Uso de algemas: o limite entre a licitude e o abuso

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10/07/2020 às 02:02
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3. O Uso de Algemas e a falta de fiscalização perante a Súmula nº 11 STF

Criada com o intuito de imobilizar prisioneiros ou agressores as algemas vem sendo usadas desde que o homem aprendeu a manipular o metal. O intuito é claro, imobilizar o agente impossibilitando movimentos sejam com os braços, mãos ou pernas.

O paralelismo entre algema e prisioneiro é notório, a se ver uma pessoa algemada logo de assemelha a concepção de criminoso, concluindo que aquele agente algemado é culpado por um fato delituoso. Tal reflexão acontece de forma involuntária pelo ser humano, em milésimos de segundos o pré-julgamento ocorre, isso em decorrência das referências que qualquer um recebe ao longo da vida. Não é uma questão preconceituosa, mais sim racional, é uma correlação automática do cérebro humano, da mesma forma se assimila fogo a calor.

O pré-julgamento feito a se ver um agente imobilizado é extremamente perigoso, visto que algemas não são sinônimos de condenação, muito menos de periculosidade. A função do objeto é simplesmente limitar a movimentação do algemado para impedir situações de risco. As algemas foram criadas para proteger tanto quem algema como aquele que é algemado, sendo um artifício de extrema utilidade dentro de uma política de segurança pública.

A mais antiga e famosa frase jurídica se aplica perfeitamente para esse cenário: a justiça é cega. O julgamento do acusado deve ser feito baseado nas provas de autoria e materialidade contidas nos autos, deixando de lado qualquer fator estético atribuído ao suposto autor da conduta delituosa. Não importa a etnia ou a condição social, estando ele acorrentado ou solto, nada deve ser levado em consideração no momento de basear a condenação.

A teoria parece simples, mas nada é simples quando se decide o futuro de alguém. Sete jurados, sete cidadãos comuns sem conhecimento jurídico aprofundado com um único objetivo: julgar seu semelhante. Qualquer pessoa que não esteja acostumado com dia a dia do direito criminal se choca ao ver um ser humano de uniforme bege arrastando correntes com dificuldades.

Isso é um fato. Não carece de discussão. Em busca de proteger acusados do preconceito gerado pelas algemas, zelando pelas prerrogativas constitucionais da plenitude de defesa e do devido processo legal, o Código de Processo Penal apresenta em seu artigo 474, § 3o a seguinte redação:

“Não se permitirá o uso de algemas no acusado durante o período em que permanecer no plenário do júri, salvo se absolutamente necessário à ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física dos presentes. ”

O artigo deixa evidenciado que o uso de algemas é exceção, a regra é manter o acusado livre de algemas ou amarras salvo em caso de comprovado risco, esse que deve ser fundamento pelo magistrado por escrito. O assunto é de tamanha importância que foi tema de súmula vinculante do STF:

Súmula vinculante nº 11:

“Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado. ”

A súmula apresenta entendimento inequívoco, a regra é não algemar, sendo que em caso de uso a necessidade deverá ser fundamentada pela autoridade coatora, prevendo inclusive penalidade disciplinar, civil e criminal para o uso indevido de algemas.

Hoje o uso de algemas deve ser fundamentado tanto por autoridades policias como por magistrados em qualquer âmbito processual, seja uma simples condução coercitiva ou durante um complexo plenário do tribunal do júri.

A relevância da súmula está no avanço interpretativo do texto legislativo. Se o uso de algemas gera dano irreparável ao Réu durante julgamento em plenário, logo por lógica se entende que o uso de algemas também gera prejuízo a qualquer cidadão que venha a sofrer com o uso da força pelo Estado. O STF simplesmente pacificou algo que já era óbvio, algemas devem ser medida de ultima ratio, visto que geram constrangimento absolutamente desnecessário quando não há resistência física ou risco de fuga.

O intuito do presente artigo não é divagar sobre a legalidade do uso de algemas, mas sim levar o leitor a refletir sobre a real aplicação da mesma. Para os operadores do direito, aqueles que diariamente constam em atas de audiência, vale a pergunta: estaria a determinação da suprema corte sendo seguida?

É comum avistar Réus completamente acorrentados em plenários do júri por todo território nacional. Advogados combatentes, que lutam pelos interesses de seus clientes, sempre solicitam a retirada dos artefatos, e quando tem seu pedido negado às justificativas são diversas, entretanto sempre as mesmas. Magistrados justificam seus atos usando deis da falta de aparato estatal para realizar a segurança de plenário, como falta de policiamento e agentes penitenciários até mesmo o excesso de familiares do Réu na plateia.

A deficiência de segurança dentro de plenário é um ônus estatal, não podendo gerar prejuízos para o acusado. Fundamentar sentença em falta de efetivo policial ou deficiência nas dependências do plenário é absolutamente inaceitável. O Réu que não oferece risco não pode ser submetido à prejuízo irreparável por conta de falhas estruturais do poder judiciário. Tal preceito afronta o princípio do devido processo legal.

Atualmente a súmula só é empregada em apelações defensivas com base em nulidade absoluta do procedimento, requerendo realização de um novo júri. Não são poucos os casos de os tribunais superiores negarem o provimento do recurso alegando a existência de fundamentação do juízo a quo quanto à necessidade do uso de algemas.

Como de praxe no judiciário Brasileiro, talvez pelo excesso de demanda ou pela carência de um CNJ que fiscalize a produção dos magistrados, a jurisprudência já é pacifica em aceitar absurdos como estes, tornando ainda mais difícil a vida de quem ocupa o banco dos Réus.


4. Ausência de Normatividade

Todos sabem o labor que passa as autoridades policiais por não ter segurança suficiente para que os desempenhos de suas funções sejam garantidos de forma plena, assim como é de ciência e da preocupação de todos à preservação da vida, da incolumidade física do policial e de terceiros, mas sempre se esquecem que o homem não deixa de ser um ser humano quando lhe tem nos pulsos um par de algemas. Os homens são divididos entre bons e maus, mas infelizmente não nos é permitido fazer esta distinção por um breve olhar, então o que sugere muitos é que deixe fluir o amor, e que antes de se tratar o homem tido como delinquente antes de mais nada como um homem não como uma fera. É o que traz Carnelutti (2009), honrosamente em sua obra “As Misérias do Processo Penal”.

Não se pode fazer uma nítida divisão dos homens em bons e maus. Infelizmente a nossa curta visão não permite avistar um germe do mal naqueles que são chamados de bons, e um germe de bem, naqueles que são chamados de maus, Essa curta visão depende de quanto o nosso intelecto não está iluminado de amor. Basta tratar o delinquente, antes que uma fera, como um homem, para descobrir nele a vaga chamazinha de pavio fumegante, que a pena, ao invés de apagar, deveria reavivar.

A prisão mesmo que seja legal, ela nunca deixa de ser vexatória e humilhante, e ainda mais quando se faz o uso das algemas de forma autoritária e desumana. O uso das algemas traz ao ser humano uma carga muito negativa, por isso, a preocupação em se ter normatizado o seu uso, atendendo aos clamores da sociedade menos favorecida que de certa forma sãos tidos de forma errônea como os mais delinquentes e perigosos, um conceito que na realidade não é visto de forma correta.

O que não se deve esquecer é que o uso das algemas é uma exceção, e nunca deve ser vista como uma regra. Ela só pode ser usada nos casos específicos como bem asseverou a súmula 11 do STF, respeitando a dignidade da pessoa humana. Vale salientar também que o acusado não deve ser visto como delinquente e nem se deve usar da classe social para se fazer a justiça, pois o pobre, nem só de condições financeiras, mas bem como de outras pobrezas, antes de mais nada também é um ser humano. É o que Francesco Carnelutti quer dizer nessa passagem da sua obra “As Misérias do Processo Penal” onde afirma que existem aqueles que concebem o pobre com a figura do faminto, outros do vagabundo, outros do enfermo; para ele, o mais pobre de todos os pobres é o encarcerado.

Na ausência de normativa adequada, o que ocorria era na verdade uma busca de interpretação extensiva onde os tribunais pátrios exerciam papel fundamental na correta interpretação dos limites da utilização de algemas e quanto à proporcionalidade no seu manejo.


Considerações finais

Verifica-se neste trabalho de conclusão de curso que é possível mostrar a questão semelhante ao uso das algemas, consoante seu uso pelo abuso de poder e a violação ao princípio da dignidade da pessoa humana. Não se quis reprimir o uso das algemas, por que a mesma se torna necessária para o bom desempenho da atividade policial diante de certos infratores, que não satisfeitos com a prisão, agem de forma violenta.

O que aqui se quis evidenciar foi o mau uso das algemas que por muitos anos tem se passado sem regulamentação efetiva, pois era utilizada de forma arbitrária sem nenhum respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana.

Os excessos por parte das autoridades policiais eram mais visíveis diante das camadas mais pobres da população. O uso indevido das algemas gera abuso de poder e cabe sanção àqueles que infringirem a lei. Hoje, depois da regulamentação específica dada através de uma sumula do STF se busca pela real efetividade do serviço por parte dos policias, e espera-se que o uso indevido das algemas seja punido como forma de atenuar essa barbárie e que se busque a efetividade da proteção da dignidade da pessoa humana, ora muito desvalorizada no mundo moderno.

Com a regulamentação, o uso das algemas será devido em situações específicas, de modo que se buscou mostrar em cada momento, como o último caso, como exceção do uso, priorizando o princípio da dignidade da pessoa humana. Em todos os casos a exceção é o certo, dado somente em casos que se mostre viável e de suma necessidade.

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A problemática do uso de algemas gera críticas e debates em todas as camadas da população brasileira, profissionais da área de segurança pública ou não. Toda Negação de Justiça é Abuso de Poder por atentar contra os Direitos Humanos fundamentais da cidadania. Portanto, todo abuso de autoridade deve ser punido e devidamente responsabilizado, a fim de não causar impunidade penal.

Por óbvio, nada obsta que as autoridades venham a ser responsabilizadas – civil, administrativa e criminalmente – por conta do abuso do uso de algemas, especialmente pela exposição indevida do preso. Existem fartos instrumentos legais para tanto. Constitui quase uma regra geral para os defensores dos Direitos Humanos que é humilhante e degradante para as pessoas o uso de algemas, exceto quando utilizada contra aqueles que violem o pacto social, que esteja em sua flagrância ou quando já condenados ou presos por ordem judicial, bem como devam ser conduzidos sob escolta.


REFERÊNCIAS

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ASSEMBLÉIA GERAL DA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Resolução Nº 34/169, de 17 de dezembro de 1979. Adotou o Código de Conduta para os Responsáveis pela Aplicação da Lei. ONU, 17Dez1979.

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ASSIS, Jorge Cesar. Lições de direito para a atividade das Polícias Militares e das Forças Armadas. 6. ed. Revista e Ampliada. Curitiba: Editora Juruá, 2005.

BALESTRERI, Ricardo Brisolla (organizador) et al. Na Inquietude da Paz. 2. ed. rev. e ampl. Rio Grande do Sul: Gráfica Editora Bertheir, 2003.

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MIRABETE, Julio Fabbrini. Código de processo penal interpretado: referências doutrinárias, indicações legais, resenha jurisprudencial: atualizado até abril de 1999. 6. ed. São Paulo: Atlas, 1999.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal: comentários à Lei nº. 7210. de 11.7.84. 5. ed. rev. E atual. São Paulo: Atlas, 1992.

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2007.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 3. ed. rev.,atual e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005.

Sobre o autor
Giullian Claudino

Formado em Recursos Humanos pela Universidade Norte do Parana de Ensino Unopar 2008/2010 Formado em Direito pela Universidade de Cuiabá Unic Campus Tangará da Serra Faculdade Sociais aplicadas 2013/2018 Pós Graduação em Direito Civil e Direito Processual Civil para Unidom Universidade Bom Pedro II 2017/2018. Pós Graduação Ibra e Faculdade Ideal de Brasília em Direito Público : Constitucional, Administrativo e Tributário com 780 horas 2019/2020.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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