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O ICMS nas operações de arrendamento mercantil (leasing) e o atual posicionamento dos tribunais superiores

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Considerações iniciais

Consoante noticiado em 24/04/2006, a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu, em face de posicionamento recentemente adotado pelo Supremo Tribunal Federal, levar à apreciação da Primeira Seção questionamento sobre a incidência do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS – em mercadoria importada pelo sistema de leasing (arrendamento mercantil). A Primeira Seção do STJ reúne os dez ministros que integram a Primeira e a Segunda Turma e é responsável pela pacificação de jurisprudência relativa às causas envolvendo questões de Direito Público.

Caberá à Primeira Seção decidir se o STJ deve ou não acompanhar o entendimento do STF, que, em julgamento realizado em setembro de 2005, considerou legítima a incidência de ICMS sobre a entrada de mercadorias importadas, qualquer que seja a natureza do contrato internacional de compra.

Adiante, traçaremos algumas considerações a respeito da natureza jurídica do contrato de arrendamento mercantil, seguidas de algumas jurisprudências entendedoras da matéria sob comento, e, ao final, nosso singelo entendimento quanto ao assunto.


Da natureza jurídica e do leasing e do fato gerador do ICMS

Como se sabe, o contrato de leasing (arrendamento mercantil) é atípico, isto é, não se trata de contrato de locação, muito menos contrato de compra e venda.

Trata-se, na realidade, de uma fórmula intermediária entre a compra e venda e a locação, exercendo função parecida com a da venda e compra com reserva de domínio e com a alienação fiduciária, embora oferecendo ao utilizador do bem maior leque de alternativas no caso de a parte não querer ficar com a propriedade do equipamento, ao término do contrato celebrado. Isto é, esgotado o prazo contratual, a arrendatária assume o compromisso de adquirir o bem, renovar a avença ou restituir a coisa. Só por ocasião do exercício da opção de compra é que ocorrerá efetivamente a transferência de titularidade do bem.

O fato gerador é conhecido pelo seu aspecto objetivo ou nuclear, que é uma situação abstrata, descrita na lei, a qual, uma vez ocorrida em concreto, enseja o nascimento da obrigação tributária. Sua definição está no art. 114 do CTN: Fato gerador da obrigação principal é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência.

Pois bem, é sabido que a Constituição Federal outorga competência aos entes de direito público, para que estes exerçam a competência tributária. A definição do fato gerador é incumbência da lei complementar em nível de norma geral, aplicável no âmbito nacional. É o que dispõe o art. 146, III, da CF:

"Art. 146. Cabe à lei complementar:

...

III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:

a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes.

..."

Após a definição do fato gerador, pela lei complementar competente, cabe ao ente político tributante instituir o imposto contemplado pela Constituição Federal, por meio de lei, definindo o seu fato gerador em seus diversos aspectos. É a lei material de cada ente político que cria o imposto previsto na Constituição, definindo o respectivo fato gerador. Caberá, pois, à lei ordinária de cada ente tributante, ao definir o fato gerador, obedecer à lei complementar, porque é de sua competência definir o fato gerador de impostos discriminados na Carta Magna.

Não se trata de dizer que a lei complementar deva sempre prevalecer sobre a lei ordinária, mas que ambas as leis devem submissão direta à Constituição Federal, inexistindo hierarquia entre elas e nem a superioridade eficacial de uma sobre a outra. Relativamente às suas formas de elaboração, pode-se dizer que lei complementar é mais representativa da sociedade, uma vez que foi aprovada pela maioria absoluta dos congressistas.

A Constituição Federal, no art. 155, outorgou competência aos Estados e ao Distrito Federal para instituir o imposto sobre:

"II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal de comunicação, ainda que as operações se iniciem no exterior."

Por sua vez, o parágrafo 2º., inciso IX do mesmo artigo preceitua:

"Incidirá também:

a) sobre a entrada de bem ou mercadoria importados do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade, assim como sobre o serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário da mercadoria, bem ou serviços."

Está perfeitamente claro e visível, aos olhos de qualquer um, que o imposto inserido na competência impositiva estadual diz respeito a operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de.. .", não podendo o disposto no parágrafo 2º. ser interpretado isoladamente.

Mercadoria é o bem destinado ao comércio, à venda. Na verdade, não há diferença entre bem e mercadoria, mas apenas diferença pela sua destinação. Determinado bem pode ser tanto uma mercadoria quanto um simples objeto, conforme a sua destinação. Assim, a expressão "operações relativas à circulação de mercadorias" requer, no mínimo, movimentação da mercadoria que configure um processo desde a sua produção, até o consumidor final. Não havendo deslocamento da mercadoria, ou seja, uma destinação ao consumo ou a uma transferência de titularidade, não há que se falar em circulação de mercadoria.

Após a previsão constitucional do imposto sob comento, cabe à lei complementar definir o seu fato gerador. Trata-se, neste caso, da Lei Complementar no. 87/96, que dispõe, em seu art. 3º. sobre as hipóteses de incidência e não incidência do ICMS, além de hipóteses de exclusão do campo a ser tributado.

Vejamos o que dispõe referido dispositivo:

Art. 3º. O imposto não incide sobre:

...

VIII – operações de arrendamento mercantil, não compreendida a venda do bem arrendado ao arrendatário.

..."

Se operações de arrendamento mercantil, por expressa determinação da lei complementar, aplicável no âmbito nacional, estão expressamente excluídas do campo de incidência do ICMS, impõe-se concluir que qualquer ato tendente à cobrança do referido imposto, sobre as operações de leasing considera-se ilegal e inconstitucional.

O ICMS não incide simplesmente porque os bens circulam fisicamente, mas porque eles são transferidos de uma pessoa para outra e assim por diante. Justamente por isso o próprio STJ já editou a Súmula 166, concluindo que Não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte.


O entendimento profanado pelo E. STF no RE 206.069 e a jurisprudência pacificada pelo STJ

Em 01 de setembro de 2005, o STF publicou em seu site a notícia de que decidiu, no RE no. 206.069, pela legitimidade da incidência de ICMS sobre as importações de bens do exterior sobre o regime de arrendamento mercantil.

Consoante entendimento do STF, caso o bem seja importado, ainda que sob o regime de leasing, o imposto deve incidir simplesmente porque, conforme noticiado, a Constituição elegeu o elemento fático ‘entrada de mercadoria importada’ como caracterizador da circulação jurídica da mercadoria ou bem e dispensou questões acerca dos contornos jurídicos no exterior. Assim, segundo entendimento da ilustre relatora do RE em questão, o fato gerador do ICMS na importação é o mero deslocamento do bem.

Com referido reconhecimento, o STF constitucionaliza a bitributação do leasing, pois admite que a mera entrada do bem no país seja tributada por duas pessoas políticas distintas (União e Estado). E pior, firma ainda mais o clima de insegurança jurídica e desconformidade da jurisprudência nacional, uma vez que contraria o entendimento há muito pacificado no STJ acerca da não incidência do ICMS na importação de bens sob o regime de arrendamento mercantil.

É de se ver que a matéria já está pacificada na jurisprudência do STJ, órgão competente para decidir em última instância sobre questões infraconstitucionais, como é o caso presente.

Em recentes decisões deste Egrégio Tribunal, são consolidados entendimentos no sentido de que não se caracteriza fato gerador do ICMS a importação de mercadoria em contrato de arrendamento mercantil, em conformidade com o que prevê o art. 3º., inciso VIII, da LC 87/96.

RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. IMPORTAÇÃO DE PEÇAS DE REPOSIÇÃO DE AVIÃO. ARRENDAMENTO MERCANTIL. NÃO INCIDÊNCIA DE ICMS. PRECEDENTES.

"A jurisprudência desta eg. Corte é iterativa, no sentido de que a importação de mercadorias mediante contrato de arrendamento mercantil (leasing) não caracteriza fato gerador do ICMS" (AGA n. 343.438/MG, Rel. Min. Peçanha Martins, DJ de 30.06.2003). Na vigência do arrendamento, a titularidade do bem arrendado é do arrendante, admitida a sua transferência futura ao arrendatário. Não há, até o término do contrato, transmissão de domínio, razão pela qual se entende que não existiu circulação do bem para fins de cobrança do ICMS. Nesse diapasão, estabelece o artigo 3º, inciso VIII, da Lei Complementar n. 87/96 que o imposto não incide sobre operações de arrendamento mercantil, não compreendida a venda do bem arrendado ao arrendatário. Recurso especial provido." (RESP 542379 / SP ; RECURSO ESPECIAL 2003/0078332-7, DJ DATA:13/10/2003 PG:00356, Min. FRANCIULLI NETTO, Data da Decisão: 16/09/2003. Órgão Julgador: Segunda Turma.)

No mesmo sentido, temos:

"TRIBUTÁRIO. ICMS. MERCADORIA IMPORTADA SOB O REGIME DE ARRENDAMENTO MERCANTIL. (LEASING). NÃO INCIDÊNCIA. SÚMULA 138/STJ. INOCORRÊNCIA DO FATO GERADOR DO ICMS. AUSÊNCIA DE TRANSFERÊNCIA DO DOMÍNIO.

1. O art. 3º, inciso VIII, da LC 87/96, determina a não incidência do ICMS nas operações de arrendamento mercantil, não havendo qualquer restrição às avenças quanto à mercadorias importadas. 2. "O ISS incide na operação de arrendamento mercantil de coisas móveis."(Súmula n.º 138/STJ) e não o ICMS haja vista que, no caso, não ocorre a circulação de mercadorias, uma vez que não há transferência do domínio do bem. 3. O contrato de leasing, não se caracteriza como de compra e venda pois não ocorre a transferência do domínio do bem adquirido, inocorrendo, assim, o fato imponível do ICMS. 4. Não há circulação de mercadoria no caso de bem adquirido em operação de arrendamento mercantil. Destarte, o disposto no art. 3º, inciso VIII, da LC 87/96 não faz qualquer restrição para a não incidência do ICMS sobre se o bem arrendado provém ou não do exterior. Deveras, a única diferença é que o bem adquirido do exterior, em regra, subsume-se ao imposto de importação, cuja finalidade extrafiscal traça uma linha divisória com o ICMS. 5. Outrossim, um tributo não exclui o outro, por isso que, o bem estrangeiro que se incorpora ao patrimônio do adquirente nacional, sofre dupla exação a saber: imposto de importação e ICMS. Esta é a ratio da legislação invocada pela Fazenda. 6. Não obstante, lex specialis derrogat lex generalis. Tratando-se de "operação de leasing", quer o bem provenha ou não do exterior, não incide o ICMS, nos preciosos termos da LC n.º 87/96. art. 3º, inciso VIII. 7. Recurso especial provido. RESP 439884 / SP ;" RECURSO ESPECIAL 2002/0065655-7, DJ DATA:02/12/2002 PG:00251 RSTJ VOL.:00172 PG:00212, Relator Min. LUIZ FUX, Data da Decisão: 07/11/2002, Órgão Julgador: Primeira Turma.

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Ainda sobre o mesmo aspecto:

RECURSO ESPECIAL - ALÍNEA "A" - TRIBUTÁRIO - IMPORTAÇÃO DE EQUIPAMENTOS HOSPITALARES - ARRENDAMENTO MERCANTIL - ICMS – NÃO INCIDÊNCIA.

"Na vigência do arrendamento, a titularidade do bem arrendado é do arrendante, admitida a sua transferência futura ao arrendatário. Não há, até o término do contrato, transmissão de domínio, razão pela qual se entende que inexistiu circulação do bem para fins de cobrança do ICMS. Por essa razão, estabelece o artigo 3º, inciso VIII, da Lei Complementar n. 87/96 que o imposto não incide sobre operações de arrendamento mercantil, não compreendida a venda do bem arrendado ao arrendatário. Configura fato gerador do ISS a importação de bens em arrendamento mercantil, hipótese prevista no item 79 da Lista de Serviços anexa ao Decreto-lei n. 406/68. Súmula n. 138/STJ. Recurso especial não conhecido." RESP 239331 / SP ; RECURSO ESPECIAL 1999/0106076-1, DJ DATA:02/06/2003 PG:00239, Relator: Min. FRANCIULLI NETTO, Data da decisão: 15/04/2003. Órgão Julgador: Segunda Turma.

Mais recentemente, decidiu o Colendo STJ no Resp 146.389-SP, in DJ de 13-6-2005: ''Não configura fato gerador do ICMS a importação de aeronaves mediante contrato de arrendamento mercantil (leasing)’

Ora, o que importa, para a incidência do imposto, não é o deslocamento físico do bem, mas a transferência da titularidade dele. Por isso que, mesmo sem a circulação física, o imposto será devido, desde que haja a transferência da propriedade do bem.

O próprio STJ, aliás, já se manifestou no sentido de que apenas existe preço de venda quando o adquirente receber a propriedade do bem adquirido, algo inexistente no caso do arrendamento mercantil, como restou demonstrado anteriormente, conforme trechos do voto do Ministro Aldir Passarinho no RE no. 101.103:

"Ora, o valor da operação de que decorre a saída da mercadoria não é, inquestionavelmente, aquele decorrente do aumento de incerteza e futura utilização do financiamento, mas sim aquele estipulado no momento da venda, e pelo qual adquire o titular do cartão de crédito a propriedade do bem adquirido" (LEX 127:125).


Conclusões

Quando a Constituição prevê a incidência do ICMS sobre as importações, obviamente não está e nem poderia estar se referindo à mera entrada do bem no território nacional, uma vez que a mera entrada do bem no território brasileiro (deslocamento físico do bem) já é tributada pela União, por intermédio do imposto de importação.

Considerando-se, portanto, que o ICMS incide somente quando da ocorrência da circulação de mercadorias, resta claro que não se compreende a operação de leasing na sua hipótese de incidência tributária, uma vez que a circulação, para estes efeitos, é compreendida pela transferência da titularidade, inexistente no leasing.

O contrato de arrendamento mercantil não se caracteriza como de compra e venda, pois não ocorre a transferência do domínio do bem adquirido em referida avença, não ocorrendo o fato imponível do ICMS. Só haveríamos que se falar em incidência do ICMS, quando ao final do contrato, em tendo a opção, houvesse a aquisição da mercadoria.

Infelizmente, essa é a triste realidade dos contribuintes, em meio à insegurança jurídica profanada tão naturalmente nos últimos tempos. Não basta simplesmente conviver com uma legislação tão complexa e inovadora a cada dia, além das leis cada vez mais confusas e a elevadíssima carga tributária. A insegurança agora vem do próprio Poder Judiciário, que em tese deveria proceder de forma contrária, de forma a esclarecer as obscuridades e firmar entendimentos, para garantir maior segurança e conforto para os contribuintes brasileiros.

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Sobre a autora
Aline Aparecida da Silva Tavares

advogada em São Paulo (SP), associada a Marino Válio Advogados Associados, especialista em Direito Empresarial pela Universidade Mackenzie, pós-graduada em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TAVARES, Aline Aparecida Silva. O ICMS nas operações de arrendamento mercantil (leasing) e o atual posicionamento dos tribunais superiores. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1050, 17 mai. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8395. Acesso em: 22 nov. 2024.

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