A Lei nº 13.718, de 24 de setembro de 2018: potencial de proteção ou resposta simbólica do direito penal?

27/07/2020 às 22:51
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A Lei 13.718 de 24 de setembro de 2018 trouxe importante avanço no combate a violência digital contra a mulher. Em um mundo onde as tecnologias da informação estão sempre presentes, este dispositivo tem real poder de proteção ou é uma resposta simbólica?

A Lei nº 13.718, de 24 de setembro de 2018, foi produzida com o objetivo de modernizar a legislação em se tratando de importunação sexual. Ela altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, tipificando os crimes de divulgação de cenas de estupro e importunação sexual, tornando a natureza da ação penal pública incondicionada, ou seja, não há necessidade de representação ou manifestação do ofendido, como observa o Artigo 100, caput, primeira parte, do Código Penal Brasileiro.

Tamanha é a ofensa ao bem jurídico tutelado, que há interesse do Estado em proteger o cidadão, quando da incidência da conduta abjeta, mesmo que esse não se manifeste para tanto, conforme explica Capez (2010, p.564), “[...] O Ministério Público promoverá a ação independentemente da vontade ou interferência de quem quer que seja, bastando, para tanto, que concorram as condições da ação e os pressupostos processuais”.

Capez (2010, p.564) complementa, ainda, que “Há crimes que ofendem sobremaneira a estrutura social e, por conseguinte, o interesse geral. Por isso, são puníveis mediante ação pública incondicionada’’. Essa análise valida o fato de que a importunação sexual não poderia ser uma ação penal condicionada, outra modalidade de ação penal, onde nesta, a ação está condicionada à representação do ofendido, como observa Santos (2012, p. 632):

A ação penal pública pode subordinar-se a determinadas condições estabelecidas expressamente pelo legislador no interesse do ofendido, ou do titular do bem jurídico lesionado: é a ação penal pública condicionada referida na parte final do dispositivo acima citado (art. 100, § 1º, segunda parte, CP). A condição exigida pela lei para exercício da ação penal pública pode consistir (a) em representação do ofendido, ou (b) em requisição do Ministro da Justiça (exceções ao princípio da oficialidade).

Cabe ressaltar que a Lei 13.718 de 24 de setembro de 2019, foi sancionada pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal, à época, Min. José Antônio Dias Toffoli, no exercício da Presidência da República e representou significativo avanço na tratativa do tema, uma vez que, em seu Artigo 218-C (Lei n.13.718, de 24 de setembro de 2018), a referida legislação trata, pontualmente, do oferecimento, troca, disponibilização, transmissão ou venda de conteúdos de cunho sexual sem o consentimento da vítima. No seu parágrafo 1§ a Lei n.13.718, de 24 de setembro de 2018, inculca o aumento da pena de um terço a dois terços, quando o crime é cometido com intuito de vingança ou humilhação.

Art. 218-C Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio - inclusive por meio de comunicação de massa ou sistema de informática ou telemática -, fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro de vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua prática, ou, sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia:

Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o fato não constitui crime mais grave.

§ 1º A pena é aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) se o crime é praticado por agente que mantém ou tenha mantido relação íntima de afeto com a vítima ou com o fim de vingança ou humilhação. (BRASIL, 2014)

Bittencourt (2018) coloca que a tipificação dos crimes contra a dignidade sexual representa significativo progresso na legislação penal, tendo em vista que preenche relevantes lacunas que até então não tinham a devida tutela. Ao alcançar às mulheres, ainda que essas não sejam exclusivamente sujeitos passivos do tipo, resguardo jurídico penal contra a prática de atos de libidinagem e divulgação de cenas de sexo ou de pornografia sem o consentimento da vítima, a Lei 13.718 demostra sua real preocupação: a importunação sexual, crescente forma de violência contra a mulher.

Ao comparar a Lei 13.718 com as demais normas já vigentes, pode-se observar que há um olhar mais atento daquela em relação a estas quanto à divulgação de material íntimo sem o consentimento, visto que, até então, proteção na seara criminal somente sob o prisma da mácula a honra. A própria Lei Carolina Dieckmann tratava o assunto com outro viés, voltado à pretensão de obter vantagem com o material divulgado, e não para satisfazer desejos sórdidos, como apregoa o tipo penal previsto na Lei 13.718.

Desta forma, é possível observar que, por mais que cunhar uma lei penal seja a ultima opção para reprimir determinada conduta, a Lei 13.718 vem para coibir uma prática que até então não tinha real proteção no ordenamento jurídico. Não é notícia nova que crimes desta natureza são perpetrados majoritariamente contra as mulheres, e a promulgação da referida lei não é ato simbólico: sua capacidade protetiva vai além da indenização pelo dano no campo cível, vai além da proteção da retirada do conteúdo das redes, sua capacidade de proteção está em aplicar a sanção mais gravosa contra um ato de pura covardia e crueldade.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Compreender como a mulher era tratada nos tempos primórdios e poder avançar no tempo com os registros históricos chegando à contemporaneidade e o tratamento jurídico dado às violências que estas são submetidas, é ver que ainda tem-se que avançar enquanto sociedade para poder dizer que somos realmente civilizados.

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A legislação, tipificando as condutas, prevendo ela reparações cíveis ou penais, trata somente do efeito, não atingindo a causa, o que demonstra a importância da conscientização da sociedade. A dominação masculina, enquanto realidade histórica, representa a real ameaça às mulheres, que em relacionamentos abusivos são submetidas a situações absurdas e, em términos, são expostas como forma de punição. Com esta pesquisa, foi possível compreender que esta nódoa perpassa os anos e com o advento das tecnologias da informação as possibilidades de crimes contra as mulheres aumentaram, visto que o agressor pode se esconder por detrás de uma tela, e realizar suas lascívias.

Nosso sistema jurídico, para efeito de criação de legislação, precisa respeitar a tríade fato, valor e norma, o que significa, em síntese, que é necessário ocorrer um determinado episódio, a sociedade precisa valorá-lo para, então, a norma ser escrita. No cenário desta pesquisa, infelizmente foi necessário que muitas mulheres morressem, fossem expostas, ridicularizadas, ofendidas moralmente, agredidas fisicamente e diminuídas em sua essência, para que o Estado alcançasse amparo jurisdicional.

O Marco Civil da Internet representa importante mecanismo para auxiliar as mulheres a retirarem arquivos íntimos das redes, pois sua previsão legal estabelece celeridade nesse procedimento, quando da necessidade de somente uma notificação para que o conteúdo seja excluído de circulação. Essa tutela visa reduzir os danos causados pela violação da intimidade da mulher, uma vez que aplaca a possibilidade de o conteúdo continuar a ser visualizado.

Noutro ponto, a Lei Maria da Penha prevê tutela quanto aos crimes cometidos em âmbito doméstico contra a mulher, situação que muito se assemelha às desta pesquisa. Este dispositivo, que tem profundo apelo social, sobretudo pela história de quem o dá nome, busca proteger a mulher contra o agressor justamente no ambiente onde deveria imperar a paz, a harmonia, o amor e o afeto: o próprio lar. Obviamente que a referida lei não se restringe somente aos crimes cometidos dentro do espaço físico denominado casa, lar, nessa passagem, significa o lugar onde a família está, onde deveria se ter segurança e tranquilidade.

A exposição de conteúdos íntimos sem o consentimento da mulher tomou tamanha projeção que foi necessária uma lei que tratasse pontualmente de eventos dessa natureza. Como colocado nesta pesquisa, a lei Carolina Dieckmann tem atenção voltada à invasão dos dispositivos informáticos mediante a violação dos mecanismos de segurança, mas ainda não havia sido falado de importunação sexual, portanto as tratativas estavam sempre à margem do tema.

Foi somente com o advento da Lei 13.718 de 24 de setembro de 2018, que a problemática foi tratada de forma objetiva, alcançando à mulher exposta e humilhada uma resposta. Como dito, a Lei Penal é a última ratio, a valoração, nesse caso, precisa ser muito mais profunda do fato, para que então este vire norma. Os incidentes e a afronta à dignidade sexual tomou tamanho corpo com o advento das redes, que o legislador ouviu o clamor social e se compadeceu da dor das mulheres, promovendo, então, um mecanismo que alcança taxativamente a pior forma de libidinagem.

Com a análise dessas informações, foi possível compreender que muito embora a legislação já previsse sanções cíveis quanto a divulgação de material íntimo e o próprio código penal promovesse amparo quando da ofensa à honra, assim como a Lei Maria da Penha estabelecesse os crimes praticados em âmbito doméstico e a Lei Carolina Dieckmann protegesse contra invasão de dispositivos e divulgação de material íntimos, a Lei 13.718 de 24 de setembro de 2018, por tratar especificamente dos crimes de importunação sexual, tem reais condições de punir o criminoso que vê na mulher um objeto para satisfação de sua vontade.

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Sobre o autor
Moirele Dutra

Graduando em Direito Pela Antonio Meneghetti Faculdade, aprovado no XXIX Exame Unificado da Ordem dos Advogados do Brasil, Bancário Certificado ANBIMA CPA-10.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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