4. PRAZO PRESCRICIONAL DA AÇÃO DE REPARAÇÃO E PRAZO PRESCRICIONAL DA AÇÃO DE REGRESSO.
No que tange à prescrição da ação, se a ré for entidade federativa ou autárquica (incluídas as fundações de direito público), consumava-se a prescrição no prazo de 5 anos, tornando impossível o pedido de indenização no âmbito administrativo ou através de ação judicial após tal prazo, conforme se infere no Decreto nº 20.910/32 (BRASIL, 1932). Se a parte ré for, todavia, pessoa jurídica de direito privado, conta-se o prazo prescricional conforme a Medida Provisória nº 2.180-35, de 24/08/2001, que inseriu o artigo 1º-C na Lei nº 9.494, de 10/9/1997. Esta norma consigna que prescreve em cinco anos o direito de obter indenização por danos causados por pessoas de direito publico e pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público (BRASIL, 2001).
O Código Civil (BRASIL, 2002), todavia, instituiu algumas modificações quanto aos prazos prescricionais em gerais. Uma delas foi a fixação do prazo de 3 anos para a prescrição da pretensão de reparação civil, é dizer, caso um individuo sofra algum determinado dano, este individuo possuirá o prazo de 3 anos para ingresso da ação, sob pena de prescrição. O Superior Tribunal de Justiça, de seu turno, no julgamento do Recurso Especial nº 698.195, relatado pelo Ministro Jorge Scartezzini (BRASIL, 2006b), adotou o entendimento de que o advento do Código Civil teria importado em revogação dos demais diplomas descritos alhures que tratem sobre reparação civil, ressalvado, todavia, os prazos iniciados antes da vigência do Código Civil na forma do art. 2.028. das disposições transitórias do dito código.
Deve ser notado, todavia, que a legislação que prevê o prazo prescricional de cinco anos para reparação civil contra a Fazenda Pública está previsto em legislação especial, pelo que deve ser aplicado o prazo do Decreto nº 20.910/32 (BRASIL, 1932); todavia, a prescrição da pretensão de terceiros contra os agentes públicos e as de direito privado prestadoras de serviços públicos é aquela prevista no Código Civil, ou seja, trienal.
Quanto ao prazo prescricional para o Estado intentar a ação de regresso, o art. 37, § 5º, da CF/1988 dispõe que o estabelecimento de tais prazos é de competência legislativa, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento, ressalvadas as ações de ressarcimento referentes a dano ao erário, imprescritíveis.
Especificamente quanto às ações de ressarcimento acima mencionadas, previstas no at. 37, §4º e §5º da Constituição, por serem entendidas como imprescritíveis, não se cogita, evidentemente, em prazo para que o Poder Público possa ingressar com ação em face do seu agente para perquirir ressarcimento devido pelos danos causados. Esta imprescritibilidade alcança apenas as pessoas jurídicas de direito público, ou seja, pessoas federativas, as autarquias, as fundações autárquicas, não se estendendo às pessoas jurídicas de direito privado.
Destaca-se, todavia, que caso o causador do dano seja terceiro não vinculado ao Estado, será observada a regra geral de prescrição de reparação civil de 3 (três) anos, conforme preceitua o artigo 206 § 3º, V, do Código Civil.
Deve ser ressaltado, todavia, que mesmo no caso de ato doloso de improbidade, somente se cogita em imprescritibilidade da pretensão civil, havendo prescrição, na forma estabelecida em lei, quanto a eventuais pretensões administrativas e penais.
5. RESPONSABILIDADE DO AGENTE PÚBLICO.
Como já exposto, a responsabilidade extracontratual do Estado se refere à responsabilização do Ente Público por todos os atos comissivos que os agentes públicos vierem a ocasionar nesta qualidade, a algum particular. Entretanto, para se responsabilizar a conduta do servidor publico, é necessário se auferir a relação entre o dano, a conduta comissiva do agente e o nexo causal.
No que toca à conduta do agente, tem-se que este somente deve responder diretamente desde que reste comprovada a ocorrência do dolo ou da culpa, para, a partir da aferição destes elementos, comprovar a existência da ocorrência da negligencia, imprudência ou imperícia do servidor estatal. Sobre a responsabilidade do agente público, Carvalho (2015, p. 341) é claro ao dispor que “[...] não há qualquer relação entre o agente público e o particular prejudicado, haja vista o fato de que quando o agente causou o prejuízo, não o fez na condição de particular, o fez em nome do Estado. Em outras palavras, a conduta do agente público não deve ser imputada à pessoa do agente, mas sim ao Estado que esta atuando por meio dele. Essa faceta do principio da impessoalidade nada mais é do que a aplicação da teria do órgão, ou teoria da imputação volitiva”.
Assim, conclui-se que o Estado não pode, mesmo mediante ação regressiva, responsabilizar objetivamente a figura do seu agente público, na medida em que tal conduta violaria a norma constitucional do art. 37, §6º, da CF/88, que concede ao servidor público a garantia de somente ser responsabilizado pela Administração através de ação regressiva se comprovado o dolo ou a culpa (imprudência, negligencia e imperícia) do causador do dano.
5.1. DENUNCIAÇÃO À LIDE DO AGENTE PÚBLICO.
Como já discutido no curso do presente estudo, o art. 37, §6º, da CF/88 é taxativo ao dispor sobre a responsabilidade da Fazenda Pública para responder sobre os danos que seus agentes causarem quando atuarem de forma comissiva, nessa qualidade, sendo garantida à Fazenda Pública a oportunidade de intentar uma ação de regresso em face do agente causador do dano.
De outro lado, tem-se que o art. 125. do Código de Processo Civil admite a de denunciação à lide contra aquele que “estiver obrigado, por lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo de quem for vencido no processo” (BRASIL, 2015). Assim, partindo de tal premissa, pode-se se levantar a seguinte reflexão: é possível realizar denunciação à lide contra o servidor público, em ação de indenização ajuizada pelo particular?
Primeiramente, é importante destacar que, quando se pleiteia a realização da denunciação à lide, em verdade busca-se a entrega da celeridade processual, bem como garantir ao denunciado à lide o contraditório e à ampla defesa, de forma que seu direito de defesa na ação regressiva não seja prejudicado. No caso ora discutido, em que se refere à responsabilização da Fazenda Pública, todavia, a denunciação à lide poderia resultar um atraso na ação de reparação ajuizada pelo particular em face do Estado.
Na ação de reparação ajuizada pelo particular em face do Estado a responsabilidade do ente público é objetiva, bastando somente a análise do ato comissivo do agente e o dano propriamente dito. Acaso realizada uma denunciação à lide do agente público, haveria uma necessidade de dilação probatória maior nesta ação de reparação, para que seja possível analisar, justamente, a existência de dolo ou culpa, elementos subjetivos para condenar um agente.
Nesse sentido, se faz importante destacar o posicionamento dos doutrinadores Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo, segundo os quais “[p]ercebe-se que, se fosse cabível a denunciação da lide ao agente público pela Administração, haveria inegável prejuízo para o particular que sofreu o dano, porque seria retardado o reconhecimento do seu direito a reparação. Com efeito, a Administração será condenada a indenizar o particular que sofreu o dano com base na responsabilidade objetiva. Diferentemente, se tivesse que ser discutida, na mesma ação de indenização, eventual responsabilidade do agente perante a Administração – o agente está sujeito a responsabilidade subjetiva na modalidade culpa comum -, ficaria o litígio na dependência de demonstração, pela Administração de que o agente atuou com dolo ou culpa, e só lhe causaria transtorno, por atrasar a solução final do litígio [...]” (ALEXANDRINO, PAULO, 2011, p. 781).
O Superior Tribunal de Justiça também se posiciona, em sua maioria, no mesmo sentido, citando-se como julgamento paradigmático o Recurso Especial nº 770.590, segundo o qual a denunciação da lide visa resguardar a economia e a celeridade processual, não devendo ter lugar quando colocar em risco tais princípios (BRASIL, 2006a). Assim, ainda segundo este julgamento, a denunciação da lide, nas ações versando sobre responsabilidade civil do Estado, precisamente por implicar em prejuízo à celeridade e à economia processual, não deve ter lugar.
Conclui-se, portanto, que permitir a denunciação à lide nesse tipo de ação indenizatória seria extremamente prejudicial ao particular/vítima, notadamente porque tal discussão resultaria em maior instrução probatória, que acabaria por violar a celeridade na prestação jurisdicional.
6. AÇÃO REGRESSIVA CONTRA O AGENTE CAUSADOR DO DANO: TESE DA DUPLA GARANTIA E SUA POSSÍVEL SUPERAÇÃO.
O entendimento pela possibilidade de ação de regresso, a ser proposta pelo Estado, contra o funcionário público causador do dano, sempre fora o adotado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), na denominada tese da “dupla garantia”. Esta tese representa garantir ao particular a chance de demandar em face da Fazenda Pública, que possuiria patrimônio e paga suas condenações, em regra, através dos pagamentos por precatório ou requisição de pequeno valor, conforme for o caso, garantindo-se a solvência do débito, ao passo em que garante ao servidor público a segurança de somente ser demandado administrativamente e civilmente através do Estado, por meio de uma ação de regresso.
O termo “dupla garantia” foi adotado há alguns anos em um julgamento da Primeira Turma do STF, o Recurso Extraordinário nº 327.904/2006 (BRASIL, 2006c). Merecem nota, ainda, os julgamentos dos Recursos Extraordinários de números 344.133 (BRASIL, 2008) e 720.275 (BRASIL, 2013b).
Em oposição ao entendimento anteriormente consagrado pelo STF, todavia, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial nº 1.325.862-PR, relatado pelo Ministro Luis Felipe Salomão (BRASIL, 2013a), adotou a tese de haver possibilidade do lesado ingressar com ação somente em face do agente público causador de um dano ou em face da Fazenda Pública e do agente, em litisconsórcio passivo.
O julgamento, que versava sobre uma sentença erroneamente publicada ajuizada em desfavor de uma serventuária, adotou a tese de que a servidora, naquele caso específico, seria legitimada para figurar no polo passivo e que a decisão de demandar contra o Estado ou diretamente contra o servidor pertenceria, unicamente, ao lesado, renunciando, todavia, à responsabilidade objetiva e ao regime de precatórios ao assim optar. Nada obstante, no caso concreto, afastou a responsabilidade subjetiva da serventuária, compreendendo ter havido, no caso, mero aborrecimento.
Assim, o entendimento apontado alhures pelo Superior Tribunal de Justiça, por ter sido um dos últimos julgamentos nos tribunais superiores sobre o referido tema, conduziu a questionamentos, entre juristas, a respeito de uma possível superação (ou não) da tese da dupla garantia.
Para que se melhor compreenda a controvérsia, é necessário refletir a respeito dos propósitos constitucionais ao instituir as garantias estipuladas no art. 37, §6º, CF/88. De fato, o texto da CRFB visa dar segurança ao servidor público, de forma que este só possa ser acionado em ação de regresso manejada pelo Estado. Por outro lado, a norma também objetiva dar segurança ao particular para que possa manejar ação contra a Fazenda Publica, que possui liquidez em seu patrimônio para adimplir a condenação judicial.
Por outro lado, deve ser notado que a tese adotada pelo Superior Tribunal de Justiça, facultando que a demanda seja ajuizada diretamente contra o funcionário público, também possui vantagens, malgrado considerando que tal entendimento importa em dizer que o particular lesado não necessitaria aguardar a formação do precatório e a habilitação do crédito em uma fila, nos moldes do art. 100, CF/88, para que ele pudesse ser indenizado.
Neste sentido, registra-se que alguns doutrinadores defendem que a tese adotada pelo STF acaba por trazer lentidão ao processo, já que, apesar de uma demanda ser manejada contra o Estado, sem necessidade de se provar o dolo e a culpa, haveria, em contrapartida, uma demora na satisfação do débito, que deve ser adimplido por meio de precatório, conforme art. 100, CF/88.
Por outro lado, parte da doutrina compreende que, ao se intentar a ação contra o servidor público, o demandante atrairá para si o ônus de provar que o agente público agiu com dolo ou culpa. Ademais, caso o particular seja vitorioso, deve ser considerada, ainda, que o referido agente pode não possuir solvência suficiente para quitar o débito. Em contrapartida, todavia, os trâmites até a sentença de mérito e trânsito em julgado seriam, em tese, mais rápidos, já que os prazos contra a Fazenda Pública são, em regra, contados em dobro, ao que provoca um aumento substancial na demora da tramitação processual.
Não há, ainda, como se afirmar que a tese da dupla garantia foi superada, haja vista as Cortes Superiores não mais se pronunciaram acerca do tema, não existindo, portanto, uma definição se, a tese da dupla garantia foi, de fato, superada. Deve ser destacado, todavia, que o mais importante regramento jurídico que rege a responsabilidade civil do Estado se encontra no art. 37. da CF/88 e que a sua interpretação literal parece coadunar-se melhor com o entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal.
CONCLUSÃO
O art. 37, §6º, CF/88, é expresso ao dispor sobre a responsabilidade da Fazenda Pública, em responder sobre os danos que seus agentes causarem quando atuarem, nessa qualidade, em face do particular. Como visto no curso deste trabalho, a responsabilidade da Fazenda Pública é objetiva, independentemente de se auferir a existência de dolo ou culpa, com base no que preconiza a teoria do Risco Administrativo. Nada obstante, o mesmo dispositivo garante ainda à Fazenda Publica sua chance de intentar uma ação de regresso em face do agente causador do dano, após a verificação da existência dos elementos subjetivos dolo ou culpa no ato praticado por esse agente.
O Supremo Tribunal Federal (STF) adotou a tese da “dupla garantia”, expressão essa que significaria garantir ao particular a chance de demandar em face da Fazenda Pública, sem necessitar provar a existência de dolo ou culpa. Tal tese representa, ainda, garantia ao servidor público, a segurança de somente ser demandado administrativamente e civilmente, através do Estado, por meio de uma ação de regresso, após aferição da existência dos elementos subjetivos (dolo ou culpa).
O Superior Tribunal de Justiça, por outro lado, trouxe à tona uma também vantajosa tese, vez que a referida Corte entendeu sobre a possibilidade do lesado ingressar com ação somente em face do agente publico causador de um dano. Tal entendimento visava também dar uma celeridade ao particular, haja vista que o mesmo não necessitaria aguardar que o credito fosse habilitado em uma fila de precatório para que ele pudesse ser indenizado. Além disso, os prazos não iriam ser computados em dobro, o que também traria uma maior celeridade processual.
Nada obstante, nota-se que a questão está longe de uma resolução, eis que não existem muitos julgamentos no sentido apontado pelo Recurso Especial nº 1.325.862, relatado pelo Ministro Luis Felipe Salomão (BRASIL, 2013a). Não há, portanto, como se afirmar que a tese da dupla garantia foi superada, mesmo porque a literalidade do art. 37. da CF/88 não permite sua superação por completo. A questão deve, portanto, ser enfrentada pela doutrina e pela legislação infraconstitucional, de forma a sanar-se os principais problemas e questões oriundos dos entendimentos exarados pelas Cortes Superiores do país.