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Dilemas éticos e a possibilidade do desvio de conduta

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07/07/2020 às 14:45
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4 - REFLEXOS DA ÉTICA NA CONDUTA HUMANA

Parte do que torna os humanos únicos é a sua liberdade para determinar como deverá agir. Sempre que uma pessoa faz uma escolha, é possível que tenha feito uma escolha diferente.

Para se esboçar ponderações mais contemporâneas sobre ética, sugere-se que o leitor imagine uma pessoa no topo de um prédio muito alto; essa pessoa está em um edifício com mais de cem andares; esse indivíduo pode estar no Edifício Taipei 101 (Taiwan), no One World Trade Center (Estados Unidos) ou, mesmo, no Burj Khalifa (Emirados Árabes). Independentemente da localidade, trata-se de um arranha-céu. Nota-se, porém, a altura, as centenas de andares, os muitos metros, a distância do último andar com o térreo, o concreto, o vento e a proximidade com o céu. Capta-se que a única coisa que impede essa pessoa de cair no vazio é ela mesma e as escolhas que ela vier a fazer; ou seja, a pessoa no topo de um prédio alto pode dar um passo à frente ou recuar; essa pessoa pode se manter segura ou pode colocar em risco a sua própria vida ou a vida de outros.

Nesse horizonte, a ética torna-se possível, pois o ser humano tem o poder de agir contra sua natureza, com base em sua consciência. Isso impede cada indivíduo de, simplesmente, descrever o que provavelmente acontecerá, permitindo-lhe fazer julgamentos sobre o que deve, ou não, acontecer.

Interrogações surgem, a todo instante: “De todas as formas que uma pessoa pode agir, qual é o melhor?” “De todas as possibilidades, qual delas deve trazer a pessoa à realidade?”

Torna-se bastante confortável, seguro e comum, fazer o que sempre foi feito, sem realizar um processo de raciocínio para a resposta a essas e às demais inquirições. A ética, conforme visto, independentemente do filósofo, sofista, pensador, seja brasileiro ou estrangeiro, nos permite assumir a responsabilidade por nossas crenças e ações.

Ao lermos sobre o tema, deveremos nos perguntar: “Como eu decido?” “Quais são meus ‘valores’?” “Quais são meus ‘princípios’?"“Qual é o meu ‘propósito’?”

  • Valores, de maneira condensada, têm relação com o que é bom: são as coisas pelas quais a sociedade luta, deseja e procura proteger.
  • Princípios, sem grande rigor, têm relação com o que é certo: são a descrição de como as pessoas podem, ou não, atingir seus valores.
  • Propósito, por alto, traduz-se na razão de ser: é o que dá vida aos valores e aos princípios de cada pessoa.

Por meio desses conceitos, entendemos a relevância do processo de questionar, de descobrir e de defender os valores, princípios e propósitos individuais e coletivos.

Pela cronologia histórica, a humanidade caminhou em uma longa jornada para descobrir quem era e permanecer fiel a isso, diante das tentações, dos desafios e das incertezas. A vasta literatura comprova que nem sempre foi divertido e nem sempre foi fácil mas os habitantes do planeta comprometeram-se e decidiram por tomar decisões para manter e construir uma vida que seja, verdadeiramente, uma representação de um futuro promissor.

Altivamente, a teoria de criação do universo adotada, a raça humana conheceu a escrita, o fogo, a roda, a eletricidade, o comércio, o dinheiro, o mundo antes e depois de Cristo, impérios, reinados, guerras, pandemias, catástrofes, calamidades, fracassos e muitos sucessos. O percurso, até o dia de hoje, foi extenso, difuso e dilatado.

Diante de tantos fatos históricos envolvendo nossa sociedade, a conduta sempre conduziu o processo decisório de todas as nações e de todos os povos. Talvez por isso, a ética esteja tão atrelada à conduta, pois os efeitos e consequências dos procedimentos e ações refletem diretamente no futuro, com base na vivência do presente e na experiência do passado. Esse é o reflexo da ética na conduta e vice-versa.

4.1 - CASO FICTÍCIO = RECOMPENSA PROFISSIONAL

Para aprofundar o impacto da ética na conduta no ambiente empresarial, será trazido o seguinte caso fictício:

Suponhamos que um chefe passe pelo setor do escritório de um profissional e diga que o trabalho dele (desse profissional) no relatório de marketing ficara excelente e ele (esse profissional), nessa situação, estaria sendo recompensando com uma promoção, a qual seria dada pela chefia. Entretanto, a maior parte do relatório teria sido baseada no trabalho árduo de um outro colega de trabalho desse profissional (profissional que se manteve silente e não contou que outro colaborador houvera contribuído para a execução do trabalho). Ou seja, acontece a promoção para uma pessoa, a qual não foi a única a produzir o relatório. Inclusive, outro colega de trabalho, o qual nem apareceu, foi quem mais contribuiu para o resultado positivo, satisfatório e apreciado pela chefia. Notamos, pelo presente caso fictício, que o profissional, no mundo corporativo, recebera o crédito por algo que outra pessoa realizou em seu ambiente de trabalho, sem sequer notificar sua chefia; sem, sequer, dar o mérito ao outro colaborador.

Salienta-se que, em muitas sociedades, essa atitude, se chegasse ao conhecimento dos superiores do profissional que praticou a apropriação indevida do trabalho intelectual de um colega, seria rechaçada, resultando em possível desligamento (demissão) por justa causa do funcionário.

Para determinadas culturas, essa promoção do funcionário representaria uma vantagem indevida. Para certos grupos sociais, o silêncio do funcionário A seria uma possibilidade de ética nos negócios. Essa ética nos negócios pode se referir aos princípios ou aos valores que geralmente governam a conduta de um indivíduo ou grupo.

Com o caso acima, percebemos que existem diferentes fatores que podem afetar o comportamento ético no local de trabalho, inclusive, de maneira consistente com a forma como o mundo dos negócios vê princípios e valores.

A ética nos negócios tem determinado a conduta cotidiana dos funcionários, dos colaboradores, dos fornecedores e de todas as partes interessadas.

As respostas da ética estão presentes na conduta, na atuação, nas maneiras, nos modos, nos comportamentos de cada indivíduo e da coletividade, em um contexto específico.

Ao se estabelecer essa discussão sobre conduta, promove-se uma meditação sobre a ética que deve lastrear decisões, desde as mais simples até as mais complexas, podendo conceber modificações diárias daquilo que é considerado errado, aplacando desvios. Tendo em vista a grande doutrina, o comportamento ético pode e precisa ser modelado, diariamente, possibilitando, a cada indivíduo, uma ação ética.

A abordagem ética continuada é uma apólice de seguro. Ela oportuniza mitigar as piores consequências, ajudando a evitar" acidentes ", aumentando a conscientização sobre a conduta desejada e realizada. Por isso, as pessoas, desde os tempos mais remotos, têm lutado por agir de maneira consistente, com o que a sociedade e os indivíduos geralmente pensam ser “bons valores”.

O comportamento ético tem reflexos diretos na conduta e tende a ser “bom” para qualquer atividade, seja familiar, seja na saúde, no contato com os filhos, seja no trabalho, no ambiente acadêmico e com os amigos. A conduta que segue os preceitos éticos favorece o respeito pelos princípios morais fundamentais que incluem honestidade, justiça, igualdade, dignidade, diversidade e direitos individuais.

Os profusos pilares da vida de cada indivíduo, quando baseados pela filosofia moral, norteiam a conduta, não importando o obstáculo e a adversidade. Essa circunstância sobrechega aos dilemas éticos, com situações que desencadeiam opções e escolhas. Nesses casos, as diretrizes éticas sociais e pessoais precisam proporcionar um resultado seguro e satisfatório para quem escolhe, mesmo não sendo a atitude mais prazerosa a ser atingida.

Os dilemas éticos pressupõem que aquele que escolhe, cumpra as normas da sociedade, os códigos, as leis, os ensinamentos, as doutrinas, a fim de tornar a escolha satisfatória. As controvérsias éticas são desafios extremamente complicados que não podem ser facilmente resolvidos. Portanto, a capacidade de encontrar a solução ideal, em tais situações, é fundamental para todos.

Por essa razão, toda pessoa pode encontrar um dilema ético em quase todos os aspectos de sua vida, incluindo pessoal, social e profissional.


5 – OS DILEMAS ÉTICOS

Quando a palavra dilema é pronunciada, há o entendimento de que possa existir uma situação, via de regra, problemática, constituída por duas possíveis soluções adversas entre si, mas ambas aceitáveis. O dilema encaminha o raciocínio, o qual parte das premissas contraditórias e mutuamente excludentes mas que, paradoxalmente, indicam o fomento para uma mesma conclusão.

Ao dizermos que determinada pessoa está “enfrentando um dilema”, significa que ela está tendo que decidir por algo difícil. Esse raciocínio configura o dilema que vem sendo estudado, também, a partir da ótica filosófica, consistindo na ideia do argumento, o qual apresenta duas ou mais alternativas, mas com cenários contrastantes.

Costumeiramente, em um dado dilema, quaisquer das hipóteses representarão uma opção satisfatória, sendo que, mesmo distintas, ambas as soluções desencadeiam sensações de descontentamento na pessoa que está sob um dilema.

O dispositivo da filosofia moral encaminha o paradoxo ético ao processo de tomada de decisão entre duas opções possíveis; nenhuma das quais é absolutamente aceitável, do ponto de vista ético. Embora enfrentemos muitos problemas éticos em nossa vida, a maioria deles vem com soluções relativamente diretas.

Frequentemente, os elementos que tornam os dilemas tão complexos estão conectados a questões morais e éticas, valores que regem as condutas das pessoas, em sociedade.

A pergunta que resplende, diante dos dilemas cotidianos que circundam as vidas privadas e públicas de cada indivíduo, é: Por que as pessoas éticas podem vir a fazer escolhas antiéticas?

Os dilemas éticos podem se encontrar em uma situação na qual um agente é moralmente impelido a seguir um curso de ação, aqui, denominada X, e um curso de ação, aqui, denominada Z, mas não pode seguir ambos os caminhos. Nesse contexto, realizar a ação X implica em não fazer a ação Z e vice-versa.

Como observado no quadro mundial atual, todas as nações possuem, cada uma, os seus compilados jurídicos. São amontoados de normas, regras, legislações nacionais, transnacionais e internacionais. São regulamentos que regem as ações cotidianas da humanidade.

5.1 – DO SUPORTE JURÍDICO BRASILEIRO AOS DILEMAS ÉTICOS

Para auxiliar o cidadão em suas decisões, o sistema normativo brasileiro vem promulgando diretrizes. As leis, os princípios, as regras, os regulamentos e os roteiros auxiliam a humanidade nas decisões, para não transpor e nem exceder os parâmetros dos seus direitos e obrigações. Dessarte, todos têm obrigação de cumprir as leis. Mesmo diante de tantas leis, nem todos têm ética para cumpri-las.

No Brasil, temos a Constituição Federal, a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, o Código Civil, o Código de Processo Civil, o Código Penal, o Código de Processo Penal, a Consolidação das Leis Trabalhistas, o Código nacional de Trânsito, Códigos de Ética de Atividades Profissionais (medicina, advocacia, contabilidade, psicologia, etc.), Códigos de Conduta e Integridade de entes públicos e privados, entre inúmeros outros.

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Em nosso país, por exemplo, encontramos o Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal (Decreto nº 1.171, de 22 de junho de 1994), o Código de Conduta da Alta Administração Federal, a Lei que dispõe sobre os crimes de"lavagem"ou ocultação de bens, direitos e valores; a prevenção da utilização do sistema financeiro para os ilícitos (Lei nº 9.613, de 03 de março de 1998), a Lei Anticorrupcao (Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013) e infinitas outras.

Todos os dias, surgem regramentos novos. Regras federais, regras estaduais, regras municipais. Há novos normativos sendo criados e instituídos em entes públicos e entes privados, cotidianamente. Por que será que, diante de tantas normas, as pessoas ainda cometem desvios de conduta?

O mundo globalizado tem exigido, inclusive, por pactos e acordos internacionais, políticas de ética e conformidade, tanto para o setor público quanto para o setor privado. Essas políticas precisam ser constantemente revisadas e disseminadas, além de serem conhecidas por todas as partes interessadas.

O direito brasileiro foi engendrado para comportar a ética, principalmente na esfera jurídica; ou seja, para todos operadores do Direito e para a legislação nacional, a ética seria um conjunto de regras e de condutas que deveriam auxiliar na atividade jurisdicional, visando à boa-fé, o exercício do que é bom, as boas práticas, como também a prevenção da imagem pessoal e profissional do indivíduo e do coletivo.

A estrutura baseada em princípios, o pensamento voltado a todas as camadas sociais, os direitos humanos e fundamentais, no Brasil, permitem que nosso ordenamento jurídico busque, consequentemente, o progressivo respeito às normas de moral e conduta, mesmo diante dos fatos explícitos na realidade brasileira, que apontam para a transgressão ética, em massa.

Diante dessa avalanche normativa (Leis, normas, decretos, resoluções e etc), aparecem conflitos e alternativas onde, não importa o que a pessoa faça, algum princípio ético, infelizmente, ficará comprometido. Entretanto, a análise das opções e de suas consequências fornece alguns elementos básicos para a tomada de decisão.

Parafraseando o poeta, dramaturgo e ator William Shakespeare, “Fazer ou não fazer, eis a pergunta”; “Ser ético ou não ser ético”: eis a questão!

Todos os dias, ao acordarmos, a vida oferece muitas pequenas dúvidas. Entre os impasses, podem estar: a escolha entre duas camisas favoritas; a luta para decidir entre cortar, ou não, o cabelo; fazer exercícios físicos ou descansar; a seleção entre o caminho mais curto e menos seguro ou o mais longo e mais seguro, para se chegar ao mercado.

Dos arbítrios mais simplórios (ações rotineiras e diárias), até os vereditos mais complexos (costume de furar fila; adquirir produtos piratas; pegar um objeto emprestado e não devolver; falar alto ao celular, dentro de lugares públicos; obter vantagem, em cima do sofrimento ou desvantagem do próximo, etc.), o ser humano emerge em deliberações.

Essas e outras escolhas feitas durante a rotina, podem fundamentar o hábito de tomar decisões, mesmo que sem o envolvimento de uma análise das diferentes opções, eliminando aquelas com um ponto de vista antiético e escolhendo a melhor alternativa ética.

A celeuma ética, por apresentar opções, sempre demandará uma predileção. Não escolher uma é a condição que permite à pessoa escolher a outra. Assim, o mesmo ato é necessário e proibido, ao mesmo tempo, estando, pois, condenado a uma falha ética, o que significa que não importa o que uma pessoa escolha ou faça, algo será errado.

Quando um indivíduo depara-se com essas difíceis escolhas, um fracasso ético, raramente, ocorre, por causa de uma tentação mas, simplesmente, porque escolher qualquer uma das ações conflitantes envolve sacrificar um princípio no qual aquela pessoa acredita ou deveria acreditar.

Essa é uma das razões para que o excesso legislativo, seja ele público ou privado, não satisfaz aos quesitos diários, confrontados, todos os dias, pelas pessoas.

As leis não são suficientes para guiar os nacionais de um país à atuação moral, íntegra, digna, honesta, honrada, correta, decente, proba. Esse desempenho é social com seleções próprias ou gerais.

As leis, sem o devido treinamento e comunicação, não permitem que os cidadãos reajam, efetivamente, sem desvio de conduta, até mesmo porque, quando se está diante de um paradoxo ético, a verdade pode se contrapor à lealdade; o individual pode confrontar o coletivo; os curtos prazos podem refutar os longos prazos; a justiça pode impugnar as misericórdias.

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Sobre a autora
Elise Eleonore de Brites

Professora, Palestrante. Advogada, Administradora com formação em Auditoria Líder em ISO 19600 e 37001. Trainer. Coach. Hipnoterapeuta. Agente de Compliance. Pós-graduada em Português Jurídico, bem como em Direito Público com ênfase em Compliance. Estudou no Tarsus American College - Turquia. Foi fundadora da Associação Nacional de Compliance – ANACO. Membro da Comissão de Combate à Corrupção e da Comissão de Compliance da OAB/DF. Vice-Presidente da Comissão de Legislação, Governança e Compliance da Subseção da OAB de Taguatinga. Desde dezembro de 2019 é Agente de Integridade na Assessoria Especial de Controle Interno do Ministério da Justiça. É Analista Superior de uma Grande Estatal Brasileira. Atuou como gestora em entidades públicas e privadas por vários anos. Criteriosa Civilista e Criminalista com vigoroso trabalho na área da Conformidade. Profissional com vários anos de experiência no assessoramento de líderes, alta gestão, bem como auxílio jurídico, incluindo as políticas anticorrupção e a implementação do Programa de Integridade. Com forte atuação nas áreas de Governança, Gestão de Riscos e Compliance, tanto no setor público, quanto no privado. Conferencista, Debatedora e Palestrante nos mais variados temas. É Instrutora do Procedimento de Apuração de Responsabilidade - PAR; Gestão do Programa de Integridade; Código de Conduta e Integridade; Sistema de Compliance entre outros. Sólidos conhecimentos na condução de assuntos de gestão, sobre anticorrupção e mitigação à fraude e due diligences de terceiros, com análise, revisão e implementação de programas de conformidade. Vasta experiência com organismos internacionais no Brasil. Em suas atividades cotidianas, analisa e revisa pautas, constrói mapeamentos de Compliance, realiza auditorias, prima pela aplicação de metodologias de Compliance, trabalha com a aplicação de penalidades, faz investigações in e out company, realiza treinamentos e cursos internos e externos entre outras tarefas atreladas ao cumprimento normativo nacional.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRITES, Elise Eleonore. Dilemas éticos e a possibilidade do desvio de conduta. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6215, 7 jul. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/83761. Acesso em: 24 abr. 2024.

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