

Contudo, surge a possibilidade de reparação ao dano moral sofrido pela criança e/ou adolescente causado pelo Abandono Afetivo que nada mais é que a atitude omissiva de um dos genitores no cumprimento da responsabilidade gerada pelo poder familiar.

A jurisprudência nos traz o entendimento de que é devida indenização por danos morais de tal prática de ato ilícito, tendo em vista o prejuízo moral/material gerado ao menor.  Além disso, o STJ, também já reconhece em alguns julgados, o Abandono Afetivo e o dever de reparar os prejuízos morais causados pela prática do ato.

No entanto, observa-se que a prática do Abandono Afetivo gera apenas reparação de cunho pecuniário e não nos traz outras medidas para reparar os danos causados e impedir que surjam novos danos, além de não se preocupar com o restabelecimento da relação familiar rompida.

Diante desse cenário, pergunta-se: O Abandono Afetivo deve gerar o dever de indenizar dos genitores? Pode-se dizer que a indenização por Abandono Afetivo é eficaz para a resolução do conflito na relação familiar? Qual seria o critério utilizado para fixação da indenização?

Portanto, o presente ensaio tem como objetivo principal analisar do Direito de Família contemporâneo e seus reflexos no Direito Civil e observando a relevância do tema, o aprofunda-se na Responsabilidade Civil dos pais no Abandono Afetivo dos filhos, consequentemente, uma análise do instituto do abandono afetivo, análise da fixação da indenização e outros possíveis institutos jurídicos para sanar os conflitos familiares atrelados a indenização.

A metodologia utilizada será baseada em pesquisas bibliográficas de livros, artigos jurídicos, legislação nacional, jurisprudência e legislação específica sobre o tema. É uma metodologia descritiva, fazendo observação do que já foi abordado sobre a temática. Qualitativa, tendo em vista observação pessoal construída a partir desse fenômeno. Analítica por apenas fazer uma análise dos fenômenos já existentes sem intervenção.

                                                                                       

2 A FAMÍLIA

Em outros tempos, no período em que a economia doméstica se concentrava na zona rural, família era mais ampla, abrangendo os parentes em linha reta e colateral.  Entretanto, com a evolução da indústria e a migração para os centros urbanos em busca de emprego, a família foi sendo reduzida, resumindo-se aos pais e filhos.

A família tem proteção especial do Estado, tendo em vista a importância para estrutura da sociedade, visando o fortalecimento de sua instituição política, conforme observado no art. 226, caput, da Constituição Federal, in verbis: “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”[1].

Nesse sentido, Friedrich Engels que ressalta a importância da família na estrutura da sociedade, pois ela é produto do sistema social e refletirá o estado de cultura desse sistema. [2]

A família extensa envolve todas as pessoas ligadas pelo vínculo de sangue provindo de um tronco ancestral comum.

Pode-se citar a família stricto sensu, ou seja, em sentido mais restrito, bem atual, que compreende aos grupos formados por pais e filhos, compreendendo os consanguíneos em linha reta e os colaterais sucessíveis até quarto grau.

No Código Civil de 1916, a família brasileira era matrimonializada, nascida do casamento válido e eficaz, sendo que qualquer outro modelo era denominado concubinato, equivalente a União Estável nos dias atuais.

Portanto, com a consolidação da Constituição de 1988, foram surgindo distintos modelos familiares, perdendo essa característica marginal de concubinato, como por exemplo, a união estável e a família monocrática, adequando-se a novas necessidades humanas construídas pela sociedade atual, onde a família matrimonial, patriarcal, hierarquizada cedeu lugar para uma família pluralizada com base na afetividade com caráter instrumental.

A união estável, não se encontra em um patamar “inferior” ou “superior” de entidade familiar em relação ao casamento. Trata-se de mais uma opção a ser tomada, embora possa ser convertida em casamento, conforme disposto no art. 226, §3º da CF/88, in verbis: “para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento” [3].

A família monoparental surge como mais um modelo de entidade familiar, sobressaindo à liberdade e maior autonomia da mulher abandonando a idéia de dominação da esposa pelo marido. Advinda da liberdade com que as pessoas constituem e desfazem suas relações afetivas, como por exemplo, as uniões desfeitas pelo divórcio, a separação judicial, o abandono, a morte, a dissolução de união estável, decorrente de adoção unilateral ou pela opção de pais e mães na criação de criação de seus filhos de forma isolada de seu outro genitor, tratada pela Constituição Federal em seu art. 226,§4º “entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”[4].

De forma inversa ao Código Civil de 1916 que se baseava na patrimonialização e matrimonialização, a Constituição Federal de 1988, baseia-se no desenvolvimento da pessoa humana entre eles os princípios gerais de amparo familiar, com a proteção na igualdade dos direitos dos filhos independente de sua origem advinda do casamento, união estável, da monoparentalidade ou da adoção. É importante ressaltar, o reconhecimento da paridade entre os cônjuges, além da estável convivência entre homem e mulher ou pessoas do mesmo sexo.

Sendo assim, a família em um conceito moderno, é a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, podendo originar do casamento civil, união estável e da monoparentalidade. Em outras palavras, trata-se de uma família pluralizada, democrática, igualitária, hetero ou homoparental, biológica ou socioafetiva, construída com base na afetividade e de caráter instrumental. [5]

Dessa forma, observa-se que a família passou por um grande processo de transição do patriarcalismo a afetividade, fundada na convivência entre as pessoas e reciprocidade de sentimentos. 

2.1 O Poder Familiar

O poder familiar se define como o exercício da proteção e cuidado dos pais com os filhos, tendo em vista a absoluta dependência no nascimento, uma vez que precisam ser alimentados e educados, contribuindo na boa estruturação intelectual e psíquica dos infantes, reduzindo essa intensidade na medida do seu crescimento até atingirem a maioridade civil ou através da emancipação pelos pais ou pelo juiz no caso de tutela e para tanto ouvido com a anuência do tutor conforme disposto no art. 5º, parágrafo único do Código Civil.

Conforme determinado pelo artigo 21 do ECA e pelo artigo 1.631 do Código Civil, o poder familiar deve ser exercido pelos pais e somente poderá ser exercido de forma exclusiva, na falta ou impedimento do outro, ou se entre eles houver divergência, podendo qualquer um deles recorrer ao juiz para solucionar esse litígio.

Com o divórcio dos pais, o guardião chama para si as decisões imediatas e no que tange as decisões de maior relevância fica para serem decididos juntos, quando há um bom diálogo entre o casal separado. Em situações onde não é possível essa boa comunicação entre os genitores, poderá acarretar frustrações afetivas no infante, prejudicando o seu desenvolvimento psíquico, gerando a prática da Síndrome da Alienação Parental[6] e, consequentemente, o Abandono Afetivo.

                                                                                          

2.2 Extinção, suspensão e perda do Poder Familiar

           

A extinção do poder familiar, de acordo com o Código Civil em seu art. 1.635[7], se dá com a morte dos pais ou filho (inc. I), pela emancipação (inc. II), pela maioridade (inc. III), pela adoção (inciso IV) e por decisão judicial (inc. V), na forma do artigo 1638. No acontecimento da morte do filho, desaparece o encargo.

            A suspensão do poder familiar ocorre na situação prevista no art. 1.637 do Código Civil[8], onde os genitores ou qualquer um deles abusam de sua autoridade, deixando de exercer deveres a que são atribuídos ou arruinando os bens dos filhos, cabendo ao juiz, requerer a algum parente ou Ministério Público a adoção de medida para segurança do infante até suspendendo o poder familiar se julgar necessário.

Em situações em que o pai ou a mãe encontram-se condenados por sentenças irrecorríveis, em virtude de crime cuja pena exceda a dois anos de prisão, também é cabível a suspensão do exercício do poder familiar.

            A perda do poder familiar ocorrerá quando a suspensão ou outras medidas para preservação da dignidade da criança não puderem ser aplicadas, ou seja, deverá ser aplicada apenas em último caso quando não houver possibilidade de recomposição dos laços entre o menor e seus genitores, conforme art. 1.638 do Código Civil.

O art. 1.638 especifica as situações da perda do poder familiar, sendo elas: castigar imoderadamente o filho (inc. I), deixar o filho em abandono (inc. II), praticar atos contrários à moral e aos bons costumes (inc. III) e incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente (inc. IV)[9].

            Segundo Paulo Lôbo[10], a privação do poder familiar:

A privação do exercício do poder familiar deve ser encarada de modo excepcional, quando não houver qualquer possibilidade de recomposição da unidade familiar, o que recomenda estudo psicossocial.

            A carência de recursos não é causa de perda ou suspensão do poder familiar uma vez que, poderão ser incluídos em programas oficiais de auxílio conforme explanado no ECA, art. 23[11].

            Importante ressaltar que um novo casamento ou relacionamento não é motivo de perda de poder familiar sobre os filhos do relacionamento anterior, conforme disposto no art. 1.636 do Código Civil.

2.3 Divórcio

           

Houve diversas tentativas para implantação do divórcio no Brasil, sendo todas barradas pela oposição da Igreja Católica e indissolubilidade constitucional do casamento até a aprovação da Emenda Constitucional n.9, de 28 de junho de 1977[12]. Separados e sem poder dissolver o casamento, pessoas desquitadas, construíam relações consideradas irregulares. Mesmo sem efetiva comunhão entre os conjugues, a sociedade conjugal era mantida artificialmente.

  Porém, da vigência da Emenda Constitucional n.9 até o ano de 2010, quando o casal desejava terminar o casamento, era necessários à intervenção do estado e a solenização do ato de ruptura oficial das núpcias mediante dois institutos que se sobrepunham, dados como separação judicial ou extrajudicial do casal e posterior conversão dessa precedente em separação de direito ou divórcio judicial ou extrajudicial.

É importante ressaltar, que durante o período de separação de corpos, não era permitido um novo casamento, seus efeitos eram reduzidos a uma simples separação de habitação.

O divórcio direto, só poderia ocorrer dois anos após a separação de fato ou de corpos, funcionando como uma espécie de estágio probatório da dissolução do vínculo conjugal, mantendo acesas as chamas de ódio e ressentimentos de um casamento desfeito, salvo se promovessem uma ação de separação de corpos amistosa ou litigiosa.

Na expectativa que houvesse um grande restabelecimento da sociedade conjugal, que os casais se arrependessem e voltassem ao estado civil antes da dissolução formal do casamento, o Congresso Nacional criou o sistema dual de separação e divórcio, onde somente seria permitido um único divórcio, mantido o desquite sob a nova definição de separação judicial.

Com a edição da Lei n.7841, de 17 de outubro de 1989[13], foi revogado o art. 38 da Lei n. 6515/1977, que permitia apenas um único divórcio para a mesma pessoa.

Entretanto, em 13 de julho de 2010, passou a vigorar no Brasil, a Emenda Constitucional n.66[14], sugerida pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), cujo projeto de Emenda Constitucional n.28/2009 foi encaminhado pelo Deputado Sérgio Barradas Carneiro, que culminou na extinção da separação judicial ou extrajudicial estabelecendo o divórcio direto, proibindo a discussão dos motivos do fim do casamento, podendo o divórcio ser postulado a qualquer tempo.

Ao contrário do que sugeria o art. 1.574 do Código Civil, após a EC n.66/2010, os casais poderiam se divorciar sem estar casado ao menos um ano, não omitindo que a separação depois de homologada ou escriturada não poderia ser convertida em divórcio.

O divórcio nada mais é que a cessação da sociedade conjugal conforme o art. 1.571, IV, §1º, do Código Civil[15], não alterando os deveres dos genitores em relação aos filhos (art. 1.579, CC), nem mesmo no caso de novo casamento de qualquer um dos genitores (art.1579, parágrafo único), principalmente no tocante aos alimentos devidos à sua prole.

Segundo Maria Helena Diniz[16], “o divórcio é a dissolução de um casamento válido, ou seja, a extinção do vínculo matrimonial, que se opera mediante sentença judicial, habilitando as pessoas a convolar novas núpcias”.

Em sintonia com a EC n. 66/2010, com redação anterior a Lei n. 13.058 de 22 de Dezembro de 2014[17], o art. 1.584, §2º do Código Civil, determinava que fosse dos pais a decisão sobre a guarda dos filhos, no processo consensual de divórcio, além de acordarem sobre a pensão alimentícia da sua prole.

Entretanto, não há como homologar uma ação de divórcio consensual sem a definição do montante a ser pago de alimentos aos filhos menores e/ou incapazes, pelo genitor provedor, além do tipo de guarda, podendo ser unilateral ou compartilhada.

É importante ressaltar que em 13 de junho de 2008 foi editada a Lei n. 11.698[18], alterando os artigos 1.583 e 1.584 do Código Civil, podendo ser chamada de guarda compartilhada legal ou jurídica, com a finalidade de instituir e disciplinar a guarda compartilhada ao lado da guarda unilateral.

Em 2014 foi criada a Lei n. 13.058/2014[19] (Lei da Guarda Compartilhada), que redesignou a guarda compartilhada, visando estabelecer uma melhor relação entre a prole e os pais, dividindo o tempo de convívio de forma equilibrada, prevalecendo o princípio de melhor interesse da criança, conforme também é determinado no art. 1583, §2º do Código Civil, quando essa se tratar de melhor solução para os interesses da criança e do adolescente.

O princípio de melhor interesse da criança refere-se a uma série de requisitos como a vontade do ascendente em deter de sua guarda, a vontade dos filhos em relação a custódia, a adaptação do menor a casa, escola, comunidade e saúde mental e psicológica das pessoas envolvidas na custódia, a relação de afetividade ou confronto entre o infante e o genitor e demais pessoas envolvidas na custódia e uma imensa complexidade de fatores a serem adaptados de acordo com cada situação e com cada família até que complete a sua capacidade civil.

Conforme diz Maria Clara Sottomayor[20], o legislador deixou de definir o conceito de “melhor interesse da criança” para permitir que a norma fosse se adaptando à imprevisibilidade das situações da vida.

De acordo com o artigo 1.584, §5º do Código Civil[21], os pais só perderão a guarda por motivos graves, que atentem contra interesses dos filhos, devendo ser priorizada a vontade e afinidade do infante.

            Por fim, mesmo com o divórcio, o exercício da paternidade deve ser exercido de forma responsável e vai muito além do provimento do sustento material dos filhos, devendo manter a convivência visando atender o melhor interesse da criança e adolescente, possibilitando dessa forma um crescimento e desenvolvimento saudável e digno. Não basta ser apenas provedor, é necessário também cuidar.

3 RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PAIS

A responsabilidade civil é o “comportamento humano voluntário que se exterioriza através de uma ação ou omissão, produzindo consequências jurídicas”[22], ou seja, consiste em fazer com que o causador do dano assuma as consequências relativas a sua conduta em face da vítima, de modo a voltar ao status quo ante, sendo o objetivo é compensar o lesionado com a reparação do dano.

3.1 Conceito de responsabilidade civil

           

A Constituição da República de 1988 trouxe como um dos princípios basilares, o princípio da dignidade humana. O princípio da dignidade humana está elencado também aos princípios do Direito de Família, uma vez que o cidadão brasileiro é responsável por promover a sua dignidade e a de outro cidadão.

            Conforme dispõe o professor Gualter de Souza Andrade Júnior[23] (2018):

O princípio da igualdade tem como intuito tratar a todos com a mesma consideração e respeito como leciona Ronald Dworkin. O que isso quer dizer? Cada indivíduo possui o mesmo valor, importância, em função da precocidade existencial do ser humano, embora os indivíduos sejam seres diferentes por causa de sua historicidade personalíssima. A partir disso, o Ordenamento Jurídico Brasileiro erige que se deve priorizar os direitos das crianças e dos adolescentes na relação paterno-filial para se preservar a isonomia entre as partes dessa obrigação jurídica existencial-material, ou seja, deve-se diferenciar os diferentes para que se efetive a igualdade, porque os filhos crianças e adolescentes são seres diferenciados como hipossuficientes, pessoas em situação subjetiva de vulnerabilidade no mundo da vida frente aos pais, de modo que precisam de um cuidado diferenciado, que leve em conta a natural fragilidade existencial de crianças e adolescentes como pessoas em desenvolvimento, para que haja preservação da integridade de sua vida como digna.

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            Cezar Fiuza[24] expõe que o princípio da função social da família é resultante do princípio da dignidade da pessoa humana, para o qual a família tem como função o desenvolvimento de seu membro, visando à promoção da dignidade da pessoa humana.

O autor[25] prossegue frisando que referente ao princípio da proteção especial, integral, ou segundo o melhor interesse de crianças e adolescentes, visando à proteção em função de sua vulnerabilidade, tendo em vista que as mesmas não possuem condições de cuidarem sozinhas da sua própria vida, Pautando-se na dignidade da pessoa humana e na busca da ascensão da personalidade do menor ou incapaz.

            No que tange a Responsabilidade Civil, discorre Flávio Tartuce[26] (2014, p.449), “A Responsabilidade Civil surge em face do descumprimento obrigacional, pela desobediência de uma regra estabelecida em um contrato, ou por deixar determinada pessoa de observar um preceito normativo que regula a vida”.

            O art. 932, I do Código Civil[27] estabelece que os pais sejam responsáveis pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade ou companhia. Em se tratando de pais divorciados, a companhia depende de prova, para que seja verificado quem era o guardião que estava com o menor.

            Segundo o STJ, a Responsabilidade Civil dos genitores fundamenta-se na presunção relativa de culpa, devendo ser provado que os pais não agiram de forma negligente, no dever da guarda e vigilância do menor.

            Na relação entre pais e filhos, a Responsabilidade Civil subdivide-se em responsabilidade positiva e responsabilidade negativa.

A responsabilidade positiva trata-se de promover a dignidade humana. A responsabilidade negativa, por sua vez, exige a prévia ocorrência de dano e visa a sua reparação material ou compensação moral.

Portanto, o instituto da responsabilidade jurídica possui dois lados, em que um dos lados refere-se à tutela positiva e o outro ao dano a ser reparado por meio do Ordenamento Jurídico.

3.2 Elementos gerais da responsabilidade civil

Pode-se analisar a Responsabilidade Civil em quatro séries de exigências comuns: ato ilícito, culpa, dano e nexo causal.

            O ato ilícito se refere à conduta omissiva, negligência e imprudência de um dos genitores, privando o filho da convivência, abstendo-se de forma física e emocional, ou com atitudes reiteradas como desprezo, rejeição, indiferença e humilhação, desamparando-o afetivamente, moralmente e psicologicamente. Independente de prévia definição legal, esse fato enquadra-se no dever paterno ou materno de proteção a sua prole, no aspecto físico, psíquico e afetivo.

            A culpa trata-se a quem deve ser imputado o ato ilícito causado, e em regra, no assunto em questão, somente aos genitores (mesmo os pais adotivos). No entanto, em situações em que houver a guarda formalizada a terceiros, a esse que assume a figura do genitor ou genitora será imputado a culpa, tendo em vista a obrigação afetiva e todas as funções inerentes à educação, criação, desenvolvimento físico e emocional da criança assumidos.

            Segundo Renata Barbosa de Almeida e Walsir Edson Rodrigues Júnior[28], o dano pode ser material (patrimonial) ou moral, quando a dignidade é atingida. É preciso que a criança tenha sofrido danos em sua personalidade, tornando-se mais gravoso no período de desenvolvimento da personalidade, ao qual serão necessários modelos de comportamento e afeto trazendo segurança para a criança. Carlos Fernandez Sessarego[29] discorre:

[...] dano ao projeto de vida daquele que transcende o que conhecemos e designamos como a integridade psicossomática do sujeito, é um dano radical e profundo que compromete em alguma medida o ser do homem. Prossegue afirmando que é um danos que afeta a liberdade da pessoa e acaba por frustrar o projeto de vida que livremente cada pessoa formula e através do qual se “realiza” como ser humano. [...] e é um dano que impede que a pessoa desenvolva livremente a sua personalidade.

            O nexo causal impõe que a conduta do genitor tenha causado irreparáveis danos a personalidade do menor, sequelas na personalidade acompanhadas de distúrbios emocionais. Para Flávio Tartuce[30] (2014, p.478) “o nexo de causalidade ou nexo causal constitui o elemento imaterial ou virtual da Responsabilidade Civil, constituindo a relação de causa e efeito entre a conduta culposa ou o risco criado e o dano suportado por alguém”.

            Por fim, vislumbra-se que o dano sofrido pelo menor deve ser objeto jurídico tutelado pelo nosso ordenamento jurídico. Conforme determinado pela regra constitucional, quando estabelece a dignidade da pessoa humana como um dos princípios basilares do nosso Estado Democrático de Direito, a dignidade é o mínimo exigido para o desenvolvimento da criança, dever esse a ser assumido pelos pais com o apoio moral, afetivo além do sustento e educação para que venha a torná-la uma completa cidadã.

             Neste mesmo sentido, é importante ressaltar que para a configuração da necessidade de reparação civil, se faz necessário assegurar o afeto como um dever de cuidado incondicionado dos pais e indispensável para o bom desenvolvimento e educação da criança e adolescente. A partir dessa análise, deve-se determinar a que ponto o ato ilícito dos pais afetou a criança, gerando o consequente dano.

4 A ANÁLISE DO ABANDONO AFETIVO

            Antes de realizar essa análise, se faz necessário entender o Abandono Afetivo. O abandono afetivo trata-se da inadimplência de responsabilidade na relação entre pais e filhos. Em outras palavras, pode-se dizer que o abandono afetivo é o descumprimento de um dos genitores de sua responsabilidade civil com seus filhos.

A omissão da educação, a falta de acompanhamento no desenvolvimento da criança e/ou adolescente, a falta de convivência com o infante traz diversas sequelas emocionais e pode atrapalhar o desenvolvimento sadio desse menor vindo a refletir em sua idade adulta.

            Levando em consideração os danos que esse sentimento de abandono pode causar ao menor, violando a sua integridade psicofísica, além de ferir princípios protegidos pela nossa Carta Magna, atualmente pode-se pleitear o pedido de indenização por danos morais a criança/adolescente.

4.1 O princípio da Afetividade

            Com o advento da Constituição Federal de 1988, o afeto foi elevado como verdadeiro princípio geral.

Nesse sentido, pondera a juspsicanalista Giselle Câmara Groeninga,

O papel dado à subjetividade e à afetividade tem sido crescente no Direito de Família, que não mais pode excluir de suas considerações a qualidade dos vínculos existentes entre os membros de uma família, de forma que possa buscar a necessária objetividade na subjetividade inerente às relações. Cada vez mais se dá importância ao afeto nas considerações das relações familiares; aliás, um outro princípio do Direito de Família é o da afetividade”[31].

            O afeto não se confunde com o amor, uma vez que o afeto significa o elo entre as pessoas, podendo ser negativo (ódio) ou positivo (amor). Percebe-se que tanto o amor quanto o ódio estão presentes nas relações familiares, através da interação (o afeto) existente entre os membros familiares. O que não nos deixa dúvidas da importância e existência do princípio da afetividade nas relações familiares.

            Gualter de Souza Andrade Júnior (2018) defende que:

a doutrina jurídica pacificada advoga que há o dever de cuidado, de fonte formal e material constitucional e legal no sentido estrito. Portanto, não seria devido “amar”, mas sim cuidar, a afetividade constituir-se-ia apenas como um alvo moral a ser alcançado pela família no que fosse possível[32].

             Apesar de não estar explícito no nosso ordenamento, o princípio da afetividade é concebido como abstração realizada por intérpretes, através das normas, costumes, doutrinas, jurisprudências e de aspectos políticos, econômicos e sociais.

            José de Oliveira Ascensão, defende que os princípios são como “grandes orientações que se depreendem, não apenas do complexo legal, mas de toda a ordem jurídica”[33]. Afirma que os princípios estruturam o ordenamento, gerando consequências concretas, por sua marcante função para a sociedade. E não restam dúvidas que a afetividade constitui um código forte no Direito Contemporâneo, gerando alterações profundas na forma de se pensar a família brasileira.

             Podem-se apontar três principais consequências da implantação do princípio da afetividade nos últimos anos.

            Inicia-se com o reconhecimento da união homoafetiva como entidade familiar. O nosso ordenamento passou a tratar esse novo modelo de família equiparando-se com a união estável. Decisão esta publicada no Informativo n. 625, do STF em 5 de maio de 2011[34].

            Outra consequência é a reparação por danos morais em decorrência do abandono afetivo. Que iniciou-se com o pedido de um filho abandonado moralmente por um pai, ao qual o STJ em 2004, concluiu não caber indenização, pois o afeto não poderia ser imposto na relação paterno-filial.

Entretanto, com o decorrer dos anos, em 24/04/2012, (conforme se tratará nos subcapítulos posteriores) surgiu no STJ, uma nova decisão favorável à filha, admitindo a reparação civil pelo abandono afetivo.

A relatora da decisão Min. Nancy Andrighi deduziu pela presença do ilícito e da culpa do pai pelo abandono afetivo, expondo que: “amar é faculdade, cuidar é dever”. 

Embora o voto contrário do Min. Massami Ueda, na linha do julgado antecedente, a relatoria foi seguida pelos Ministros Sidnei Beneti e Paulo de Tarso Sanseverino. É importante ressaltar que o dever de convivência dos pais em relação aos filhos menores é expresso pelo art. 229 da CF/1988 e pelo art. 1.634, incisos I e II do CC/2002

Em situação de descumprimento do dever, causando danos ao menor, será considerado ato ilícito conforme exposto no art. 186, CC/2002: “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”[35].

Dessa forma, essa decisão passou a ser um marco e início de uma nova visão acerca das relações entre pais e filhos, não bastando à assistência material, devendo zelar pela manutenção e desenvolvimento moral e intelectual da criança.

            E, por fim, o reconhecimento da parentalidade socioafetiva como nova forma de parentesco disposto no art. 1.593 do CC/2002: “o parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem”[36].

            Como grande marco pode-se destacar a sentença prolatada pela juíza Deisy Cristhian Lorena de Oliveira Ferraz, da Comarca de Ariquemes, Rondônia, determinando o duplo registro da criança, em nome do pai biológico e do pai socioafetivo, diante de pedido de ambos para o reconhecimento da multiparentalidade.

Pode-se citar também o acórdão do Tribunal de São Paulo, que determinou o registro de madrasta como mãe civil de enteado, mantendo-se a mãe biológica, que havia falecido quando do parto (TJSP, Apelação nº 0006422-26.2011.8.26.0286, 1ª Câmara de Direito Privado, Itu, Relator: Des. Alcides Leopoldo e Silva Junior, julgado em 14 de agosto de 2012)[37].

            Com os novos formatos de famílias, tende-se a surgir diversas decisões levando-se em consideração o princípio da afetividade.

4.2 O abandono afetivo e suas consequências

           

            Conforme já demonstrado, a família passou por um processo de evolução e passou a se unir através de laços afetivos.  A nova ideia de família, denominada família eudemonista, destaca a importância do afeto em suas relações, sobretudo para o saudável crescimento e desenvolvimento da criança e do adolescente.

Assim destaca Giselda Hironaka[38]:

O afeto reafirme-se está na base da constituição da relação familiar, seja ela uma relação de conjugalidade, seja de parentalidade. O afeto está também, certamente, na origem e na causa dos descaminhos desses relacionamentos. Bem por isso, o afeto deve permanecer presente, no trato dos conflitos, dos desenlaces, dos desamores. Por que o afeto tem um que de respeito ancestral, tem um que de pacificador temporal, tem um que de dignidade essencial. Esse é o afeto de que se fala. O afeto-ternura; o afeto-dignidade. Positivo ou negativo. O imorredouro do afeto.

           

Percebe-se que a família não é formada apenas por lanços sanguíneos, como também com laços afetivos. O afeto passou a ser a peça fundamental no novo contexto familiar.

O doutrinador Gualter de Souza Andrade Júnior[39] (2018), expõe que “o abandono afetivo é um dano causado pelo exercício incorreto do cometimento de decisões nas relações familiares, no sentido de descumprimento do princípio do dever de cuidado incondicionado”.

A doutrina e jurisprudência começaram a atentarem-se com um novo formato familiar, ao qual após a separação, divórcio ou dissolução da união estável (ou até mesmo em situações em que os genitores não mantem um relacionamento), o genitor não-guardião, entendia que o cumprimento de sua obrigação seria simplesmente o pagamento da pensão alimentícia, deixando a cargo do guardião principal, o papel de mãe e pai na educação e manutenção da formação e desenvolvimento da criança. O que ao decorrer dos anos, trás uma série de consequências para o adulto que esta criança irá se tornar.

            Nenhum dos genitores é obrigado a amar seus filhos, entretanto, não podem esquecer que a criança não tem culpa de vir ao mundo, e que tiveram a opção de concebê-la ou não concebê-la, dessa forma é seu dever proporcionar-lhe uma vida digna, e para isso o abandono afetivo não será a forma correta, pelo contrário, poderá acarretar diversos problemas psicológicos ao longo da vida dessa criança, influenciando diretamente na vida adulta.

            O abandono afetivo está previsto no inciso II do artigo 1.638 do Código Civil, como uma das causas da destituição do poder familiar. “Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que: [...] II - deixar o filho em abandono”[40].

O primeiro caso de indenização do abandono afetivo que o Superior Tribunal de Justiça enfrentou ocorreu no Tribunal de Minas Gerais.

Nesse caso, o filho manteve contato com o pai até seis anos de idade, após o nascimento de sua irmã, advinda de um novo relacionamento do pai, este deixou de conviver e manter contato com seu filho, apenas contribuía com a pensão alimentícia, 20% de seus rendimentos e achava que bastava para o desenvolvimento do filho, ignorando então os laços afetivos e toda e qualquer data comemorativa. Entretanto, o filho propôs ação por danos morais, sendo a  ação foi julgada improcedente em primeiro grau. Mas, em segunda instância, no ano de 2004, conforme relatoria do desembargador Unia Silva, da 7º Câmara Cível do Tribunal de Alçada de Minas Gerais, ficou reconhecido o dano moral e psíquico que fora causado ao filho através do abandono afetivo, fixando o valor de 200 (duzentos) salários mínimos. Conforme o acórdão:

INDENIZAÇÃO DANOS MORAIS - RELAÇÃO PATERNO - FILIAL - PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA - PRINCÍPIO DA  AFETIVIDADE. A dor sofrida pelo filho, em virtude do abandono paterno, que o privou do direito à convivência, ao amparo afetivo, moral e psíquico, deve ser indenizável, com fulcro no princípio da dignidade da pessoa humana. Deram provimento. (TJMG, Apelação Civil 408.550.54, Rel. Des. Unias Silva). O pai, indignado, recorreu ao STJ, uma vez que considerava a aplicação do dano moral apenas quando houvesse o ensejo da prática do ato ilícito, não sendo o caso proposto. Sendo então, considerado pelo relator que a perda do Poder Familiar não constitui no dever de indenizar. Destarte, o acórdão foi assim emendado: (Resp nº 757411) RESPONSABILIDADE CIVIL. ABANDONO MORAL. REPARAÇÃO. DANOS MORAIS. IMPOSSIBILIDADE. 1. A indenização por dano moral pressupõe a prática de ato ilícito, não rendendo ensejo à aplicação da norma do art. 159 do CC de 1916 o abandono afetivo, incapaz de reparação pecuniária. 2. Recurso Especial conhecido e provido. (2005, BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Relatório do Min. Fernando Gonçalves, no Recurso Especial 747511 oriundo de Minas Gerais, julgado pelo Superior Tribunal de Justiça)[41].

Entretanto, conforme análise de Andreaze Bonifácio de Souza, [42] o pai não concordou com a decisão proferida e recorreu ao STJ, uma vez que considerava a aplicação do dano moral apenas quando houvesse o ensejo da prática do ato ilícito, não sendo o caso proposto. Desta forma, o acórdão foi emendado:

RESPONSABILIDADE CIVIL. ABANDONO MORAL. REPARAÇÃO. DANOS MORAIS. IMPOSSIBILIDADE. 1. A indenização por dano moral pressupõe a prática de ato ilícito, não rendendo ensejo à aplicação da norma do art. 159 do CC de 1916 o abandono afetivo, incapaz de reparação pecuniária. 2. Recurso Especial conhecido e provido. (2005, BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Relatório do Min. Fernando Gonçalves, no Recurso Especial 747511 oriundo de Minas Gerais, julgado pelo Superior Tribunal de Justiça)[43].

           

A jurisprudência vem desempenhando um grande papel de suma relevância na consolidação do afeto no sistema brasileiro, tendo como marco o voto do RESP 1.159.242 – SP[44], tendo a Ministra Nancy Andrighi como relatora do acórdão, conforme se verá no próximo tópico.

4.3 Voto RESP 1.159.242 – Nancy Andrighi

            Em 24 de abril de 2012, a Ministra Nancy Andrighi, relatora do acórdão (resp 1.159.242 – SP), distinguiu o amor e cuidado na relação entre pais e filhos: “O amor diz respeito à motivação, questão que refoge os lindes legais, situando-se, pela sua subjetividade e impossibilidade de precisa materialização, no universo meta-jurídico da filosofia, da psicologia ou da religião. O cuidado, distintamente, é tisnado por elementos objetivos, distinguindo-se do amar pela possibilidade de verificação e comprovação de seu cumprimento, que exsurge da avaliação de ações concretas: presença; contatos, mesmo que não presenciais; ações voluntárias em favor da prole; comparações entre o tratamento dado aos demais filhos – quando existirem –, entre outras fórmulas possíveis que serão trazidas à apreciação do julgador, pelas partes. Em suma, amar é faculdade, cuidar é dever[45].”

            Trouxe ainda que, em virtude da falta de cuidado (consta do voto-vista do Ministro Sidney Benetti: “que, sendo filha do requerido, cuja paternidade só ocorreu na esfera judicial, sempre tentou contato com o mesmo e nas datas mais importantes de sua vida o requerido não lhe demonstrou o menor afeto ou mesmo deu qualquer importância, e que, ademais, transferiu bens para outros filhos em detrimento de sua legítima, fato que está sendo discutido em outros autos.”), entendeu o STJ que a omissão do pai na formação e desenvolvimento de sua filha gerou ato ilícito, nos termos do artigo 186 do código civil, motivando assim a necessidade de indenização por danos morais[46].

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO. COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. POSSIBILIDADE. 1. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar no Direito de Família. 2. O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/88. 3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica em se reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non facere, que atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia – de cuidado – importa em vulneração da imposição legal, exsurgindo, daí, a possibilidade de se pleitear compensação por danos morais por abandono psicológico. 4. Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, existe um núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social. 5. A caracterização do abandono afetivo, a existência de excludentes ou, ainda, fatores atenuantes – por demandarem revolvimento de matéria fática – não podem ser objeto de reavaliação na estreita via do recurso especial. 6. A alteração do valor fixado a título de compensação por danos morais é possível, em recurso especial, nas hipóteses em que a quantia estipulada pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou exagerada. 7. Recurso especial parcialmente provido.[47]

            Após a publicação desse acórdão ficou de certa forma ainda mais claro, que, cabe ao genitor o cuidado de sua prole e esse cuidado não se resume somente com o pagamento da pensão alimentícia, mas envolve principalmente a manutenção e acompanhamento do desenvolvimento da criança. O código civil, artigo 1.589[48], ressalta que o genitor que não detêm a guarda do menor, tem o direito de visitá-lo e tê-lo em sua companhia, senão da forma acordada com o outro, daquela estipulada pelo magistrado. Fica caracterizada a visita como faculdade declinada àquele que não detêm a guarda do menor, direito este que pode ou não ser exercido. Desta forma, por se tratar de direito (e não de obrigação), alguns pais entendem que com o simples pagamento da pensão alimentícia, estão desonerados de participar da criação de seu filho. Conforme se observa, o STJ entende que o cuidado com a prole não é faculdade e sim uma obrigação que descumprida, irá gerar indenização por danos morais.

4.4 O Estatuto da criança e adolescente e o abandono afetivo

A Comissão de Direitos Humanos aprovou, em 09 de setembro de 2007, através do Projeto de Lei do Senado 700/2007, uma alteração no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que compele reparação de danos morais aos genitores que deixarem de prestar assistência afetiva a seus filhos.

 Esse Projeto de Lei do Senado (700/2007)[49], de autoria do senador Marcelo Crivella (PRB-RJ), propõe a prevenção e solução de casos “intoleráveis” de desleixo dos pais com os filhos, caracterizando o abandono moral dos filhos como ilícito civil e penal . E estabelece que o artigo 3º do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)[50], passa a vigorar acrescido do artigo 232-A, que prevê pena de detenção de um a seis meses para “quem deixar, sem justa causa, de prestar assistência moral ao filho menor de 18 anos, desta forma, prejudicando o desenvolvimento psicológico e social”.

Art. 232-A. Deixar, sem justa causa, de prestar assistência moral ao filho menor de dezoito anos, nos termos dos §§ 2º e 3º do art. 4º desta Lei, prejudicando-lhe o desenvolvimento psicológico e social.

Pena – detenção, de um a seis meses;

Além do amparo na legislação, a proposta é baseada em decisões judiciais que consideraram a negligência dos pais, “condutas inaceitáveis à luz do ordenamento jurídico[51]”.

4.5 O dano moral nas relações familiares

            As tratativas desse subcapítulos referem-se exatamente a esta delicada questão: podem um pai ou uma mãe ser responsabilizados civilmente, condenados a indenização pelo abandono afetivo praticado contra sua prole? O pagamento dessa indenização é suficiente para suprir o desamor? A responsabilidade dos pais resume-se apenas ao sustento (dever material) dos filhos?

            Pouco importa as circunstâncias que levaram a relação entre pais e filhos, o que deve ser averiguado é a existência efetiva de uma relação paterno-filial.

             É necessário investigar cautelosamente, os motivos pelos quais o genitor se afastou de sua prole. É imprescindível observar se o genitor sabia da existência do menor, uma vez que, não poderia responder civilmente por esse abandono se não tinha conhecimento da relação paterno-filial ao qual estava inserido.

            Uma situação muito comum é o pedido de indenização em face do pai ou de uma mãe presente no convívio, mas que não cumpre o seu ofício da forma como deveria ser cumprido. Nessa situação, é relevante atentar-se quanto à veracidade do pedido para que não seja feito nenhum pedido abusivo, por um simples sentimento de rancor como é costumeiro acontecer.

            Além das situações citadas, é necessário identificar e qualificar corretamente quais são os direitos e deveres reservados aos pais e filhos. É relevante que os pais cumpram os seus deveres de sustento, guarda e educação á sua prole.

            O dever de sustento aos filhos menores é de obrigação do pai e mãe. Mesmo em situações em que o genitor guardião consiga suprir todas as necessidades da criança ou adolescente, é necessário que o genitor não-guardião contribua com a meação das despesas. Em situações em que, a condição financeira de um dos genitores não seja favorável, é necessário que o sustento dos filhos sofra alguma restrição.

            O dever da guarda ocorre de forma natural na relação paterno-filial, sendo realizada a manutenção no convívio diário. No caso de divórcio ou separação dos genitores, o genitor não-guardião deverá cumprir o seu direito de visitas a sua prole.

            O dever de educação trata-se do importante papel dos pais no desenvolvimento e formação moral e intelectual dos filhos. Esse papel pode ser também desenvolvido por terceiros que esteja com a custódia da prole.

O que realmente importa, conforme afirma Giselda Hironaka, é que a criança possa receber uma educação condigna e receba a noção de autoridade, por meio da imposição de limites já no seio familiar, sob pena de um desajustamento e uma inadequação social posterior, quando o grupo familiar, por si só, já não se fizer presente, ou não se puder fazer ativo na proteção da pessoa do filho[52].

            O desempenho dessas funções cria entre a criança e seus pais uma relação de dependência e complementariedade.

            Ocorre que a ação de indenização por abandono afetivo não pode ser ajuizada pelo filho a qualquer tempo, mas sim após atingir sua maioridade, uma vez que não corre a prescrição entre ascendentes e descendentes antes da cessação do poder familiar (denominado pátrio poder na antiga codificação), segundo o entendimento da 4ª Turma do STJ[53].

INDENIZAÇÃO POR ABANDONO AFETIVO. PRESCRIÇÃO.

O prazo prescricional das ações de indenização por abandono afetivo começa a fluir com a maioridade do interessado. Isso porque não corre a prescrição entre ascendentes e descendentes até a cessação dos deveres inerentes ao pátrio poder (poder familiar). No caso, os fatos narrados pelo autor ocorreram ainda na vigência do CC/1916, assim como a sua maioridade e a prescrição da pretensão de ressarcimento por abandono afetivo. Nesse contexto, mesmo tendo ocorrido o reconhecimento da paternidade na vigência do CC/2002, apesar de ser um ato de efeitos ex tunc, este não gera efeitos em relação a pretensões já prescritas. Precedentes citados: REsp 430.839-MG, DJ de 23/9/2002, e AgRg no Ag 1. 247.622-SP, DJe de 16/8/2010. REsp 1.298.576-RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 21/8/2012.

            O ajuizamento da ação por abandono afetivo trata-se de competência das varas de família e deve ser proposto no prazo prescricional  de até três anos contados da maioridade do filho.

O abandono afetivo é a omissão dos pais no cumprimento de suas atribuições, em especial no dever de educação que é a fonte de afeto, carinho e atenção. Isso nos mostra que não basta a presença física e o sustento sem a o zelo pela construção moral e intelectual do menor.

4.6 Principais pontos para configuração da indenização no abandono afetivo

4.6.1 Dano

           

            A ausência do genitor traz um abalo psíquico e prejuízos à formação da criança, decorrentes da falta de afeto, zelo e proteção principalmente quando já foi estabelecido um vínculo afetivo entre eles.  O que não descarta a possibilidade de dano, mesmo em situações em que os pais se divorciam ou separam, quando o filho ainda é um recém-nascido, pois pode trazer futuramente, sensações de abandono e rejeição de um pai ou mãe que não foi te conhecer, mesmo que estejam cumprindo o dever de sustento.

            Maria Isabel Pereira da Costa[54], registra que o dano vinculado ao fato de abandono afetivo e o conseqüente dever de indenizar não podem se configurar em face dos adultos, na medida em que estes já teriam sua personalidade totalmente conformada, verbis:

Assim, só os filhos menores de idade, ou incapazes, têm legitimidade para pedir indenização aos pais pela omissão do afeto. Em relação aos filhos maiores de idade e capazes, não tem cabimento indenização pela ausência de afeto por parte dos pais, porque não estão em fase de formação da personalidade. (...) No caso do afeto, a cobrança da reciprocidade pura e simples não é conveniente, pois os filhos não têm o dever de fornecer as condições para formar a personalidade dos pais, por impossibilidade absoluta!

           

Dessa forma, observa-se que o dano causado pelo abandono afetivo, ocorre no período de formação da personalidade que se estende desde nascimento até o alcance a maioridade.

4.6.2 Culpa

            Segundo Maria Berenice Dias[55], “A apenação de um culpado só tem significado quando o agir de alguém coloca em risco a vida ou a integridade física, moral, psíquica ou patrimonial de outra ou de outras pessoas, ou de algum bem jurídico tutelado pelo direito.”

            Além de verificar o dano causado a criança, se faz necessário observar a culpa do genitor não-guardião, responsável pelo abandono afetivo de forma imprudente e negligente.

A conduta omissiva do genitor no não cumprimento das obrigações que lhe são conferidas em decorrência do poder familiar deverá ser observada minuciosamente, verificando-se os fatores que o impedem de conviver com o filho. 

4.6.3 Nexo de Causalidade

           

Graciela Medina[56] observa que “os expertos em psicologia têm afirmado que o filho abandonado por seu pai sofre trauma e ansiedade, com nefasta repercussão em suas futuras relações, ressentidas de autoconfiança.” Essa observação nos mostra o nexo de causalidade entre o dano sofrido e a culpa do genitor pelo dano.

            E por fim, ainda que comprovada a culpa do genitor e a perícia consiga confirmar os danos psicológicos causados ao menor, o mais difícil será estabelecer o necessário nexo de causalidade entre o abandono culposo e o dano vivenciado.

            Desta forma, é importante que a perícia, além de confirmar o dano, venha apontar a causa, analisando se no período em que os sintomas começaram a se manifestar pode-se correlacionar com o período do abandono caracterizado pela ausência física do genitor.

4.7 O valor da indenização em caso de abandono afetivo

No que tange ao valor aplicado a indenização pela ausência de afeto, expõe Flávio Tartuce [57], que a Constituição Federal encerrou definitivamente tal debate, ao reconhecer expressamente a reparação dos danos morais em seu art. 5º, incisos V e X. Observa que “se tal argumento for levado ao extremo, a reparação por danos extrapatrimoniais não seria cabível em casos como de morte de pessoa da família”.

Art. 5º: Todos são iguais perante a lei, sem distinções de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e a propriedade, nos seguintes termos:

(...)

V: é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

(...)

X : são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.[58]

A advogada Grace Costa[59], especialista em direito de família e sucessões, revela que “a indenização não serve para minimizar a dor a e angústia da ausência de um dos pais, e sim para "propiciar à vítima a sensação de justiça", já que é impossível mensurar o sofrimento de uma pessoa, pois a questão ainda esbarra muito mais na área psicológica que na área do direito”.

            Segundo Sérgio Cavalieri Filho, a princípio “negava-se ressarcibilidade ao dano moral sob o argumento de que ele era inestimável e que seria imoral estabelecer um preço para a dor”[60].

Entretanto, segundo o autor, “os direitos da personalidade são os direitos subjetivos da pessoa defender o que é seu, ou seja, sua identidade honra intimidade, liberdade, integridade física, moral, enfim, sua própria dignidade. A violação a estes direitos acarreta danos na esfera extrapatrimonial do individuo, devendo, por este motivo, serem reparados”[61]

Ensina que “só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angustias e desequilíbrio em seu bem-estar”[62].

Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada está de fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia-a-dia, no trabalho, no transito, entre amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do individuo. Se assim não se entender, acabar-se-á por banalizar o dano moral, ensejando ações judiciais em busca de indenizações pelos mais triviais aborrecimentos.”[63]

             Analisa Maria Helena Diniz[64], que “a reparação por dano moral não visa dar preço à dor, mas atenuá-la, compensá-la de alguma forma, ou seja, funda-se não na índole dos direitos subjetivos”.

             Dessa forma, pode-se concluir que o valor pago a título de indenização é uma forma de compensação a criança ou adolescente abandonado afetivamente por um de seus genitores, uma vez que não é possível calcular o valor do sofrimento e danos causados no desenvolvimento do filho.

4.8 Pontos positivos da indenização por danos morais em caso de abandono afetivo

            Existe a corrente favorável a indenização, conduzida por Rolf Madaleno e Maria Berenice Dias, ao qual defendem que os danos de ordem moral visa a reparação do irreversível prejuízo causado ao filho que sofreu pela ausência de seu pai ou de sua mãe, já não mais existindo amor para recuperar. A reparação é em cima do dano emocional sofrido pelo filho.

            Conforme previsto no Código Civil em seus artigos 186 e 187, todo cidadão deve ressarcir o outro por qualquer dano causado com sua conduta voluntária e consciente, dando embasamento a reparação por danos morais no abandono afetivo.

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes[65].

             Cláudia Maria Teixeira Silva, explica que “não se trata, pois, de "dar preço ao amor" como defendem os que resistem ao tema em foco, tampouco de "compensar a dor" propriamente dita. Talvez o aspecto mais relevante seja alcançar a função punitiva e dissuasória da reparação dos danos, conscientizando o pai do gravame causado ao filho e sinalizando para ele, e outros que sua conduta deve ser cessada e evitada, por reprovável e grave”.[66]

            Por fim, com todas essas observações favoráveis apontadas nesse subcapítulo, observa-se que é a reparação não irá apagar o que se passou com a criança envolvendo todos os danos psicológicos causados, mas não seria justo, os filhos pagarem pelos erros dos pais.

Dessa forma a indenização é uma forma de justiça e compensação pelos danos ocorridos.

4.9 Pontos negativos da indenização por danos morais em caso de abandono afetivo

            Os doutrinadores contrários a aplicação da indenização defendem a corrente que os deveres decorrentes da paternidade não podem penetrar o campo subjetivo do afeto, inexistindo obrigação legal de amar. Além disso, temem que o pai condenado à pena pecuniária por sua ausência será um pai que jamais tornará a se aproximar do filho, em nada contribuindo o pagamento da indenização para reconstituir o amor.

            Nelson Rosenvald defende que “a pura e simples violação do afeto não deve ser motivo para ensejar uma indenização por dano moral, ao passo que somente quando uma conduta caracteriza-se como ilícita, é que será possível se falar em indenização pelos danos dela decorrentes, sejam eles materiais ou morais.

Reconhecer a indenizabilidade decorrente da negativa do afeto produziria uma verdadeira patrimonialização de algo que não possui tal característica econômica, subvertendo a evolução natural da ciência jurídica, retrocedendo a um período em que o ter valia mais do que o ser.”[67]

Sugere ainda que ao invés de ensejar uma indenização por dano moral em situações de falta de afeto entre pai/mãe e filho, seja ensejado dano material (em casos de traumas que demandem tratamentos psicológicos), gerando indenização com base no ressarcimento integral.

            Segundo Regina Beatriz Tavares da Silva, não é a falta de amor ou afeto em si que provoca a indenização. É o descumprimento dos requisitos da responsabilidade civil dos pais prevista no nosso ordenamento jurídico. Assim, complementa a autora:

“(...) amar não é dever ou direito no plano jurídico. Portanto não há qualquer ilicitude na falta de amor. Quem deixa de amar, numa relação de família, não pratica ato ilícito. (...) O amor é sentido e não definido. No entanto, existem deveres e direitos que resultam do vínculo familiar. Nas relações entre pais e filhos, tanto o Código Civil anterior (art. 384, I e II), como o Código Civil atual (art. 1.634, I e II) estabelecem deveres, dentre os quais está o dever do pai e da mãe de ter o filho em sua companhia e educá-lo.

(...) O abandono do filho, desde que seja voluntário e injustificado, configura violação ao dever do pai de ter o filho em sua companhia. Essa conduta desrespeita o direito do filho à convivência familiar. Aí reside a ação ou omissão, um dos requisitos da responsabilidade civil.

Se dessa conduta resultam danos ao filho, como no caso apurou o laudo pericial, estarão preenchidos os outros requisitos da responsabilidade civil: nexo causal e dano.

A falta de afeto ou de amor não pode gerar a condenação paterna no pagamento de indenização ao filho, mas, sim, o ato ilícito acima descrito.”[68]

            Por fim, essa corrente considera que não é possível ao Direito adentrar nas questões sentimentais na relação paterno-filial, devendo apenas cuidar das questões externas, limitando-se apenas ao dano material.

5 CONCLUSÃO

            A partir do desenvolvimento desse trabalho, foi possível acompanhar toda evolução da família e os novos desafios que vem sendo enfrentados na concepção da família moderna. A família moderna ganhou espaço para se desenvolver, pautados nas escolhas individuais de cada membro.

A afetividade passou a ser o centro dos mais diversos institutos.

Observa-se que o tema em tese é ainda muito recente e bastante polêmico trazendo correntes favoráveis e desfavoráveis para sua aplicação.

A criança e adolescente passa a ter seus direitos preservados em Lei e principalmente no que tange a educação, cuidado e zelo por parte dos pais.

Embora muitos ainda não visualizem o abandono afetivo como ato ilícito, é possível perceber os danos irreparáveis causados pelo abandono afetivo que refletem ao adulto que a criança afetada irá se tornar.

            É notório que o pagamento da indenização, não irá devolver a criança o afeto, a educação, o tempo de convivência, o zelo, o cuidado e tudo o que foi perdido ao longo dos anos no que tange ao dever de cuidado dos pais para com os filhos. Mas a indenização serve como uma compensação e sentimento de justiça para o filho prejudicado, uma vez que esse não merece pagar pelo erro do pai ou da mãe que o abandonou. Além do mais, serve para mostrar ao genitor negligente, a conduta ilícita por ele praticada e ressaltar a importância do cumprimento de seu dever na vida dessa criança.

            A criança quando vem ao mundo, não tem escolha, mas os pais tem a escolha de concebê-la ou não. Uma vez que a criança foi concebida, independentemente do tipo de relacionamento dos pais, deve ser amparada em todos os sentidos para que possa se tornar um adulto saudável para conviver em sociedade.

            A decisão dos tribunais em prolatar a reparação por danos morais decorrentes do abandono afetivo deve ser cautelosa, observando-se os requisitos necessários para configuração do ato ilícito, pois embora o afeto não possa ser monetarizado, a indenização é fundamental para que o filho busque tratamentos psicológicos permitindo a superação do trauma decorrente do abandono afetivo.

            Foi possível observar que apesar das discrepâncias nos julgados brasileiros, o tema vem sido bastante discutido e analisado. Entretanto, o que antes não era considerado nas jurisprudências, atualmente vem sendo analisado e servindo de exemplo para muitos pais. A expectativa é a conscientização dos pais de que não basta o amparo econômico da pensão alimentícia, é necessária a presença paterna e materna no desenvolvimento e na dignidade da criança.

            É importante aprofundar e discutir sobre o tema, objetivando sempre uma melhoria no quadro familiar e principalmente cuidando para que os deveres sejam cumpridos e direitos preservados.

É sempre relevante levantar o posicionamento de que a reparação de danos morais decorrentes do abandono afetivo, usadas de maneira correta, sem o lucro incessante e vinganças, poderá nos trazer um bom resultado no seio familiar.

“ A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida está no amor que não damos, nas forças que não usamos, na prudência egoísta que nada arrisca, e que, esquivando-se do sofrimento, perdemos também a felicidade. A dor é inevitável. O sofrimento é opcional.”

Carlos Drummond de Andrade

Sobre o autor
Camilo Junio Sirino da Silva

Estudante do 10º Período do curso de Direito da Faculdade Una de Contagem, sob orientação da professora Drª Cláudia Mara de Almeida Rabelo Viegas.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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