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A inconstitucionalidade da atual forma de ingresso de ministros e conselheiros aos Tribunais de Contas.

A infração ao princípio da separação dos poderes decorrentes das listas triplas e sêxtuplas

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18/05/2006 às 00:00
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6.A Interpretação Constitucional: Interpretação Conforme e a Inconstitucionalidade Parcial sem Redução de Texto

            Conforme observado no capítulo anterior, o constitucionalismo contemporâneo, visando prestigiar o legislador, tem rejeitado a tese das normas constitucionais inconstitucionais ou antinomias constitucionais, construindo as técnicas da ‘interpretação conforme’ e da ‘inconstitucionalidade parcial sem redução de texto’, com vistas a encontrar determinado sentido que seja compatível com o sistema jurídico do país, especialmente com o sistema constitucional e seus princípios.

            Assim, importante aqui examinar os critérios da interpretação conforme e da inconstitucionalidade parcial sem redução de texto, fixando suas diferenças e semelhanças, destacando-se que ambas são espécies do gênero ‘decisões interpretativas’. Conforme Streck [15], ambas adicionam sentido ou reduzem incidência de sentidos normativos estabelecendo correções à atividade legislativa. Prestigia-se, assim, a legislação não expungindo o texto do sistema jurídico, mas outorgando-lhe sentido compatível com tal sistema.

            A interpretação conforme, também denominada de decisão interpretativa de rejeição significa que a norma é constitucional, se interpretada num sentido de adequação ao sistema constitucional.

            Pela ‘inconstitucionalidade parcial sem redução de texto’, também denominada de decisão interpretativa de acolhimento (de acolhimento parcial) ou inconstitucionalidade parcial qualitativa, julga-se inconstitucional o preceito ‘enquanto’ ou ‘na medida em que’ ou ‘na parte em que’ incorpora uma certa dimensão aplicativa, declarando-se inconstitucional um certo segmento ou seção da norma questionada [16].

            Destaca Streck [17] que na interpretação conforme se tem a declaração de que uma lei é constitucional com a interpretação que lhe é conferida pelo órgão judicial, enquanto na nulidade parcial sem redução de texto ocorre uma exclusão, por inconstitucionalidade, de determinada hipótese de aplicação do programa normativo sem que se produza alteração expressa do texto legal.

            Em suma, a Corte diria que a norma impugnada é constitucional se se lhe der a interpretação que o Tribunal entende compatível com a Constituição.

            Jorge Miranda [18] leciona que há sempre que interpretar a Constituição, como há sempre que interpretar a lei. Só através dela, a partir dela, mas sem parar na letra, encontra-se a norma ou o sentido da norma.

            Observa o autor [19] que hoje é unânime o reconhecimento da importância da interpretação constitucional – não só para o juiz que tem o dever de desaplicar normas inconstitucionais, mas também para os cidadãos em geral, chegando-se ao ponto de defender-se a necessidade de uma "sociedade aberta de intérpretes da Constituição, especialmente no domínio dos direitos fundamentais, como expressão de uma res pública".

            Reconhece a "existência de fatores de perturbação com os quais se deparam os operadores do direito, destacando a variedade de normas constitucionais quanto ao objeto e eficácia, a incompleição ou indeterminação de muitas delas; a linguagem; a proximidade dos fatos políticos e a ‘rebeldia’ destes perante os quadros puramente lógicos da hermenêutica; a influência ineliminável da ideologia, pelo menos da ‘pré-compreensão’ de cada intérprete, num contexto plural e complexo; os diferentes critérios por que se movem os órgãos políticos, administrativos e jurisdicionais e as possíveis atitudes dos respectivos titulares; a origem compromissória de não poucas Constituições, marcadas por princípios diferentes, quiçá discrepantes (como a Constituição Portuguesa de 1976 ou a Brasileira de 1988)" [20].

            Aponta [21], para em seguida o criticar, que entre os caminhos indicados para superar tais obstáculos, tem-se recorrido à tópica de Theodor Viehweg onde "quaisquer problemas de interpretação e aplicação seriam aqui situados diante de tópicos, lugares-comuns ou argumentos a extrair de princípios gerais, de decisões jurisprudenciais ou de crenças e opiniões comuns; e, em vez de se procurarem as soluções em abstracto através de um raciocínio dedutivo e sistemático sobre as normas, elas haveriam de ser ensaiadas a partir dos próprios problemas em concreto nas circunstâncias em que surgem; a tópica é a técnica de pensar por problemas (ou de pensar de baixo para cima, em termos dialéctivos)".

            Observa que o método tópico, na mesma linha de Canaris [22], serve para completar ou comprovar resultados adquiridos de outra forma, pois o recurso não está experimentado o suficiente para demonstrar sua eficiência, havendo grande risco, em especial no domínio do direito constitucional, de ele conduzir a uma casuística pouco fecunda.

            Aponta que mesmo um autor como Konrad Hesse [23] que enfatiza o caráter aberto e criador da interpretação constitucional, em necessário contato com o problema, entende que o método tópico apenas pode ter um lugar limitado, tanto que o direito constitucional enquanto direito fundamental da ordem global e concebido como ordem de convivência não deve ser compreendido pontualmente, a partir de um problema isolado.

            Aponta Jorge Miranda [24] os seguintes pontos de apoio para uma adequada interpretação constitucional:

            - "A Constituição deve ser apreendida, a qualquer instante, como um todo, na busca de uma unidade e harmonia de sentido. O apelo ao elemento sistemático consiste aqui em procurar as recíprocas implicações de preceitos e princípios em que aqueles fins se traduzem, em situá-los e defini-los na sua inter-relacionação e em tentar, assim, chegar a uma idônea síntese globalizante, credível e dotada de energia normativa;

            - isto se aplica particularmente ao chamado fenômeno das ‘contradições de princípios’, presente nas Constituições compromissórias e, não raro, noutros setores além do Direito constitucional. Tais contradições hão de ser superadas, nuns casos, mediante a redução adequada do respectivo alcance e âmbito de cedência de parte a parte, e, noutros casos, mediante a preferência ou prioridade, na efectivação, de certos princípios frente aos restantes – nuns casos, pois, através de coordenação, noutros através de subordinação. Tem de fazer-se, por conseguinte, um esforço de concordância prática, assente num critério de proporcionalidade. E pode ter de se solicitar (mesmo sem se aderir a todas as premissas do puro método valorativo) a ponderação ou hierarquização dos valores inerentes aos princípios constitucionais;

            - um paralelo esforço, agora de determinação ou de densificação, tem de ser levado a cabo relativamente aos chamados conceitos indeterminados. Estes têm de ser entendidos sempre na perspectiva dos princípios, valores e interesses constitucionalmente relevantes. É indispensável reconhecer ao legislador uma margem relativamente grande de conformação, mas ele não pode ‘transfigurar o conceito, de modo a que cubra dimensões essenciais e qualitativamente distintas daquelas que caracterizam a sua intenção jurídico-normativa’; e o que se diz do legislador deve dizer-se, até por maioria de razão, do intérprete;

            - diversos dos conceitos indeterminados, mas pondo problemas algo parecidos, são os conceitos pré-constitucionais ou exógenos – conceitos vindos de outros setores e ramos do direito, ou extrajurídicos, vindos de outras ciências; e com estes, entra largamente a realidade constitucional a agir. Ora, todos os elementos e conceitos, uma vez situados em disposições da Constituição formal, têm de ser entendidos em conexão com os demais e analisados tendo em conta quer o seu originário sentido (em princípio, ‘recebido’), quer o que lhe advém da sua colocação sistemática.

            - deve assentar-se no postulado de que todas as normas constitucionais são verdadeiras normas jurídicas e desempenham uma função útil no ordenamento. A nenhuma pode dar-se uma interpretação que lhe retire ou diminua a razão de ser. Mais: a uma norma fundamental tem de ser atribuído o sentido que mais eficácia lhe dê; a cada norma constitucional é preciso conferir, ligada a todas as outras normas, o máximo de capacidade de regulamentação. Interpretar a Constituição é ainda realizar a Constituição;

            - nem isso é infirmado pelo carácter ‘aberto’ das normas programáticas ou, em geral, das normas não exeqüíveis por si mesmas, as quais, desempenham o seu pAPEL próprio, por um lado, incorporando preceitos objectivos e valores e, por outro lado, propiciando ao legislador ordinário (e, em democracia pluralista, portanto ao povo) uma margem maior ou menor de concretização e de variação consoante as conjunturas e as opções políticas;

            - os preceitos constitucionais devem ser interpretados não só no que explicitamente ostentam como também no que implicitamente deles resulta. Contudo, a eficácia implícita de quaisquer preceitos deve, por seu lado, ser pensada em conjugação com a eficácia, implícita ou explícita, dos outros comandos (é isso o que acontece, nomeadamente, no domínio das competências dos órgãos, onde é usual falar em poderes implícitos);

            - todas as normas constitucionais têm de ser tomadas como normas da Constituição actual, da Constituição que temos (conquanto com carácter prospectivo), e não como normas de uma Constituição futura, cuja execução não vincule, desta ou daquela maneira, os órgãos de poder e o legislador ordinário. E tão-pouco podem reconduzir-se ao absurdo por impor aos seus destinatários não o possível, mas o impossível;

            - na interpretação de preceitos da Constituição, é legítimo e pode ser conveniente considerar o modo como são aplicados na prática, em especial através da lei e das decisões dos tribunais. Todavia, evidentemente, não é o sentido que daí decorra que, só por isso, deve ser acolhido – porque não é a Constituição que deve ser interpretada em conformidade com a lei, ma sim a lei que deve ser interpretada em conformidade com a Constituição".

            Um dos métodos consagrados pelos modernos sistemas hermenêuticos e que busca salvaguardar a autonomia entre os Poderes, em especial o Legislativo, é o da interpretação conforme a Constituição.

            Hesse [25] observa que pela interpretação conforme à Constituição deve-se evitar a declaração de inconstitucionalidade da norma se for possível extrair sentido que a coloque em sintonia com o sistema constitucional. O método torna a interpretação extensiva ou restritiva em alternativa legítima para o conteúdo de uma norma que aparenta ser inconstitucional, salvando-se os atos normativos, na medida do possível.

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            Jorge Miranda [26] ao comentar a interpretação conforme observa que "cada norma legal não tem somente de ser captada no conjunto das normas da mesma lei e no conjunto da ordem legislativa; tem, outrossim, de se considerar no contexto da ordem constitucional; e isso tanto mais quanto se tem dilatado, no século XX, a esfera de acção desta como centro de energias dinamizadoras das demais normas da ordem jurídica positiva". A interpretação conforme, segundo o autor "não consiste então tanto em escolher entre vários sentidos possíveis e normais de qualquer preceito o que seja mais conforme com a Constituição quanto em discernir no limite – na fronteira da inconstitucionalidade - um sentido que, embora não aparente ou não decorrente de outros elementos de interpretação, é o sentido necessário e o que se torna possível por virtude da força conformadora da Lei Fundamental. E são diversas as vias que, para tanto, se seguem e diversos os resultados a que se chega: desde a interpretação extensiva ou restritiva à redução (eliminando os elementos inconstitucionais do preceito ou o do acto) e, porventura, à conversão (configurando o acto sob a veste de outro tipo constitucional. Destaca que as normas constitucionais não são apenas normas parâmetro; são também ‘normas de conteúdo’ na determinação do conteúdo das leis ordinárias.

            A "interpretação conforme", leciona SCHIER [27], "obriga a formação de um comando de otimização material da ordem jurídica, devendo impor a construção de uma norma que atribua "a" maior eficácia e efetividade possíveis (ou seja, maior afirmação social dos valores constitucionais). Por isso, o princípio da interpretação conforme, sob a leitura da filtragem, transmuda-se para um princípio de dimensões formais e materiais porque deve conferir a maior eficácia jurídica e também social da norma constitucional".


7.A Dimensão dos Princípios: Vigas Mestras do Sistema Jurídico

            A teoria jurídica contemporânea classifica os princípios jurídicos como normas jurídicas-princípios, ao lado das conhecidas normas jurídicas-regras. A aplicação das regras se resolve no plano do tudo ou nada, ou seja, incide ou não incide determinada regra jurídica em determinado caso concreto. Os princípios, por outro lado, não possuem hierarquia e não se repelem e é o caso concreto que determinará que princípio incidirá em cada situação. Assim, o conflito principiológico se resolve no plano da ponderação, do sopesamento, da relevância do caso concreto e da tutela jurídica que ele requer para a boa e adequada solução do caso.

            A violação de um princípio segundo Bandeira de Mello [28] é o ataque mais violento à Constituição, pois representa a insurgência contra todo o sistema jurídico de um país, subversão de seus valores fundamentais.

            Segundo Ataliba [29], "o princípio aponta a direção, o sentido em que devem ser entendidas as normas que nele se apóiam, e ressalta não poder o intérprete extrair conclusão que contrarie um princípio, lhe compromete as exigências ou lhe negue as naturais conseqüências" [30].

            Colhendo lições de Gordillo [31], observa Ataliba que o princípio determina em forma integral qual deve ser a substância do ato pelo qual se o executa: o princípio é o limite e conteúdo.

            Ainda com Gordillo [32] tem-se que "o princípio exige que tanto a lei como o ato administrativo respeitem seus limites e tenham um mesmo conteúdo, sigam sua direção, realizem seu espírito, especialmente porque esses conteúdos básicos da Constituição regem toda a vida comunitária e não somente os atos que mais diretamente se referem ou às situações que mais expressamente contemplam".

            Para se compreender a dimensão de um princípio e sua importância para o sistema jurídico brasileiro, importa colacionar a lição de Bandeira de Mello [33] para quem "princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo".

            Afirma Bandeira de Mello [34] que "violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou de inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa a insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a ser arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra".

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Sobre o autor
Vicente Higino Neto

advogado em Curitiba (PR)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HIGINO NETO, Vicente. A inconstitucionalidade da atual forma de ingresso de ministros e conselheiros aos Tribunais de Contas.: A infração ao princípio da separação dos poderes decorrentes das listas triplas e sêxtuplas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1051, 18 mai. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8422. Acesso em: 26 abr. 2024.

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