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Natureza jurídica do pedido de seqüestro de rendas públicas e Emenda Constitucional 30

01/02/2001 às 00:00
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1.Introdução:

O mestre PEDRO DOS REIS NUNES, na obra "Dicionário de Tecnologia Jurídica", 12ª edição 3ª tiragem, Freitas Bastos, RJ, 1994, página 773, define, de forma elogiável, seqüestro como sendo:

"Medida judicial preparatória ou preventiva que consiste na apreensão da coisa litigiosa, para evitar a sua ocupação ou desvio, e da qual é feito o depósito provisório em poder de terceiro, antes ou na pendência da lide, até que, finda esta, seja restituída ou entregue a pessoas a quem , realmente pertencer."

Em que pese o notável mestre estar referindo-se ao seqüestro como ação cautelar, artigo 822 e seguintes do Código de Processo Civil, a definição em função de seu brilhantismo, muito nos auxilia, tornando mais clara as peculiaridades do seqüestro de rendas públicas, conclusão que chegaremos ao final.

AMÍLCAR DE CASTRO, "Comentários ao Código de Processo Civil", 3ª edição, RT, SP, página 371, conclui que o seqüestro é:

"O instrumento assecuratório do direito de preferência do credor contra a Fazenda Pública".

Entendemos que o Seqüestro de Rendas Públicas seja a constrição judicial de natureza cautelar, a qual consiste na apreensão de rendas públicas, no montante do crédito efetivamente pago, o qual permanecerá em poder do respectivo Tribunal de Justiça até que constatada a preterição de precatório melhor posicionado do que o efetivamente pago, seja entregue o valor seqüestrado ao primeiro da ordem dos precatórios, de forma a restabelecer a ordem anteriormente infringida.

O seqüestro de rendas públicas disposto na Constituição Federal, artigo 100, § 2º, com redação dada pela emenda Constitucional número 30 de 13/09/2000, aplica-se quando o detentor de precatórios, percebendo que ocorrera uma omissão de inclusão do seu crédito no orçamento, no prazo legal, ou preterição ao direito de precedência, ou ainda vencido o prazo para pagamento da parcela estipulada no parcelamento, requisitar ao presidente do Tribunal de Justiça que o faça.

"Art.100. ......................"

"§ 1º É obrigatória a inclusão, no orçamento das entidades de direito público, de verba necessária ao pagamento de seus débitos oriundos de sentenças transitadas em julgado, constantes de precatórios judiciários, apresentados até 1º de julho, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte, quando terão seus valores atualizados monetariamente."(NR)

"§ 1º-A Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciarios e indenizações por morte ou invalidez, fundadas na responsabilidade civil, em virtude de sentença transitada em julgado." (AC)

"§ 2º As dotações orçamentárias e os créditos abertos serão consignados diretamente ao Poder Judiciário, cabendo ao Presidente do Tribunal que proferir a decisão exeqüenda determinar o pagamento segundo as possibilidades do depósito, e autorizar, a requerimento do credor, e exclusivamente para o caso de preterimento de seu direito de precedência, o seqüestro da quantia necessária à satisfação do débito."(NR)

"§ 3º O disposto no caput deste artigo, relativamente à expedição de precatórios, não se aplica aos pagamentos de obrigações definidas em lei como de pequeno valor que a Fazenda Federal, Estadual, Distrital ou Municipal deva fazer em virtude de sentença judicial transitada em julgado."(NR)

"§ 4º A lei poderá fixar valores distintos para o fim previsto no § 3º deste artigo, segundo as diferentes capacidades das entidades de direito público." (AC)

"§ 5º O Presidente do Tribunal competente que, por ato comissivo ou omissivo, retardar ou tentar frustrar a liquidação regular de precatório incorrerá em crime de responsabilidade." (AC)

Deste modo o seqüestro não confunde-se com o pedido de intervenção, que tem cabimento quando findo o exercício no qual o ente público deveria ter realizado o pagamento este não o faz.

O SEQÜESTRO DE RENDAS PÚBLICAS, de maneira mais objetiva é o instrumento colocado a disposição do detentor de precatório preterido em seu direito de precedência, ou que teve seu precatório não incluído no orçamento respectivo, ou que deixou de receber a parcela de seu crédito anteriormente parcelado e vencido, para por meio do Poder Judiciário ver a ordem de precatórios restabelecida.

Em outras palavras, o seqüestro não visa que o seu requerente receba valor algum e sim que qualquer valor a ser liberado com o caráter de pagamento seja realizado seguindo uma ordem anteriormente estabelecida, buscando e preservando os princípios da Justiça, Moralidade Administrativa e Legalidade.


2.Natureza Jurídica do Pedido de Seqüestro:

A grande dúvida que surge é se o seqüestro possui natureza cautelar ou satisfatória.

VICENTE GRECO FILHO, "Da Execução Contra a Fazenda Pública", Ed. Saraiva, SP, 1986, entende que a natureza é cautelar, vez que "o próprio pedido de seqüestro não é medida para compelir a pagar, mas instrumento do credor preterido somente no caso de violação da ordem cronológica".

Assim, a corrente que defende a natureza cautelar entende que uma vez seqüestrado o valor, este é deixado a disposição do tribunal para que o mesmo recomponha a ordem cronológica de pagamento dos precatórios, anteriormente infringida pelo ente público.

Recompor a ordem, sob nosso humilde ponto de vista, implica em liberar tais valores ao primeiro colocado na ordem precatória, o que por si só implicaria em recomposição da ordem. Outra saída apreciável, seria deixar o valor seqüestrado em depósito até que chegasse a vez de receber do requerente do seqüestro, contudo, esta atitude deixa de prestigiar o princípio da justiça social, em função do longo período de tempo a se aguardar.

Nesta última hipótese, na verdade, não se recomporia a ordem, vez que o primeiro da lista continuaria sem receber, criando uma segunda injustiça, vejamos:

A primeira injustiça foi o pagamento do precatório fora da ordem, valor que deveria ser perseguido, mas que o Tribunal de Justiça de São Paulo tem se esquecido, não acolhendo o entendimento de que aquele, o qual efetivamente recebeu os valores fora da ordem, deveria compor o pólo passivo do lado do ente público.

Assim, aquele credor que recebeu antecipadamente não devolve valor algum, nem sofre nenhuma punição, reservando direito de continuar na ordem de precatórios no caso de os valores recebidos não serem a integridade do precatório que constitui seu direito.

A segunda injustiça ocorreria se entendêssemos que os valores pleiteados pelo requerente do seqüestro pudessem ser levantados pelo requerente, ou que permanecessem reservados para quando o pagamento regular alcançasse o seu precatório, constituindo uma garantia de recebimento.

Neste caso, dois credores estariam antecipando valores que poderiam ser usados no pagamento do primeiro credor, um que recebeu injustamente e outro que recebeu ou teve seu credito reservado por força do seqüestro de rendas, seria um segundo erro e não uma correção.

Caso o Tribunal de Justiça, por meio de seu presidente, que é quem detém a competência no caso de seqüestro de rendas, atue liberando valores seqüestrados para aquele que não é o primeiro da ordem ou concordando com a reserva de valores para servirem de garantia do crédito do credor requerente, o presidente do mencionado tribunal deverá ser responsabilizado na forma do parágrafo 5º do artigo 100 da Constituição Federal, com redação dada pela Emenda Constitucional número 30, transcrição supra, vez que estará retardando a liquidação do crédito dos credores que antecedem o requerente.

Adotamos para esta conclusão a definição de liquidação trazida na obra de PEDRO NUNES, anteriormente citada, fls. 561:

Liquidação: "Ato de apurar, determinar e saldar uma conta. extinção ou resgate de uma obrigação".

Outra linha de entendimento compreende que a natureza do seqüestro de rendas é satisfativa, de forma que, seqüestrado os valores, estes devam ser liberados ao requerente, extinguindo seu débito, vez que os valores seqüestrados, como vem entendendo o Tribunal de Justiça de São Paulo, segue o quantum do montante do crédito do requerente e não os valores pagos efetivamente.

Deste modo, teríamos a situação esdrúxula, de termos como conseqüência do pagamento de um valor ínfimo de parte do crédito de um credor, uma medida que retiraria dos cofres públicos valores diversas vezes maiores, situação a se agravar com a efetiva liberação do mesmo ao requerente.

A liberação dos valores ao requerente, desde que este não seja o primeiro da ordem, implicará no pagamento de um novo credor de forma a desrespeitar novamente a ordem de precatórios, em nome da qual se permite o mesmo seqüestro.

Nestes moldes, em conseqüência de um erro, se cometeria outro punindo duas vezes aquele que deveria ser beneficiado com a medida e ao contrario a suporta.

Apesar da cristalina clareza que observamos no dispositivo discutido, temos nomes de peso na defesa da natureza satisfatória, como ARAKEN DE ASSIS, "Manual do Processo de Execução", 2ª ed., RT, SP, 1995, fls. 673/674, JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA, "O Novo Processo Civil Brasileiro", 10ª ed., Forense, RJ, 1989, fls. 352 e JOSÉ ANTÔNIO DE CASTRO, "Processo de Execução no Código de Processo Civil", 3ª ed., Saraiva, SP, 1983, fls. 455.

Posição interessante defende NELSON NERY JÚNIOR E ROSA MARIA ANDRADE NERY, "Código de Processo Civil Comentado", 2ª ed., RT, SP, 1996, fls. 1.089, para eles o seqüestro teria natureza híbrida, assim, se fosse requerido pelo primeiro credor da ordem teria natureza satisfativa, se requerida por qualquer outro teria natureza cautelar.

Entendemos que mesmo que seja requerida pelo primeiro da ordem e que este levante o valor seqüestrado, o seqüestro continuará tendo natureza cautelar, vez que o este sempre visa recompor a ordem de precatórios quebrada pelo pagamento irregular, uma vez que o valor foi seqüestrado, passa-se a verificar quem é o primeiro credor, sendo este o único habilitado a requerer o levantamento do valor, seja quem for o requerente do seqüestro, de forma que o levantamento pelo primeiro credor deve ser a conseqüência final de qualquer pedido se seqüestro, seja quem for o que tenha requerido.


3.Emenda Constitucional Número 30:

A Emenda Constitucional número 30 não veio apenas contemplar novas hipótese de incidência do seqüestro de rendas públicas, mas também e principalmente por termo a discussão quanto a sua natureza, como veremos a seguir.

Primeiramente, ressaltamos que o parcelamento que a emenda 30 trouxe não é uma faculdade dada ao poder público, ao contrário é uma imposição que obriga ao ente público parcelar, vejamos:

"Art. 78. Ressalvados os créditos definidos em lei como de pequeno valor, os de natureza alimentícia, os de que trata o art. 33 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e suas complementações e os que já tiverem os seus respectivos recursos liberados ou depositados em juízo, os precatórios pendentes na data de promulgação desta Emenda e os que decorram de ações iniciais ajuizadas até 31 de dezembro de 1999 SERÃO LIQUIDADOS PELO SEU VALOR REAL, EM MOEDA CORRENTE, ACRESCIDO DE JUROS LEGAIS, EM PRESTAÇÕES ANUAIS, IGUAIS E SUCESSIVAS, NO PRAZO MÁXIMO DE DEZ ANOS, permitida a cessão dos créditos." (AC)

"§ 1º É permitida a decomposição de parcelas, a critério do credor." (AC)

"§ 2º As prestações anuais a que se refere o caput deste artigo terão, se não liquidadas até o final do exercício a que se referem, poder liberatório do pagamento de tributos da entidade devedora." (AC)

"§ 3º O prazo referido no caput deste artigo fica reduzido para dois anos, nos casos de precatórios judiciais originários de desapropriação de imóvel residencial do credor, desde que comprovadamente único à época da imissão na posse." (AC)

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"§ 4º O Presidente do Tribunal competente deverá, vencido o prazo ou em caso de omissão no orçamento, ou preterição ao direito de precedência, a requerimento do credor, requisitar ou determinar o seqüestro de recursos financeiros da entidade executada, suficientes à satisfação da prestação." (AC)

Esclarecido que o parcelamento, como observado no grifo da transcrição supra, é obrigatório e atendo-se ao fato que as prestação anuais implicará em pagamento de um décimo do valor total das dívidas inclusas no parcelamento, sendo o seqüestro, a requerimento dos credores, cabível no caso de não pagamento e considerando que os valores seqüestrados implicaram na parcela de 1/10 do crédito de todos os credores e liberados a estes, o seqüestro confirma seu caráter cautelar, visando a recompor de forma forçada a ordem precatória.

Deste modo, o "o novo legislador constitucional", poder constituinte derivado, vem corrigir e sanar as dúvidas inflamadas com a redação do texto constitucional originário, reafirmando o espírito da lei e consolidando o entendimento mais plausível fruto de uma análise sistemática.


4.Conclusão:

Deste modo, concluímos que o seqüestro de rendas públicas sempre teve natureza cautelar, condição reafirmada pela emenda constitucional número 30, a qual também, com sobriedade tamanha, veio trazer aos nossos dias uma forma coerente de pagamento dos débitos públicos.

Esta emenda constitucional, de forma sobre maneira, tem a nobre missão de não apenas tornar mais justa a forma de pagamento dos débitos públicos, mas também eliminar a interpretação nociva que os Tribunais de Justiça vinham dando ao dispositivo do seqüestro de rendas públicas.

A referida emenda, até hoje é taxada de injusta e motivo de revolta dos formadores de opinião, que equivocadamente a apelidaram de calote, esquecendo-se de seu real significado, e justiça que encontra-se em seu bojo, agora, pessoas que aguardavam 10 a 20 anos para receber os seus precatórios, de forma sistemática, passaram a recebe-los em parcelas em um prazo de 10 anos.

Ao contrario disto, órgãos e personagens que nomeiam-se protetores e defensores dos direitos do povo, buscam a inconstitucionalidade deste instrumento moralizador, a qual uma vez declarada, condenará aos credores da fazenda a aguardarem por mais 10 a 15 anos sem receber valor algum, contando apenas com a possibilidade do ente público pagar de forma errada, o que lhes permitirá ingressarem com o seqüestro de rendas, o qual sem a clareza e disposição da emenda 30, provavelmente se arrastará por anos afora, como vem ocorrendo com os atuais seqüestros que perambulam pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.

Desta forma, concluímos pela natureza cautelar do seqüestro de rendas públicas e vamos além, pedindo vênia para apresentarmos nosso inconformismo contra os opositores da emenda constitucional número 30.


5.Bibliografia:

Assis, Araken de, "Manual do Processo de Execução", 2ª ed., RT, SP, 1995;

Barreira, Wagner, "Enciclopédia Saraiva do Direito", Saraiva, SP, 1977;

Castro, Amílcar de, "Comentários ao Código de Processo Civil", 3ª edição, RT, SP, 1983;

Castro, José Antônio de, "Processo de Execução no Código de Processo Civil", 3ª ed., Saraiva, SP, 1983;

Moreira, José Carlos Barbosa, "O Novo Processo Civil Brasileiro", 10ª ed., Forense, RJ, 1989;

Nery Júnior, Nelson e Andrade Nery, Rosa Maria, "Código de Processo Civil Comentado", 2ª ed., RT, SP, 1996

Nunes, Pedro dos Reis, na obra "Dicionário de Tecnologia Jurídica", 12ª edição 3ª tiragem, Freitas Bastos, RJ, 1994;

Viana, Juvêncio Vasconcelos, "Execução Contra a Fazenda Pública", Dialética, SP, 1998;

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Sobre o autor
Orlan Fábio da Silva

advogado, servidor público do Município de Mauá (SP), presidente do Conselho Municipal das Pessoas Portadoras de Deficiência de Mauá

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Orlan Fábio. Natureza jurídica do pedido de seqüestro de rendas públicas e Emenda Constitucional 30. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 49, 1 fev. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/845. Acesso em: 28 mar. 2024.

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