A Emenda Constitucional nº 30, de 13 de setembro do ano 2000, com vigência e eficácia, a partir da data de sua publicação (D.O.U. de 14/09/2000), altera o artigo 100 da Constituição Federal e estabelece a obrigatoriedade de inclusão, no orçamento das entidades de direito público, de verba necessária ao pagamento de seus débitos judiciais, somente a partir do trânsito em julgado das sentenças condenatórias.
Com essa determinação, no texto constitucional, o Poder Legislativo "constitucionalizou" a imoralidade dos precatórios judiciais, possibilitando à Fazenda Pública federal, estadual, distrital, autárquica e fundacional protelar, escandalosamente, até quando não mais puder (e, sempre, assim, poderá protelar, nas vias procedimentais inventivas e abusivas das medidas provisórias, licenciadas pelo Supremo Tribunal Federal, conquanto tumultuárias do devido processo legal) a solução final de qualquer ação judicial de natureza condenatória, com efeitos pecuniários para pagamento pelo erário público de execução precatorial.
Se a obrigatoriedade da inclusão orçamentária de verbas necessárias ao pagamento de débitos fazendários, oriundos de sentenças judiciais, somente surge após o trânsito em julgado dessas sentenças, incentiva-se a protelação oficial do poder público, na solução dos feitos judiciais, de que resulte a Fazenda Pública como devedora, a exemplo dos óbices legais à concessão de tutelas antecipadas com efeitos pecuniários contra o ente público, consagrando-se, nesse contexto, a busca dos precatórios, como armadilhas da imoralidade, da ineficiência e da morosidade da Justiça, por imposição constitucional, no plano normativo, e pelas práticas protelatórias, efetivamente abusivas, das procuradorias fazendárias, no embate judicial, totalmente desconsertado pela desigualdade das partes (particular e poder público) na relação processual.
Como se não bastasse, a malsinada Emenda Constitucional nº 30 acrescenta, no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, o art. 78, com a determinação imoral de que os precatórios pendentes na data de sua promulgação (14/09/2000) e os que decorram de ações iniciais ajuizadas até 31 de dezembro de 1999 serão liquidados pelo seu valor real em moeda corrente, acrescidos de juros legais, em prestações anuais, iguais ou sucessivas, no prazo máximo de dez anos, permitida a cessão de créditos.
Além da flagrante agressão à garantia individual da irretroatividade da lei, que haverá de respeitar o ato jurídico perfeito e a coisa julgada (CF, art. 5º, XXXVI), quando se sabe que muitas dessas ações ajuizadas até 31 de dezembro de 1999, já foram julgadas e muitas já se encontram em fase de execução, instala-se na execução por quantia certa contra a Fazenda Pública (CPC, art. 730, incisos I e II) a imoralidade da moratória precatorial, terrivelmente injusta, pelo prazo de 10 (dez) anos, com possibilidades de "cessão de crédito exeqüendo", a abrir espaço perigoso às negociações ilícitas desses créditos, no mercado negro da agiotagem oportunista, em face da mora precatorial e aflitiva.
Pessoas com idade superior a cinqüenta anos e com dificuldades financeiras serão as vítimas potenciais dessa possível agiotagem desentranhável da mora precatorial em foco.
Os jornais noticiarão, com freqüência e com certeza, os avisos de compra de créditos precatoriais no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais) pela quantia irrisória (com pagamento à vista) de R$ 10.000,00 (dez mil reais), por exemplo, no âmbito da licenciosidade da infeliz Emenda 30, que concorre para saciar a fome vampiresca da ganância capitalista e ampliará o círculo de globalização da pobreza.
Afrontando o princípio da isonomia, a Fazenda Pública executa o contribuinte para lhe pagar em 5 (cinco) dias (Lei nº 6.830/80, art. 8º, caput) o débito fiscal, enquanto credora e, quando se posiciona como devedora do cidadão contribuinte, estipula o prazo de 10 (dez) anos, para cumprimento de sua obrigação fazendária por quantia certa, na execução precatorial.
Isto é imoral e se traduz em negativa de vigência e eficácia dos preceitos constitucionais que nos obrigam no Estado Democrático de Direito, à construção de uma sociedade solidária e justa (CF, art. 1º, caput e 3º, I), com a garantia fundamental do acesso pleno à justiça efetiva (CF, art. 5º , XXXV).
Não há dúvida de que a moratória precatorial em tela se constitui numa grave lesão ao direito da parte vencedora, reconhecido e declarado como tal, na sentença exeqüenda contra a Fazenda Pública.
A moratória precatorial em referência é negativa de Justiça, pois justiça morosa é grave injustiça, contrariando, acintosamente, o reclamo popular, neste final de século.
A Emenda Constitucional nº 30, de 13/09/2000 agride a moralidade pública e consagra a ineficiência da Administração na solução de seus débitos, em tempo razoável, com afronta a princípios do artigo 37, caput, da Carta Magna, anulando, assim, a garantia individual do pleno acesso à Justiça efetiva (CF, art. 5º, XXXV) e, por isso, esbarra na norma proibitiva do parágrafo 4º, inciso IV, do artigo 60, da Constituição da República Federativa do Brasil.
No limiar do terceiro milênio, ainda é válida a sábia afirmação de Otto Bachof, na fala de que, "também uma norma constitucional pode ser nula, se desrespeitar em medida insuportável os postulados fundamentais da justiça"(1), como a que impõe aos credores da Fazenda Pública, na execução por quantia certa, com base em título judicial, a imoralidade da moratória precatorial, na perspectiva de "cessão de crédito" aos agiotas de esquina e do oportunismo, atrelados ao impasse da miséria alheia.
Emendas Constitucionais, como a que ora se analisa, sob o ângulo de seu potencial destrutivo, aniquilam os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (CF, art. 3º, incisos I a IV), que ainda almeja constituir-se em Estado Democrático de Direito e de Justiça, neste e no futuro milênio.
BIBLIOGRAFIA
1 BACHOF, Otto. Normas Constitucionais Inconstitucionais? Editora Atlântica Tradução e nota prévia de José Manuel M. Cardoso da Costa, p. 03.