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Do imposto de renda retido na fonte sobre os rendimentos pagos pelos municípios às pessoas físicas e jurídicas

26/06/2020 às 17:00
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Muito embora durante décadas a CF/88 não tenha autorizado a cobrança do IR retido na fonte sobre os rendimentos pagos pelos municípios às pessoas físicas e jurídicas nos contratos de fornecimento de bens e serviços, desde 2016, a União o vem cobrando indevidamente.

Muito embora durante décadas a CF/88 não tenha efetuado a cobrança do Imposto de Renda Retido na Fonte sobre os rendimentos pagos pelos Municípios às pessoas físicas e jurídicas nos contratos de fornecimento de bens e serviços, desde 2016, a União vem cobrando, indevidamente, o tributo nestas hipóteses.

Inicialmente, para maior esclarecimento, precípuo demonstrar a evolução legislativa sobre o assunto no âmbito do CTN e das constituições vigentes à época, nos anos imediatamente anteriores a CF/ 88.

O Código Tributário Nacional, promulgado em 25 de outubro de 1966 ( publicado em 27/10/1966), dispõe, em seu art. 85, inciso II, que serão distribuídos aos Estados, Distrito Federal e Municípios, o produto da arrecadação, na fonte, do imposto a que se refere o artigo 43, incidente sobre a renda das obrigações de sua dívida pública e sobre os proventos dos seus servidores e dos de suas autarquias.

Ainda, o parágrafo primeiro do artigo supracitado determina o prazo de trinta dias para entrega do IRRF pela União ao município e, no parágrafo segundo, condiciona a autorização à incorporação do IRRF pelo Município à lei.

Segundo análise do referido dispositivo, cabe ao Município declarar e recolher o tributo devido à União que, por sua vez, tem o prazo de trinta dias para repassar o tributo.

A Constituição Federal de 24 de janeiro de 1967, aprovada e de vigência logo após a aprovação e publicação do CTN , dispôs, inicialmente, em conformidade com o referido código.

Consoante dispôs no art. 24, parágrafo segundo, da Constituição de 1967, (antes da Emenda n. 17 de 1980), “Será distribuído aos municípios, na forma que a lei estabelecer, o produto da arrecadação do imposto de que trata o item IV do artigo 21, incidente sobre rendimentos do trabalho e de títulos da divida por eles pagos, quando forem obrigados a reter o tributo.”

Após a Emenda nº 17, de 1980, o parágrafo segundo do artigo 24 passou a dispor que “Pertence aos Municípios o produto da arrecadação do imposto a que se refere o item IV do artigo 21, incidente sobre rendimentos do trabalho e de títulos da dívida pública por eles pagos, quando forem obrigados a reter o tributo.”

Ulteriormente, com a aprovação da constituição Federal de 1988, o artigo 158, caput e inciso I, passou a determinar que pertencem aos Municípios “o produto da arrecadação do imposto da União sobre renda e proventos de qualquer natureza, incidente na fonte, sobre rendimentos pagos, a qualquer título, por eles, suas autarquias e pelas fundações que instituírem e mantiverem”.

Ressalte-se que o art. 158, inciso I, da CF/88, contrariamente ao determinado no Código Tributário Nacional, não só determinou que o IRRF pertence aos municípios, como também ampliou as hipóteses de incidência ao referir-se a “rendimentos a qualquer título” pagos “por eles, suas autarquias e pelas fundações que instituírem e mantiverem” e não apenas “renda das obrigações de sua dívida pública e sobre os proventos dos seus servidores e dos de suas autarquias”.

Em razão do dispositivo constitucional referido acima, por vários anos os Munícipios não recolheram o IRRF incidente sobre rendimentos pagos pelos Municípios às pessoas físicas e jurídicas nos contratos de fornecimento de bens e serviços, nada obstante o disposto no CTN assim o determinar; tampouco foram cobrados pela União em razão disso.

Ratificando o entendimento de inexigibilidade de recolhimento do IRRF no caso ora discutido, em 24/12/2010 (DOU 27/12/2010), foi editada a Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil nº 1.110/2010, na qual, em seu art. 6º, § 7º, estabelecia que “Os valores relativos ao IRRF incidente sobre rendimentos pagos a qualquer título pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, bem como pelas autarquias e fundações por eles instituídas e mantidas, não devem ser informados na DCTF.”

Nada obstante isso, ulteriormente, em 2015, após a consulta realizada, que gerou a solução de Consulta nº 166/2015-COSIT, a Receita Federal firmou o entendimento de que somente o produto da arrecadação do imposto de renda na fonte, incidente sobre os rendimentos do trabalho de seus servidores e empregados, excluindo, portanto, os rendimentos pagos por força de contratos de fornecimento de bens e/ou serviços , firmados com pessoas jurídicas, se incorpora ao patrimônio dos municípios.”

Ratificando o entendimento na Consulta nº 166/2015-COSIT, foi editada a Instrução Normativa RFB nº 1.599/20015 em 11/12/2015, publicada no DOU de 14/12/2015, segundo a qual, conforme disposto no art. 6º, inciso II, e §7º, a DCTF ( Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais Mensal) deve conter informações sobre o IRRF, com exceção apenas dos valores relativos aos rendimentos pagos, a qualquer título, a servidores e empregados dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como suas autarquias e fundações.

Destarte, com a edição da referida Instrução Normativa, com exceção do Imposto de Renda Retido na Fonte pelo Município, autarquias e fundações, incidente sobre os rendimentos pagos a qualquer título a seus servidores e empregados, todas as outras hipóteses de IRRF passaram a ser plenamente exigíveis pela União.

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Mesmo com a alteração do §7º do art. 6º, da IN RFB nº 1.599/2015 pela IN RFB nº 1.646 de 30/05/2016, não houve mudança no entendimento do Fisco, vez que os códigos de receita nela previstos não abrangem os rendimentos pagos pelos Municípios às pessoas físicas e jurídicas nos contratos de fornecimento de bens e serviços.

Ora, a previsão, no referido ato normativo (IN RFB nº 1.599/2015), reduz as receitas das entidades políticas, em flagrante submissão fiscal imposta pela União aos Municípios, ferindo, destarte, o princípio federativo.

Isso em razão de a expressão pagos a qualquer título, prevista no artigo 158, inciso I, da Constituição Federal de 1988, ser suficiente para afastar a pretensão do Fisco em limitar, por um ato normativo secundário a partilha constitucional da receita do imposto de renda retido na fonte.

Nada obstante a União reitere, em diversas ações que o art. 158, inciso I, da CF/88 necessita de regulamentação, tal assertiva é desprovida de fundamento, considerando-se que o referido dispositivo é norma constitucional de aplicabilidade imediata e eficácia plena, ou seja, desde a entrada em vigor está apta para produzir efeitos prescindindo de norma integrativa infraconstitucional.

Entretanto, ainda que disponha contrariamente ao prescrito na norma constitucional (art. 158, I, da CF/88), na medida em que obriga a declaração em DCTF e o recolhimento de IRRF sobre os rendimentos pagos pelos Municípios às pessoas físicas e jurídicas nos contratos de fornecimento de bens e serviços, a Instrução Normativa referida, não pode ser objeto de controle concentrado de constitucionalidade através de ADI.

Instruções normativas editadas pela Receita Federal não podem ser declaradas inconstitucionais, através de ação direta, uma vez que não se tratam de lei ou ato normativo, mas, apenas de atos normativos de caráter secundário, constituindo-se em ofensa reflexa ou indireta a CF/88.

Questionando a referida cobrança, em 2016, o Governador do Distrito Federal propôs ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.565, visando a declaração de inconstitucionalidade do artigo 6º, § 7º, da Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil nº 1.599, já referida e das soluções de Consulta COSIT/RFB nº 166 de 22 de junho de 2015 e nº 28 COSIT/RFB , de 29 de março de 2016, não conhecida, em pelo Min. Relator Luiz Fux, sob o fundamento de que, por se tratarem de atos normativos de natureza secundária que encontram fundamento em legislação infraconstitucional, implicam em ofensa indireta ou reflexa à Constituição, não se prestando, assim, a referida ação como meio de impugnação.

Ainda, o art. 85, II, do CTN, no qual se fundamentam os atos normativos referidos, escusando a cobrança segundo a União, por se tratar de norma anterior a CF/88, não pode ser objeto de ADI em razão de impossibilidade de declaração de inconstitucionalidade superveniente de norma anterior a Constituição.

Deveras, cabe, no caso, a análise de ocorrência de recepção do referido dispositivo (art. 85, inciso II, do CTN) pela CF/88 o que, em tese, só poderia ser feito, em sede de controle concentrado, através de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, ou por meio de controle difuso de constitucionalidade.

Posteriormente, em discussão concernente ao tema, foi admitido, em 2017,o Incidente de Resolução de Demanda Repetitiva sob o nº 5008835-44.2017.4.04.0000/RS, com suspensão de todos os processos pendentes na Região.

Logo após, visando à extensão dos efeitos suspensivos, a União apresentou, perante o Supremo Tribunal Federal, pedido de suspensão nacional, deferido em 15/12/2017 e reautuado como SIRDR 1.

Admitido o IRDR no TRF da 4ª Região, foi fixada, em acórdão de 25/10/2018, a tese jurídica segundo a qual “o artigo 158, I, da Constituição Federal de 1988, define a titularidade municipal das receitas arrecadadas a título de imposto de renda retido na fonte, incidente sobre valores pagos pelos Municípios, a pessoas físicas ou jurídicas contratadas para a prestação de bens ou serviços.”

Inconformada com a decisão, a União interpôs recursos especial e extraordinário do acórdão referido.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VALIÑAS, Ana. Do imposto de renda retido na fonte sobre os rendimentos pagos pelos municípios às pessoas físicas e jurídicas . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6204, 26 jun. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/83516. Acesso em: 19 abr. 2024.

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