Descaminho proveniente do Paraguai para o Brasil: uma estimativa

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A questão do comércio ilegal transfronteiriço mobiliza grande esforço humano e financeiro. Estimar o volume de descaminho é relevante para determinar a efetividade e eficácia das políticas públicas de controle no Comércio Exterior.

Sabe-se que a região fronteiriça entre Brasil e Paraguai é foco do comércio de mercadorias há décadas, de modo que várias pessoas vivem da renda obtida nessas atividades, licita ou ilicitamente.

Do comércio irregular podem emanar diversos crimes, tais como contrabando, descaminho, corrupção, lavagem de dinheiro, falsificação de documentos, associação criminosa, dentre vários outros.

Estimar o volume de descaminho é relevante para determinar a efetividade e eficácia das políticas públicas de controle no Comércio Exterior.

Em consulta ao Portal da Transparência do Governo Federal é possível verificar que em 2017 o Brasil obteve aproximadamente R$ 2.56 trilhões, a título de Receita Realizada Total, apenas na esfera federal.

Segundo o Instituto Brasileiro de geografia e Estatística – IBGE, o PIB do Brasil em 2017 foi quase 6.6 trilhões de reais, o que significa que quase 40% do PIB brasileiro entrou nos cofres públicos apenas a título de Receita Realizada na esfera federal, sendo as demais receitas, de competência dos Estados e Municípios, desconsiderados, o que implica concluir que, naturalmente, a porcentagem do PIB brasileiro contabilizada a título de entrada nos cofres públicos é muito maior do que 40%.

Para as próximas considerações é importante apresentar um conceito definido pela Organização Mundial do Comércio: trade per capita no registro Perfil de Comércio de 2017 (Trade Profiles 2017).

Trade per capita is estimated as an economy’s trade of goods and commercial services (average of exports and imports, balance of payments basis) divided by the population. It is calculated on the basis of data for the three latest years available.

Em tradução livre, o comércio per capita ou troca per capita (trade per capita) é estimado como a troca econômica de bens e serviços comerciais (média de exportações e importações, base do balanço de pagamento), dividida pela população, calculada sobre a base de dados dos últimos três anos disponíveis. Doravante nos permitiremos utilizar o termo adotado pela OMC: trade per capita.

Segundo os dados apresentados no sítio virtual da Organização Mundial do Comércio – OMC, acessados em maio de 2018, a trade per capita do Paraguai, entre 2014 e 2016 foi de 1.770 dólares. A trade per capita do Brasil no mesmo período, foi de 1.192 dólares, a da Argentina foi de 1.734 dólares, a do Peru foi de 1.414 dólares, e do Uruguai em 3.645 dólares, estando estes dados consolidados na Tabela 1.

O sítio virtual do Banco Mundial, quanto ao PIB per capita, informa que o PIB per capita do Paraguai em 2017 foi de US$ 5.680,60, enquanto o PIB per capita do Brasil foi de US$ 9.925,40. O PIB per capita da Argentina foi US$ 14.591,90, o do Peru foi de US$ 6.710,50, e do Uruguai foi de US$ 17.322,10 consolidados da Tabela 1, todos conforme sítio virtual do Banco Mundial.

País

Trade per Capita (US$)

PIB per Capita (US$)

TpC/PIBpC

Brasil

1192

9925.4

0.1200959155

Paraguai

1770

5680.6

0.3115868042

Argentina

1734

14591.9

0.1188330512

Peru

1414

6710.5

0.2107145518

Uruguai

3645

17322.1

0.210424833

Tabela 1 - Trade per Capita e PIB per Capita e sua proporção para o ano de 2017.

A proporção se refere à proporção de quanto do PIB per capita foi utilizado em bens relacionados ao comércio exterior englobados na cifra da Trade per Capita.

Verifica-se que o Paraguai possui uma alta proporção entre Trade e PIB per capita, enquanto que Brasil e Argentina, países vizinhos, tem uma proporção baixa quando comparados aos países próximos Peru e Uruguai.

Ou seja, é plausível supor que a distorção entre a proporção seja advinda da cifra negra relativa ao descaminho, o que significaria que, na realidade, a Trade per Capita do Brasil e mesmo da Argentina, sejam maiores, mas não o são devido ao fato dos dados não aparecerem nos registros oficiais, uma vez que são derivados de bens advindos sem pagamento de tributo do vizinho, Paraguai. De forma análoga, é plausível supor que a Trade per Capita do Paraguai está superavaliada e que na realidade é menor, uma vez que os bens que advém do comércio exterior não ficam no Paraguai em si, mas são deslocados para Brasil ou mesmo para Argentina, mediante descaminho, integrando uma cifra negra abaixo dos radares fiscais, mas que grita aos olhos quando analisadas em comparação aos países próximos.

Ou seja, supondo-se que os gastos com trade per capita do paraguai sejam tão somente algo como 10% menores, significaria uma Trade Per Capita aproximadamente US$ 200 menor, reduzida para US$ 1.570,00. Supondo que esse seja o valor correspondente à cifra negra do descaminho que vai especificamente para o Brasil, a Trade per Capita do Brasil deve aumentar em US$ 200, subindo para US$ 1.392, o que nos dá nova Tabela 2 estimada:

País

Trade per Capita (US$)

PIB per Capita (US$)

TpC/PIBpC

Brasil

1392

9925.4

0.1402462369

Paraguai

1570

5680.6

0.2763792557

Argentina

1734

14591.9

0.1188330512

Peru

1414

6710.5

0.2107145518

Uruguai

3645

17322.1

0.210424833

Tabela 2 -Trade per Capita e PIB per Capita e sua proporção para o ano de 2017, com correção de US$ 200 na Trade per Capita entre Brasil e Paraguai.

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Perceba que o Paraguai continua consumindo mais do que os países próximos e a o Brasil continua bem abaixo da média.

A população do Paraguai é de aproximadamente 6,8 milhões de habitantes e a população do Brasil é de aproximadamente 207 milhões em 2017, de modo que a população paraguaia é equivalente a pouco mais de 3% da população brasileira, conforme dados do sítio virtual do grupo do Banco Mundial.

Nesse contexto, o valor global transferido de Paraguai para Brasil pode ser obtido multiplicando-se a Trade Per Capita (US$ 200) pela população do Paraguai (aproximadamente 6,8 milhões de habitantes), que nos entrega o valor estimado de descaminho do Paraguai para o Brasil de US$ 1,36 bilhões no ano de 2017.

São necessárias algumas considerações adicionais a respeito dos resultados obtidos com este trabalho.

O valor de US$ 1,36 bilhões parece grande se individualmente considerado, mas é uma gota perto do valor do PIB brasileiro (6,6 trilhões de reais).

Não obstante, consideramos que esta é uma estimativa extremamente conservadora, muito abaixo do valor real do descaminho que advém ao Brasil especificamente do Paraguai. Primeiro, porque ainda há grande distorção na tabela de correlação entre Trade e PIB per Capita, de modo que até o dobro disso poderia ser aceitável.

Ademais, mesmo o dobro dessa estimativa em descaminho (US$ 2,72 bilhões), não englobaria toda a cifra negra referente ao descaminho, uma vez que seria ingênuo e pueril considerar que todo o valor que entrou e saiu de Paraguai, Brasil e demais países, está englobado na cifra da OMC Trade per Capita.

É plausível supor que valor considerável seja movimentado ao redor do globo abaixo dos radares, em valores pendentes de declarações, com declarações a menor ou cujo bem oficialmente discriminado não corresponda ao efetivamente transportado. Caso isso não ocorresse, seriam desnecessários os esforços dos diversos governos para se fiscalizar e controlar o Comércio Internacional, o que não é verdade. O controle sobre o Comércio Exterior é extremamente necessário e relevante.

É de conhecimento geral que a região fronteiriça entre Brasil e Paraguai há décadas é foco do comércio irregular de mercadorias, de modo que várias pessoas vivem da renda obtida nesse comércio. Uma vez que o volume de mercadorias entra irregularmente, está fora das possibilidades reais de controle do governo nacional, atuando os órgãos de fiscalização e repressão a esse tipo de ilícito em uma função de “enxugar gelo”. Desse comércio irregular emanam diversos crimes, tais como contrabando, descaminho, corrupção, lavagem de dinheiro, falsificação de documentos, falsificação de bens, marcas e patentes, associação criminosa, e na esteira da logística para entrada do descaminho e contrabando vêm o tráfico de drogas, de medicamentos, de armas, de munições, roubo de cargas, homicídios (“queima de arquivo”, “acerto de contas”), dentre outros crimes.

A questão do descaminho é séria, e, como tal, deve ser tratada com seriedade pelo Estado, voltado a prover condições adequadas para o desenvolvimento de economia, sem deixar de lado o aspecto social e humano envolvidos, em congruência com a proteção constitucionalmente assegurada da dignidade da pessoa humana.

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Sobre o autor
Hugo Thales de Araujo Oliveira da Silva

Bacharel em Engenharia de Computação e Direito, com Especialização em Direito Civil. Amante de leitura e escrita. Se não estamos aqui para melhorar, então para quê?

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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