Os impactos da covid-19 no franchising brasileiro

28/07/2020 às 16:12
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Em tempos de pandemia, foi-se a regra geral de que o que foi contratado deve ser considerado justo e não pode ser revisto, sobrepondo-se a função social do contrato aos interesses individuais das partes como como mecanismo para minimizar prejuízos.

Segundo dados da ABF, nas últimas duas décadas, o setor de franquias teve crescimento contínuo no país, em média 8% ao ano, com faturamento de 2,5% do PIB nacional em 2019.

Não há dúvida de que o maior prejuízo nesse cenário de Pandemia é o de vidas humanas. Todavia, em paralelo a essa questão, encontra-se a necessidade premente da análise dos reflexos causados pela pandemia no mundo que virá.

Dentre eles, encontra-se a recessão econômica que assolará grandes, médias e pequenas empresas, além de empreendedores individuais, empregados e trabalhadores informais, que atuam no mercado de franchising.

Os primeiros impactos já puderam ser sentidos com o decreto de quarentena em diversos estados brasileiros, o que impede a maior parte das mais de 160 mil unidades franqueadas de operarem normalmente, levando muitos franqueados à falência súbita.

Uma das medidas incentivadas no setor é a revisão contratual associada a elaboração de um plano de ação emergencial, objetivando a sobrevivência conjunta de franqueados e franqueadores durante esse período de dificuldades.

No entanto, algumas franquias vêm enfrentando dificuldades nesta empreitada, levando inúmeros franqueados a se socorrerem de um bom advogado.

Do ponto de vista prático-jurídico, o contrato padrão de franquia prevê a obrigação de pagamento de taxas mensais por parte do franqueado ao franqueador, sendo as mais comuns as taxas de royalties e publicidade.

Em um cenário de crise financeira normal, caso o franqueado não cumpra com pagamento de suas obrigações em dia o franqueador poderia em tese proceder à rescisão antecipada do contrato, com aplicação de multa penal rescisória em desfavor do franqueado inadimplente.

Contudo, as franquias foram inseridas em um cenário de crise econômica atípico e, sob este prisma, nos termos do artigo 393, parágrafo único do Código Civil, é possível concluir que a pandemia Covid-19 pode ser considerada caso fortuito ou de força maior consideradas hipóteses excludentes de responsabilidade civil, estando presente os três critérios: a inevitabilidade, a necessidade e a exterioridade.

Dentro deste contexto, nascem duas possíveis soluções: a revisão ou rescisão contratual.

Na primeira hipótese, uma vez que o direito civil brasileiro incorporou a teoria da imprevisão, é possível a revisão judicial das prestações em situações excepcionais, nos termos do artigo 317 e 478 do Código Civil, sem que isso implique, necessariamente, a resolução da relação contratual. O objetivo do legislador ao criar a nora foi a preservação do contrato, restaurando-se o equilíbrio contratual para sua vigência dentro da nova realidade.

Ou seja, nas relações privadas, à luz do ordenamento jurídico vigente, a pandemia da Covid-19 acaba por se constituir como caso fortuito ou de força maior externa suficiente para eliminar a responsabilidade do franqueado pelas consequências do seu inadimplemento resultante do cenário de exceção (pós pandemia), não cabendo ao franqueador o direito de penalizar ainda mais o franqueado, pleiteando a rescisão do contrato e o pagamento da multa.

Por outro lado, nos termos do artigo 478 do Código Civil, o franqueado pode solicitar a rescisão do contrato sem pagamento de multa, por onerosidade excessiva, desde que consiga demonstrar prova do prejuízo (queda no faturamento) e do desequilíbrio negocial (cobrança de taxas, falta de suporte, atraso ou ausência de entrega de mercadorias, perda do objeto principal do contrato, entre outros fatores que possam deixar o franqueado em desvantagem).

Seja pelo caminho da revisão (o que chamo de regra, com objetivo de preservação do contrato e sobrevivência de ambas as partes) ou pelo caminho da rescisão (o que considero como exceção, a ser adotada apenas nos casos em que não for possível a renegociação ou revisão de cláusulas, ou, ainda, impossível a continuidade do empreendimento no novo cenário), devemos sempre agir com respeito e empatia, com vistas a resolução dos conflitos, preservando-se as pessoas.


Notas

BRASIL, Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>; Acesso em: 26 de maio de 2020.

Crise do coronavírus levará mais de 11,5 milhões de latino-americanos ao desemprego neste ano. El país, 2020. Disponível em: <https://brasil.elpais.com/economia/2020-05-22/crise-do-coronavirus-levara-mais-de-115-milhoes-de-lat...>; Acesso em: 26 de maio de 2020.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil 1 Esquematizado. 6ª edição. São Paulo: Saraiva, 2016.

TARTUCE, Flávio. Teoria geral dos contratos e contratos em espécie. 12ª edição. São Paulo: Editora Gen, 2017.

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Sobre a autora
Daiana S. Takeshita

Advogada, formada pela Universidade São Francisco. Membro da Ordem dos Advogados do Brasil desde 2012. Atuação nas áreas Cível e empresarial. Especialista em Franchising e Direito Aeronáutico. Consultoria Jurídica para Startups. Atendimento em todos os Estados.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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