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Privatividade das atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas

Resumo:


  • O Estatuto da Advocacia estabelece como privativas do advogado as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas.

  • A consultoria jurídica envolve responder questionamentos e indicar caminhos jurídicos adequados, enquanto a assessoria jurídica se relaciona mais com a concretização de projetos jurídicos.

  • A direção jurídica em empresas exige que o diretor ou gerente jurídico seja advogado inscrito na OAB, garantindo a necessidade de qualificação profissional na área.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O Estatuto da Advocacia (Lei Federal n.º 8.906/94) dispõe que são privativas do advogado as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas (art. 1º, inciso II).

Visa o Estatuto, com isso, estabelecer a necessidade de acompanhamento técnico, por advogado, de situações da vida cotidiana que, quando desenvolvidas sob a orientação adequada, dificilmente se transformam em litígio futuro. É a chamada advocacia preventiva. Ressalto que essa exigência de privatividade do advogado ocorre tanto na advocacia pública, quanto na advocacia privada, como na advocacia assistencial [01].

Na atividade de consultoria, o advogado responde a questionamentos formulados por outrem, e aponta o caminho jurídico a ser trilhado como sendo o mais adequado dentro de várias hipóteses. Assim, o consultor faz uma avaliação do que é e do que não é jurídico, do que é permitido ou proibido, apontando soluções às dúvidas do consulente. É atividade que se desenvolve mediante provocação do interessado, que faz ao advogado uma consulta.

Vislumbra-se a consultoria jurídica quando o advogado faz um parecer para sanar dúvidas sobre determinado assunto (lembrando sempre que deve preservar sua independência na interpretação e aplicação do direito), ou quando dá conselhos jurídicos a um cliente, ainda que verbalmente.

No que toca à assessoria, tal atividade tem relação mais estreita com o desenvolvimento de um projeto jurídico, levando a cabo realizações no plano material. Ou seja, é a concretude do direito, manifesta em atos materiais, que visam a uma realização, sob orientação e por vezes até mesmo performance do advogado. Vislumbra-se a assessoria jurídica quando um advogado elabora um contrato, acompanha o cliente a um cartório para efetuar alguma prática de registro público, elabora um termo de transação extrajudicial entre partes em conflito, e assim por diante.

Tanto a consultoria jurídica quanto a assessoria jurídica são privativas de advogado, não podendo exercê-la profissionalmente quem não tenha tal qualidade. Vejamos:

EMENTÁRIO DO CONSELHO FEDERAL DA OAB da OAB: Ementa 121/2000/PCA. Recurso voluntário. Licenciamento. Assessor Jurídico do Ministério Público do Estado do Paraná. Atividade Privativa de advogado. Necessidade de inscrição nos quadros da OAB. Aplicação dos artigos 1º, inciso II, e 3º da Lei nº 8.906/94. Recurso desprovido. (Recurso nº 5.519/2000/PCA-PR. Relator: Conselheiro João Humberto de Farias Martorelli (PE). Relator P/Acórdão: Conselheiro João Otávio de Noronha (MG), julgamento: 17.10.2000, por maioria, DJ 01.06.2001, p. 626, S1e);

EMENTÁRIO DO CONSELHO FEDERAL DA OAB da OAB: Advogado. Licenciamento da advocacia. Exercício do cargo de assessor jurídico do Ministério Público. - É de ser levantada licença de advogado que exerce cargo de Assessor Jurídico do Ministério Público, vez que a assessoria jurídica é atividade privativa de advocacia e esta é privativa de inscrito no Quadro de Advogados da OAB (arts. 1º e 3º, EAOAB). – Recurso que se conhece, mas a que se nega provimento. (Proc. 5.518/2000/PCA-PR, Rel. Leidson Meira e Farias, Ementa 092/2000/PCA, julgamento: 17.10.2000, por unanimidade, DJ 26.10.2000, p. 373, S1e) Similar: Proc. 5.520/2000/PCA-PR, Rel. Fides Angélica de C. V. M. Ommati (PI), julgamento: 17.10.2000, por unanimidade, DJ 20.11.2000, p. 604, S1e).

EMENTÁRIO DO CONSELHO FEDERAL DA OAB da OAB: Atividade privativa de advocacia. Artigo 1º do EAOAB. O procuratório extrajudicial constitui atividade privativa de advocacia, ex vi do inciso II, do artigo 1º da Lei (federal) nº 8.906/94 e artigo 1º do Provimento nº 66/88 da OAB. (Proc. 4.387/98/CP, Rel. José Wanderley Bezerra Alves, j. 20.10.98, DJ 03.11.98, p. 418).

GLADSTON MAMEDE opina que o inciso II do art. 1º do Estatuto da Advocacia seria inconstitucional, porque um professor que responde a uma pergunta de um aluno de uma universidade, não inscrito nas turmas deste professor, portanto sem estar em aula, se por acaso não fosse inscrito na OAB, não poderia respondê-la, pois estaria exercendo consultoria. Dessa maneira, entende irrazoável o dispositivo e o reputa inconstitucional. [02]

Não concordo com esse ponto de vista, pois que se me apresenta equivocado, concessa maxima venia. O que o Estatuto da Advocacia quis dizer ser privativo do advogado é a consultoria em caráter profissional, remunerada e prestada sob a ótica de um serviço contratado.

No exemplo dado pelo brilhante autor em sua obra e acima transcrito, de quem ouso discordar, evidente que ao professor cabe responder às perguntas de seu aluno, tendo o professor o direito de responder às questões que lhe forem formuladas mesmo fora de sala-de-aula, independente de inscrição na OAB, porque nesse caso o professor exerce orientação do aluno através de seu direito constitucional de livre manifestação do pensamento, pautada na liberdade de manifestação intelectual (CF/88, art. 5, inciso IX).

Porém, para exercer a consultoria jurídica em termos profissionais, necessitará o bacharel em Direito obrigatoriamente de inscrição na OAB, porque a própria Constituição Federal estabelece que é livre o exercício de qualquer trabalho,ofício ou profissão, porém desde que atendidas as qualificações exigidas em lei (CF/88, art. 5º, inciso XIII), e a lei, in casu, Estatuto da Advocacia, estabelece claramente que a consultoria jurídica (leia-se: consultoria como atividade profissional de advocacia) é privativa de advogado. Portanto, não vislumbro, ao contrário da opinião do ilustre jurista, qualquer inconstitucionalidade no dispositivo legal em comento.

No que respeita à direção jurídica, o Regulamento Geral (art. 7º), fulcrado no art. 1º inciso II do Estatuto da Advocacia, dispõe também que a função de diretoria e gerênciajurídicas em qualquer empresa pública, privada ou paraestatal, inclusive em instituições financeiras, é privativa de advogado, não podendo ser exercida por quem não se encontre inscrito regularmente na OAB.

A direção jurídica significa que na empresa existe um departamento próprio para tratar das questões jurídicas atinentes à mesma. Veja-se que não se trata de impor a todas as empresas que tenham obrigatoriamente em sua organização um departamento jurídico. Não é disso que se trata. O que diz a lei é que, em havendo departamento jurídico, o diretor do mesmo obrigatoriamente deverá ser advogado, ou seja, bacharel em direito inscrito na OAB.

Por outro lado, a existência de um departamento jurídico na empresa também não impede, de forma alguma, que a empresa contrate outros advogados para representá-la em questões específicas do ponto de vista judicial ou extrajudicial. Ter a empresa um departamento jurídico não a proíbe de contratar outros advogados para patrocínio de causas, elaboração de pareceres ou prestação de assessoria jurídica. Muitas vezes, tal medida é mesmo necessária, diante da constante evolução do direito, e da patente carência de conhecimento especializado em determinados ramos do direito, que fogem ao cotidiano do profissional comum.

Por sinal, entendo saudável que uma empresa de grande porte tenha um advogado generalista na direção de departamento jurídico, para que cuide das questões jurídicas mais corriqueiras, e saiba indicar que tipo de especialista deverá a empresa contratar em casos específicos, de maneira que o diretor de departamento jurídico pode inclusive auxiliar a empresa na escolha de outros advogados a serem contratados, quando tal se fizer necessário.

GLADSTON MAMEDE, comentando a questão, diz:

"Também no que se refere à direção jurídica, a solução não me parece a melhor, criando uma situação de inconstitucionalidade. Não se pode perder de vista, bem a propósito, que a Constituição Federal, em seu art. 1º, inciso IV, afirma que a República tem como fundamentos os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; adiante, o artigo 170 prevê ser a ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, ao passo que seu inciso III [03] dispõe que a livre concorrência constitui princípio da ordem econômica brasileira. A leitura de tais dispositivos deixa patente que, separadas determinadas hipóteses expressas na própria Lei Maior, procura-se garantir uma liberdade de ação, não apenas para os cidadãos, como para os demais sujeitos de direitos e deveres, nomeadamente as empresas. Seguindo tais passos, não me parece ser constitucional a previsão que impede o particular de, na direção de parte dos empreendimentos que compõem seu negócio, ter, obrigatoriamente, um advogado, ou melhor, um inscrito na OAB, considerando que a direção de um departamento é ato de mera gerência." [04]

Com o devido respeito ao autor por quem nutro grande admiração, neste ponto também considero haver equívoco em sua manifestação, de maneira que ouso divergir. É que, no que toca aos valores sociais do trabalho, a lei pode estabelecer critérios para exercício de trabalho, ofício ou profissão, por expressa delegação da Carta da República (CF/88, art. 5º, inciso XIII).

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Necessário, assim, buscar-se a interpretação sistêmica da Constituição, não a pontual. É como ensina IVO DANTAS, reproduzindo palavras de Raul Machado Horta:

"A Ordem Econômica e Financeira não é ilha normativa apartada da Constituição. É fragmento da Constituição, uma parte do todo constitucional e nela se insere. A interpretação, a aplicação e a execução dos preceitos que a compõem reclamam o ajustamento permanente das regras de Ordem Econômica e Financeira às disposições do texto constitucional que se espraiam nas outras partes da Constituição." [05]

Ora, no que toca ao princípio da livre concorrência, o que o Estado não pode impedir é que essa se realize entre empresas, não havendo razões para crer como correta a interpretação de que o Estatuto da Advocacia estaria vedando a livre concorrência de quem se candidataria ao cargo de diretor jurídico. É da livre concorrência entre empresas que trata o inciso IV do art. 170 da Constituição Federal. Ora, quando expressamente reconhece a livre concorrência como princípio da ordem econômica, a Constituição quer evitar monopólios e oligopólios. Por isso, o inciso IV, do art. 170 da CF/88 deve ser interpretado em consonância com o art. 173, §4º do mesmo diploma constitucional, sendo que ambos os dispositivos foram regulamentados pela Lei Federal n.º 8.884/94 (Lei Antitruste).

O inciso II do art. 1º do Estatuto da Advocacia também não fere o princípio da livre iniciativa consagrado no art. 170, caput. De fato, está dentro do conceito de livre iniciativa a liberdade de contratar pessoas para os quadros da empresa. JOSÉ AFONSO DA SILVA é claro quando escreve:

"A liberdade de iniciativa envolve a liberdade de indústria e comércio ou liberdade de empresa e a liberdade de contrato." [06]

Concordo que, não pudesse a empresa contratar quem lhe apraz, na busca do melhor profissional, estar-se-ia retirando-lhe capacidade competitiva e permitindo-se o tratamento desigual. No entanto, a liberdade de contratar, conseqüência do princípio da livre iniciativa, não permite que a empresa contrate pessoas não qualificadas, quando a exigência de qualificação decorrer de lei expressa.

A prevalecer o raciocínio de que a lei não pode delimitar quem pode ser contratado, no plano objetivo, em termos de qualificação profissional mínima, estar-se-ia admitindo como correto o absurdo de permitir que um hospital contratasse alguém que não é médico para realizar cirurgias em pacientes cardíacos, que companhias aéreas contratassem pessoas sem formação em navegação aérea para pilotar aviões, que empresas de transporte pudessem contratar motoristas que não possuem habilitação para guiar caminhões, dentre outras arbitrariedades.

Por esses exemplos, fica fácil perceber que a lei pode estipular, sem incorrer em qualquer inconstitucionalidade, que diretor de departamento jurídico de empresa deve ser advogado. O que o Estado não pode dizer é qual advogado a empresa deverá contratar. Resguarda-se, assim, o princípio da livre iniciativa, de maneira que tenho como constitucional a exigência de que o diretor de departamento jurídico de empresa seja advogado.

À propósito, o diretor de departamento jurídico que não seja advogado estará cometendo a contravenção penal de exercício ilegal da profissão.

Se o contratado é estagiário inscrito (sem habilitação de advogado, portanto) e vier a assumir cargo de direção jurídica, também deverá ser-lhe aplicada a sanção administrativa, após regular processo, para fins de registro junto à OAB.


NOTAS

01 Sobre a indispensabilidade do advogado e também sobre a classificação da advocacia em advocacia privada, advocacia pública e advocacia assistencial (teoria da ramificação tripartite da advocacia), conferir texto de minha autoria: D´ÁVILA, Thiago. Conceito e características da advocacia. Jus Navigandi, Teresina, a. 10, n. 1032, 29 abr. 2006. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/8324. Acesso em: 30 abr. 2006.

02 MAMEDE, Gladston. A Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil. São Paulo: Atlas, 2003, 2ª ed., p. 58-59.

03 O autor alude ao inciso III, mas na verdade quis se referir ao inciso IV, do art. 170 da CF/88, pois é sobre a livre concorrência que se refere seu texto, como deixa claro.

04 Ob. cit., p. 58-59.

05 DANTAS, Ivo. Direito Constitucional Econômico: Globalização e Constitucionalismo. Curitiba: Juruá, 2000, p. 49, apud BARBOSA, Erivaldo Moreira. Direito Constitucional – Uma abordagem histórico-crítica. São Paulo: Madras Editora, 2003, 1ª ed., p. 203.

06 DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 22ª ed., p. 769.

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Sobre o autor
Thiago Cássio D'Ávila Araújo

Procurador Federal da Advocacia-Geral da União (PGF/AGU) em Brasília/DF. Foi o Subprocurador Regional Federal da Primeira Região (PRF1). Ex-Diretor Substituto e Ex-Diretor Interino do Departamento de Contencioso da Procuradoria-Geral Federal (DEPCONT/PGF), com atuação no STF e Tribunais Superiores; Ex-Coordenador do Núcleo de Assuntos Estratégicos do Departamento de Contencioso da Procuradoria-Geral Federal (NAEst/DEPCONT/PGF); Ex-Coordenador-Geral de Matéria Finalística (Direito Ambiental) e Ex-Consultor Jurídico Substituto da Consultoria Jurídica do Ministério do Meio Ambiente (CONJUR/MMA); Ex-Consultor Jurídico Adjunto da Matéria Administrativa do Ministério da Educação (MEC); Ex-Assessor do Gabinete da Consultoria Jurídica do Ministério da Justiça. Desempenhou atividades de Procurador Federal junto ao Instituto Brasileiro de Turismo (EMBRATUR), junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), dentre outras funções públicas. Foi também Conselheiro Titular do Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN). Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN/2001) e Mestre em Direito e Políticas Públicas pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB/2010). Em 2007, aos 29 anos, proferiu uma Aula Magna no Supremo Tribunal Federal (STF).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAÚJO, Thiago Cássio D'Ávila. Privatividade das atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1044, 11 mai. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8369. Acesso em: 23 dez. 2024.

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