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A Emenda Constitucional 30 e o poder liberatório para o pagamento de tributos

01/11/2000 às 00:00
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Já faz certo tempo que a questão do pagamento de tributos através de precatórios vem sendo discutida à exaustão. Havia tão somente legislação pertinente à compensação de precatórios com tributos, mas esse regramento impôs uma série de limitações e requisitos para que se opere a compensação efetivamente. Contudo, a Emenda Constitucional nº 30, de 13/09/00, inovou ao prever a possibilidade de liquidação de tributos com precatório, sem dúvida as conseqüências são muitas, e o contribuinte tem uma nova moeda nas mãos.

Primeiramente cabe ressaltar que a Constituição Federal de 1988 determinou por meio do artigo 33, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que a quitação de precatórios por parte da Fazenda Pública poderia se dar em até oito anos. O legislador constitucional teve como objetivo dar um prazo "razoável" aos entes federativos para acertarem suas finanças, em vista dos saldos deficitários herdados dos regimes anteriores.

Exaurido o prazo previsto no artigo 33, do ADCT, muitos entes federativos continuaram e continuam in mora com suas obrigações judiciais, como por exemplo o Estado de São Paulo, que é um devedor judicial contumaz. Diante da falência total do estado brasileiro, as verbas orçamentárias para honrar obrigações judiciais são mínimas, e os governantes não têm o menor interesse político em quitá-las.

Em face desse quadro caótico, o legislador constitucional introduziu em nosso ordenamento jurídico a aludida Emenda, de maneira a tornar jurídica essa omissão da Fazenda Pública em saldar seu passivo judicial.

Com efeito, a Emenda Constitucional nº 30, através de seu artigo 2º acresceu no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias o artigo 78. Esse dispositivo reza que com exceção dos precatórios de pequeno valor (definidos em lei), os de natureza alimentícia, os mencionados no art. 33, do ADCT e os que já tiverem seus recursos liberados, os demais pendentes de pagamento e oriundos de ações iniciais ajuizadas até 31 de dezembro de 1999, poderão ser quitados no prazo de até dez anos, em prestações anuais, iguais e sucessivas.

Dez anos, é um período demasiadamente longo para receber ressarcimento de um direito violado pela Fazenda Pública, é um disparate. Nas relações processuais de Direito Privado jamais seria admitido que o credor de certa obrigação aguarde até dez anos para recebê-la. Mas, a Fazenda Pública sempre gozou de privilégios em detrimento dos particulares.

No entanto, o mesmo caput do artigo 78 inovou ao estabelecer que o precatório é passível de cessão. Cessão é um instituto de Direito Civil previsto nos artigos 1.065 e seguintes, do Código Civil, onde o titular de um crédito pode transferi-lo para terceiro.

Não há até o momento nenhuma previsão legal que estabeleça procedimento especial para que se dê a cessão de precatórios, razão pela qual vemos que as disposições do Código Civil são aplicáveis ao caso. Destacamos que por se tratar de crédito contra a Fazenda Pública a cessão somente pode ocorrer via instrumento público (artigo 1.067 primeira parte, do Código Civil), logo não é viável a tradição via instrumento particular (artigo 1.067 segunda parte), do contrário a cessão teria apenas efeito inter partes. E ainda, a Fazenda Pública deverá ser notificada da ocorrência da cessão de crédito, nos termos do artigo 1.069, do Código Civil.

Com essa inovação surge um novo título de crédito. Afinal, os créditos oriundos de precatório valem o valor consignado no título, estando limitados aos direitos nele contido o que enseja literalidade. Por outro lado, a obrigação estabelecida no precatório é independente de qualquer outra, por ser um título líqüido, certo e exigível, não há mais o que se questionar judicialmente, assim o precatório é, outrossim, um título autônomo. E finalmente, com a viabilidade de cessão dos créditos oriundos de precatório, este título tem uma nova característica, a abstração, uma vez que fica segregado do direito originário.

E ainda, o §1º, do artigo 78, permite a decomposição de parcelas a critério do credor, isso quer dizer que este pode decompor as parcelas anuais como lhe melhor convier. Um exemplo seria realizar cessão parcial de parcela anual.

Mas qual seria o interesse na aquisição de um precatório? A resposta está no §2º, do artigo 78, que estabelece poder liberatório do pagamento de tributos da entidade devedora no caso de negativa de liquidação da prestação anual do título. Em outras palavras, o caput do artigo 78 estabelece que o precatório pode ser parcelado em até dez prestações anuais, contudo incorrendo a entidade devedora no inadimplemento da prestação anual, o credor pode empregar o valor respectivo para quitar obrigações tributárias.

Esclarecemos que o precatório somente poderá ser utilizado como pagamento de tributos que se encontrarem na competência impositiva da entidade devedora correspondente. Dessa maneira, o título que for originário de um processo contra a União pode servir como moeda de quitação tão somente de tributos federais. É impossível, em face do princípio federativo, que o precatório cuja entidade devedora correspondente seja o Estado do Acre seja empregado para pagamento de tributos da competência do município de Vitória.

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Atentamos ao fato de que o §2º usa o termo pagamento. O Código Tributário Nacional, no inciso I, do artigo 156, prevê que o pagamento é uma modalidade de extinção do crédito tributário e, como a Emenda não faz restrição acerca da origem do precatórios, apenas excetuando alguns precatórios específicos, quaisquer precatórios que se enquadrem na segunda parte do caput do artigo 78 são moeda de pagamento de tributo. E as restrições vigentes no que tange à compensação de precatório com tributo, como por exemplo o §1º, do artigo 66, da Lei nº 8.383/91, não se aplicam a esse caso, pois trata-se de pagamento.

Para melhor aclarar a questão podemos visualizar um cidadão cujo o muro de sua residência tenha sido destruído em uma ação desastrada da municipalidade ao realizar obras na via pública. Esse cidadão logra êxito sub iudice em provar o dano, o nexo de causalidade com a obra municipal e vence a demanda. Finalmente consegue a expedição de ofício requisitório e o conseqüente precatório. Pois, se a municipalidade não pagar a prestação anual devida atinente ao precatório, o cidadão pode pagar o IPTU, ISS, taxas ou contribuições de melhoria municipais com a parcela não quitada, ou ainda fazer a cessão total ou parcial deste título a terceiro.

Se o precatório tem poder liberatório para pagamento de tributos, por conseguinte também tem possibilidade de servir como garantia do juízo em execuções fiscais. Bem da verdade, o artigo 9º da Lei nº 6.830/80, não menciona o precatório como garantia da execução, mas este título é uma nova moeda de liquidação de gravames, por esse fato seria um contra senso não aceitá-lo como forma de garantia de execução fiscal. Outrossim, servindo de garantia em executivos fiscais evidentemente que o precatório pode caucionar outras demandas judiciais que versam sobre matéria tributária.

Por fim, cabe ressaltar que o §3º, do artigo 78, dispõe que nos casos de desapropriação de imóvel residencial o prazo do caput é reduzido para dois anos, desde que o credor demonstre que à época da imissão na posse aquele era o seu único imóvel. Isso quer dizer que mesmo os precatórios vultuosos decorrentes de desapropriação que não figuram na exceção deste parágrafo, são moeda de pagamento de tributos, sendo como os demais, um título de crédito.

No que tange aos juros legais que devem ser acrescidos ao precatório ao longo de seu pagamento, ex vi artigo 78 caput, a Emenda não traz maiores esclarecimentos. Propugnamos que pela razão do precatório ter poder liberatório para pagamento exclusivamente de tributos de competência da entidade devedora correspondente, os juros legais devem ser computados da mesma forma que a entidade devedora corrige seus créditos tributários. Se um ente federativo usa o Sistema Especial de Liquidação e Custódia – SELIC, para corrigir seus débitos, pelo princípio da isonomia, o precatório deve também ser corrigido da mesma forma.

Interessante notar que a Emenda não faz alusão a correção monetária do valor do precatório. Correção monetária atualiza a degradação aquisitiva do dinheiro ao longo do tempo, e é um princípio econômico aplicado constantemente sobre créditos judiciais, inclusive precatórios. Com efeito, as parcelas anuais dos precatórios devem ser corrigidas monetariamente de acordo com o índice oficial de correção de créditos tributários da entidade devedora.


À luz de todo exposto, podemos concluir que a Emenda Constitucional nº 30 trouxe as seguinte inovações:

a) aqueles precatórios mencionados na segunda parte do caput do artigo 78 são, doravante, títulos de crédito, e para que ocorra cessão desses títulos o procedimento a ser adotado é o dos artigos 1.065 e seguintes, do Código Civil;

b) esses precatórios podem servir de moeda para pagamento exclusivamente de tributos, além de caução para discussões judiciais acerca de tributação; e

c) os precatórios devem ser acrescidos de correção monetária e juros legais, sendo que os índices serão os mesmos utilizados pela entidade devedora para correção de seus créditos tributários.

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Sobre o autor
Teodoro Malta Campos

acadêmico de direito na Universidade Paulista (UNIP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAMPOS, Teodoro Malta. A Emenda Constitucional 30 e o poder liberatório para o pagamento de tributos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 47, 1 nov. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/843. Acesso em: 22 dez. 2024.

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