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Sócrates e Jesus Cristo:

a relação entre a fé e a razão

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3 Jesus Cristo: rosto divino do homem, face humana de Deus

"Et verbum caro factum est"

3.1 Prolegômenos

Em plena época pós-moderna, em que as transformações culturais, científicas e tecnológicas chegam em grande velocidade, e o sujeito retorna ao centro das discussões sociais, a acuidade dos dados históricos (em razão das novas ferramentas de estudo) e o grande número de informações (aumentadas substancialmente com o desenvolvimento da tecnologia da informação, cujo grande exemplo é a internet) começam a entrar em confronto com o contexto religioso até então existente.

Nesse sentido, Jesus Cristo, talvez a personalidade mais conhecida em todas as culturas, começa a ter sua vida investigada por estudos históricos, os quais entram em conflito com as informações reveladas pelo Vaticano nos trechos dos evangelhos, colocados à disposição dos fiéis.

Com efeito, a comparação da vida do Cordeiro com o filósofo Sócrates, torna-se, pois, possível, tendo em vista que ambos eram considerados pessoas enigmáticas na época em que viveram, além de não terem deixado nenhum registro escrito de suas idéias.

No que tange à confiabilidade nos relatos deixados pelos discípulos de Jesus, sabe-se que há mais de cinco mil manuscritos do Novo Testamento existentes até hoje, o que o torna o mais bem documentado dos escritos antigos. Muitas cópias pertencem a uma data próxima dos originais. Há aproximadamente 75 fragmentos datados desde 135 d.C. até o século oito. Todos esses dados, acrescidos ao trabalho intelectual produzido pelos estudiosos da paleografia, arqueologia e crítica textual, asseguram que o texto do Novo Testamento é fidedigno.

A grande semelhança existente entre estes famosos personagens da história reside no fato de ambos serem mestres na retórica. Assim como Sócrates, Jesus instigava seus discípulos a desenvolver a arte de pensar e, para isso, usava a arte da dúvida. Eles possuíam tanta autoconfiança no que diziam, por acreditarem falar em nome de alguém que era maior do que eles, que tanto arrebatavam quanto irritavam seus ouvintes. Por fim, essa postura autêntica lhes arrebatou a vida [12].

Assim, procede-se nessa parte com a análise dos evangelhos, os quais contam a passagem da vida de Jesus entre os homens, além de se compilar dados de pesquisas contidas em bíblias [13]que catalogam as ações de Jesus Cristo.

3.2 O mistério dentro do mistério: o nascimento virginal é uma lenda? onde Jesus viveu sua adolescência e o começo de sua vida adulta?

A concepção virginal de Jesus Cristo não há como ser provada com argumentos meramente teológicos, pois, afinal, essa é uma questão de fé. No entanto, os cristãos da época e na atualidade acreditam nela, por causa dos relatos constantes nos quatro evangelhos e pelas evidências que muitos alegam ter.

O argumento mais relevante para a aceitação messiânica de Jesus era o fato dele descender da linhagem de Davi, pois todas as profecias assim arvoravam a respeito do Cristo. Por isso, tanto Mateus quanto Lucas deixaram claro que José e Maria eram descendentes da tribo de Judá — tribo de Davi [14].

Os evangelistas retratam o nascimento, a infância (até os doze anos) e a pregação de Jesus, a qual se iniciou por volta dos trinta anos. Nesse sentido, muitos entre historiadores, religiosos, leigos questionam: onde Jesus viveu o restante de sua vida?

O evangelista Lucas faz um breve resumo da infância e adolescência de Jesus afirmando que o menino crescia, e se fortalecia em espírito, cheio de sabedoria; e a graça de Deus estava sobre ele. Aos 12 anos, ele acompanha seus pais ao templo de Jerusalém para a celebração da Páscoa e se perde durante alguns dias, ficando nos pátios do templo de Jerusalém, escutando e questionando os sacerdotes, discorrendo a respeito de aspectos da lei judaica com tanta segurança e imprimindo um significado ao templo que jamais fora dado por alguém, a ponto de deixá-los espantados [15].

Muitos teólogos acreditam, em uma interpretação sistemática de todas as suas parábolas e feitos, que Jesus pode ter passado esta época de sua vida na Índia, em razão das técnicas demonstradas ao realizar os seus feitos. Não é a toa que o Papa João Paulo II tem como um dos seus exemplos de países orientais a Índia, ao tratar da relação entre fé e razão, como se depreende:

"O meu pensamento vai espontaneamente até às terras do Oriente, tão ricas de tradições religiosas e filosóficas muito antigas. Entre elas, ocupa um lugar especial a Índia. Um grande ímpeto espiritual leva o pensamento indiano a procurar uma experiência que, libertando o espírito dos condicionamentos de tempo e espaço, tenha valor absoluto. No dinamismo dessa busca de libertação, situam-se grandes sistemas metafísicos." [16]

Outros teólogos, no entanto, afirmam que Jesus, durante esse período de sua vida, que durou cerca de 18 anos, permaneceu nas imediações de Nazaré e, nesse período de anonimato, analisou suas experiências e as limitações humanas, mergulhando em si mesmo, pois como Deus, ele conhecia a ansiedade, a discriminação social e as aflições humanas, mas nunca as tinha vivido [17].

Com efeito, segundo uma linha esotérica-cristã, o que muitos não sabem é que os ensinamentos internos que Jesus ministrava a seus discípulos foram, em grande parte, incorporados à Bíblia, embora sob o véu de uma linguagem alegórica, sendo também preservados em vários documentos pouco conhecidos do público. [18]

3.3 A personalidade de Jesus Cristo

Os evangelhos retratam Jesus como um homem coerente, dócil, gentil, simples, perspicaz, audacioso, poético, feliz e muito inteligente. Ele gostava de jantar na casa das pessoas e de ter longas conversas com elas. Tanto os ricos quanto os pobres e miseráveis tinham acesso a ele. Algumas de suas características fogem completamente ao padrão psicológico previsível. Ele proclamava ser imortal, mas amava ter amigos mortais. Sob o risco de morrer, ele, como qualquer ser humano, devia bloquear sua memória e reagir por instinto, expressando medo e ansiedade. Mas, os relatos bíblicos nos mostram que Jesus abria as janelas da sua inteligência e gerenciava seus pensamentos como ninguém o fez na História [19].

Em sua humanidade, demonstrou características que as pessoas, em sua maioria, almejam possuir, tais como: a paciência, a tolerância, a capacidade de superação do medo, a singeleza, o domínio próprio, o diálogo aberto, a capacidade de contemplar o belo nas pequenas coisas.

A despeito de sua natureza divina, Jesus possuía inquietações humanas, como cair, conquistar pessoas, ser rejeitado, superar sua angústia no Getsêmani; mas tinha a certeza divina nos pontos que envolviam sua natureza transcendental, fato este que o fazia discorrer sobre a superação da morte e sobre a eternidade com uma convicção que deixa os estudiosos perplexos.

Meses antes de morrer, Jesus estava muito famoso. Milhares de pessoas o seguiam. Contudo ele não perdeu as suas raízes e nem abandonou a simplicidade que lhe era peculiar.

O dia de sua morte foi movimentado. Por volta do meio dia, os três condenados, Jesus e os dois ladrões, estavam pendentes, completamente nus em cruzes, no monte conhecido como Gólgota ou Caveira [20]. Porém, Jesus, crucificado no centro, chamava a atenção, pois fora condenado devido a uma trama que misturou intolerância religiosa, interesses políticos e uma boa quantidade de acusações falsas. No entanto, mesmo naquele momento extremo, suas palavras continuavam carregadas de sensibilidade, paciência e ternura.

3.4 O mistério da cruz: a revelação do Pai

Na base de toda a reflexão efetuada pelos evangelhos, está a consciência de que a Jesus Cristo é o mensageiro que vem do próprio Deus, pois o conhecimento proposto ao homem não provém de uma reflexão de natureza humana, mas de se ter acolhido na fé a palavra de Deus [21]. Com efeito, na origem humana existe um encontro que diz respeito a um mistério escondido pelos séculos [22], mas revelado: por meio de Jesus Cristo, a palavra que se fez carne, tem-se acesso ao Pai no Espírito Santo, tornando-se participantes da natureza divina. [23]

Trata-se da demonstração de amor de Deus à humanidade, a medida que entregou a vida de seu Filho para salvar o homem de seus pecados e delitos. [24] A morte, para Jesus, não existia. Deus quis ser homem e, mesmo ilimitado, aprisionou-se num corpo frágil e limitado, expressando por diversas vezes que era o filho do homem, revelando, assim, sua natureza humana. Logo, a fé em Jesus implica na aceitação do mistério de sua dupla natureza, divina e humana, que não se confundem, mas estão indissoluvelmente unidas.

É isso, por exemplo, que o evangelista João retrata quando Jesus expressa a comparação à Nicodemos:

"(…) Do mesmo modo como Moisés levantou a serpente no deserto, assim é necessário que o filho do homem seja levantado, para que todos os que nele crerem tenham a vida eterna. Pois Deus amou tanto o mundo, que deu o Seu Filho unigênito, para que não morra todo o que Nele crer, mas, tenha a vida eterna. De fato, Deus não enviou o Seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por Ele. (…)" [25]

Portanto, é uma iniciativa completamente gratuita de Deus, a fim de salvar a humanidade, pois Ele deseja dar-se a conhecer e este tipo de conhecimento adquirido leva à plenitude qualquer outro conhecimento. [26] É o que retrata o apóstolo Paulo, na Epístola aos Efésios, quando anuncia o valor da graça divina, trazida pela ressurreição de Jesus Cristo, asseverando que é pela graça que o homem será salvo, mediante a fé. [27]

3.5 Leitura dos atos dos apóstolos: uma síntese da passagem de cristo

Simão Pedro, o primeiro apóstolo de Jesus, em visita a Cornélio, primeiro estrangeiro convertido ao cristianismo [28], na cidade de Cesaréia, fez uma retrospectiva dos atos de Jesus, a qual se justifica transcrever:

"Vós sabeis o que aconteceu em toda a Judéia, a começar pela Galiléia, depois do batismo pregado por João: como Jesus de Nazaré foi ungido por Deus com o Espírito Santo e com poder. Ele andou por toda a parte, fazendo o bem e curando a todos os que estavam dominados pelo demônio; porque Deus estava com Ele. E nós somos testemunhas de tudo o que Jesus fez na terra dos judeus e em Jerusalém. Eles o mataram, pregando-o numa cruz. Mas Deus o ressuscitou no terceiro dia, concedendo-lhe manifestar-se não a todo o povo, mas às testemunhas que Deus havia escolhido: a nós, que comemos e bebemos com Jesus, depois que ressuscitou dos mortos. E Jesus nos mandou pregar ao povo e testemunhar que Deus o constituiu Juiz dos vivos e dos mortos. Todos os profetas dão testemunho d’Ele: ‘Todo aquele que crê em Jesus recebe, em seu nome, o perdão dos pecados’". [29]

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Assim, até os dias de hoje, a mensagem de Jesus Cristo, cuja síntese concentra-se no amor de Deus para com o homem e no amor que se deve ter ao próximo, revelada por meio dos evangelhos, é propagada e influencia a vida de incontável número de pessoas, de todas as religiões, línguas, raças e nações.


4 A relação entre a fé e a razão

"Per Deum intelligo ens absoluta infinitum id est, substantian consistiatun infinitis attributis quorun uniquo fue a eternam et infinitam essentia exprimit"

4.1 Prolegômenos

A fé e a razão constituem as duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade. As questões fundamentais, que caracterizam a existência da pessoa humana, apareceram em diversas culturais de diversos locais, encontrando-se nos diversos escritos as seguintes indagações: "Quem sou eu? De onde venho e para onde vou? Por que existe o mal? O que existirá depois desta vida?". [30]

Nesse sentido, o Papa João Paulo II, assevera (na encíclica fé e razão) que a Igreja não é alheia e nem pode sê-lo a esse caminho de pesquisa, afirmando que dentre os inúmeros serviços oferecidos à humanidade, o dizer ao próximo a verdade é o que possui a responsabilidade peculiar, pois procura-se obter a mais exata compreensão, a fim de aproximar a verdade com toda a sua força e simplicidade da pessoa humana. [31]

Com efeito, é importante destacar as palavras do Papa João Paulo II (à época chefe supremo da Igreja) sobre o conhecimento da verdade e o conceito de filosofia:

"Variados são os recursos que o homem possui para progredir no conhecimento da verdade, tornando assim cada vez mais humana a sua existência. De entre eles sobressai a filosofia, cujo contributo específico é colocar a questão do sentido da vida e esboçar a resposta: constitui, pois, uma das tarefas mais nobres da humanidade. O termo filosofia significa, segundo a etimologia grega, ‘amor à sabedoria’. Efetivamente, a filosofia nasceu e começou a desenvolver-se quando o homem principiou a interrogar-se sobre o porquê das coisas e o seu fim. Ela demonstra, de diferentes modos e formas, que o desejo da verdade pertence à própria natureza do homem. Interrogar-se sobre o porquê das coisas é uma propriedade natural da razão, embora as respostas, que esta aos poucos vai dando, se integrem num horizonte que evidencia a complementaridade das diferentes culturas que o homem vive." [32]

João Paulo II ainda ressalta a estrutura do conhecimento filosófico que inspira as legislações nacionais e internacionais para regular a vida em sociedade, estrutura de pensamento esta que influenciou as civilizações do Ocidente e do Oriente. Não obstante, o Papa ressalta que "cada povo possui a sua própria sabedoria natural, que tende, como autêntica riqueza das culturas, a exprimir-se e a maturar em formas propriamente filosóficas". [33]

Nesse contexto, o papel da filosofia para a Igreja é fundamental no sentido de aprofundar a compreensão da fé e de comunicar a verdade do Evangelho aos que não a conhecem ainda, vendo na filosofia o caminho para conhecer verdades fundamentais relativas à existência do homem, tendo o esforço da razão reconhecido em tornar cada vez mais digna a vida humana. [34]

4.2 O encontro entre a fé e a razão

Um dos maiores cuidados que os filósofos do pensamento clássico tiveram foi o de purificar de formas mitológicas a concepção que os homens tinham de Deus. Nesse sentido, o Apóstolo Paulo ligou seu discurso ao pensamento dos filósofos, os quais possuiam conceitos mais respeitosos sobre a transcedência divina [35], pois para se fazer compreender entre os pagãos, não se podia apenas citar as escrituras sagradas, tendo que se utilizar do conhecimento natural de Deus e da consciência moral de cada um [36], tomando o cuidado para sua mensagem não ser interpretada como uma idolatria [37].

A esse respeito, assevera João Paulo II que desde a poesia (primeira tentativa do homem de compreender Deus), os pais da filosofia tiveram por missão mostrar a ligação entre a razão e a religião, procurando dar fundamento racional, segundo os princípios universais, à sua crença na divindade, correspondendo assim às exigências da razão universal, verificando-se, de forma crítica, aquilo em que se acreditava e purificando-se (pelo menos em parte) a religião por meio da análise racional. [38]

Dessa forma, João Paulo II confirma mais uma vez a harmonia fundamental entre o conhecimento filosófico e o conhecimento da fé: "a fé requer que seu objeto seja compreendido com a ajuda da razão; por sua vez a razão, no apogeu de sua indagação, admite como necessário aquilo que a fé representa." [39]

4.3 O drama da separação da fé e da razão

Com o surgimento das universidades, foi reconhecida a autonomia científica da teologia e da filosofia. No entanto, a partir da baixa Idade Média, a distinção legítima dos conhecimentos passou a se tornar uma abrupta separação, em virtude de um espírito excessivamente racionalista de alguns pensadores, resultando em uma filosofia absolutamente autônoma dos conteúdos da fé. [40]

Com efeito, a imposição da mentalidade positivista no plano científico afastou a visão metafísica e moral, ao mesmo tempo em que se perdia a referência cristã do mundo, apontando a fé como prejudicial e alienante ao desenvolvimento pleno do uso da razão, dando base para o surgimento de "novas religiões", as quais fomentaram projetos que se transformaram, no plano político e social, em sistemas totalitários considerados traumáticos para a humanidade, afastando-se do centro das relações a pessoa humana e o seu contexto. [41]

Nessa perspectiva, a progressiva separação entre a fé e a razão filosófica conduziu (segundo João Paulo II) a filosofia a um papel marginal, colocando-a entre uma das áreas do saber humano, pois ao invés de buscar a verdade ou o sentido da vida, foi reduzida a uma "razão instrumental", a serviço de fins utilitaristas, de prazer ou de poder, obscurecendo-se a verdadeira dignidade da razão. [42]

Assim, João Paulo II comenta esta progressiva separação entre fé e razão:

"(…) mesmo na reflexão filosófica daqueles que contribuíram para ampliar a distância entre fé e razão, se manifestam às vezes gérmens preciosos de pensamento que, se aprofundados e desenvolvidos com mente e coração retos, podem fazer descobrir o caminho da verdade. Estes gérmens de pensamento podem encontrar-se, por exemplo, nas profundas análises sobre a percepção e a experiência, a imaginação e o inconsciente, sobre a personalidade e a intersubjetividade, a liberdade e os valores, o tempo e a história. (…) Todavia, isto não pode fazer esquecer a necessidade que a atual relação entre a fé e a razão tem de um cuidadoso esforço de discernimento, porque tanto a razão como a fé ficarão reciprocamente mais pobres e débeis." [43]

Assim, é valido o apelo de João Paulo II, no sentido de que "a fé a e a filosofia recuperem aquela unidade profunda que as torna capazes de serem coerentes com a sua natureza, no respeito da recíproca autonomia", pois "ao desassombro (parresia) da fé deve corresponder a audácia da razão." [44]

4.4 A ciência da fé e as exigências da razão filosófica

O homem, por natureza, é filósofo. A palavra de Deus, por sua vez, destina-se a todo homem, de qualquer época e lugar da terra. Nesse contexto, João Paulo II assevera que "a teologia, enquanto elaboração reflexiva e científica da compreensão da palavra divina à luz da fé, não pode deixar de recorrer às filosofias que vão surgindo ao longo da história, tanto para algumas das suas formas de proceder como para realizar funções mais específicas." [45]

Com efeito, a articulação da teologia dogmática deve ser feita por meio de conceituações, formuladas criticamente e acessíveis a todos, a fim de apresentar o sentido universal do mistério de Deus e da salvação. Assim, sem a filosofia não seria possível ilustrar certos conteúdos teleológicos, como a linguagem sobre Deus, as relações pessoais da Santíssima Trindade, a relação entre Deus e o homem e conseqüentemente a identidade de Cristo Jesus, ao mesmo tempo verdadeiro Deus e verdadeiro homem. [46]

Nesse contexto, João Paulo II esclarece que a teologia dogmática, em sua forma explicativa, pressupõe e implica uma filosofia do homem, do mundo e do próprio ser, sendo necessário que a razão do fiel tenha um conhecimento natural, verdadeiro e coerente da criação do mundo e do homem, devendo ser capaz de articular todo esse conhecimento de forma conceitual e argumentativa. [47]

Nesse sentido, a teologia fundamental deverá procurar justificar e explicar a relação entre a fé e a reflexão filosófica. Assim,

"(…) Quando a teologia fundamental estuda a Revelação e a sua credibilidade com o relativo ato de fé, deverá mostrar como emergem, à luz do conhecimento pela fé, algumas verdades que a razão, autonomamente, já encontra ao longo do seu caminho de pesquisa." [48]

Ademais, a relação da filosofia e da teologia com as culturas de cada povo é uma tema bem tratado pelo Papa João Paulo II em sua encíclica, uma vez que:

"as culturas estão intimamente relacionadas com os homens e a sua história, partilham das mesmas dinâmicas do tempo humano. E, conseqüentemente, registram transformações e progressos com os encontros que os homens promovem e com as recíprocas transmissões dos seus modelos de vida. As culturas alimentam-se com a comunicação de valores, e a sua vitalidade e subsistência dependem da sua capacidade de permanecerem abertas para acolher a novidade. Como se explicam tais dinâmicas? Todo homem está integrado numa cultura; depende dela, e sobre ela influi. É simultaneamente filho e pai da cultura na qual está inserido. Em cada manifestação da sua vida, o homem traz consigo algo que o caracteriza no meio da criação: a sua constante abertura ao mistério e o seu desejo inexaurível de conhecimento. Em conseqüência, cada cultura traz gravada em si mesma e deixa transparecer a tensão para uma plenitude. Pode-se, portanto, dizer que a cultura contém em si própria a possibilidade de acolher a revelação divina." [49]

Assim, "uma cultura nunca pode servir de critério de juízo e, menos ainda, de critério último de verdade a respeito da revelação de Deus". Dentro desse contexto, as culturas não são privadas, mas estimuladas a serem iluminadas pelo pensamento do Evangelho, do qual recebem impulso para novos progressos. [50]

Nessa linha de pensamento, João Paulo II acentua a competência atual dos cristãos de extrair do rico patrimônio cultural os elementos compatíveis com a fé, a fim de se obter o enriquecimento do pensamento cristão. Para isso, ressalta-se a observância de determinados critérios, como a universalidade do espírito humano, a observância pela Igreja do respeito aos hábitos culturais diversos dos hábitos greco-latinos, em razão de esse encontro com as diversas outras culturas (principalmente as orientais) poder se retirar ensinamentos para estabelecer um diálogo com essas culturas e construir um caminho para o futuro. [51]

Portanto, é dentro desse contexto que se explicita a relação de reciprocidade circular entre a razão e a fé, de modo que, nos dias atuais, se observa a incidência de uma filosofia cristã, pautada pelos aspectos subjetivos e objetivos, que constantemente desafia a razão da filosofia (por meio da Palavra de Deus) a descobrir novos e inesperados horizontes. [52]

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Sobre os autores
André Pires Gontijo

bacharelando em Direito pelo UniCEUB, pesquisador do CNPq

Laís Helena Riecken Teixeira

bacharelanda em Direito pelo UniCEUB (DF)

Valéria de Oliveira Dias

Bacharel em Administração pela UnB, bacharelanda em Direito pelo UniCEUB e servidora do TST

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GONTIJO, André Pires ; TEIXEIRA, Laís Helena Riecken et al. Sócrates e Jesus Cristo:: a relação entre a fé e a razão. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1061, 28 mai. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8444. Acesso em: 14 nov. 2024.

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