A QUESTÃO DA IMUNIDADE SOBRE OS LIVROS NO BRASIL

08/08/2020 às 12:10
Leia nesta página:

O ARTIGO DISCUTE POSSÍVEL EXAÇÃO EM REFORMA TRIBUTÁRIA.

A QUESTÃO DA IMUNIDADE SOBRE OS LIVROS NO BRASIL

Rogério Tadeu Romano

Na proposta de reforma tributária, decidiu-se  taxar a comercialização de livros em 12%, no lugar do PIS/Cofins.

O fato representa não só um retrocesso cultural, num país onde o governo precisa incentivar o povo a ler e se instruir, como fere uma longa linha histórica traçada.  

Mister se faz, em primeiro lugar, definir o conceito de imunidades tributárias.

As imunidades são vedações constitucionais à tributação de determinadas pessoas ou objetos, seja pela natureza jurídica que têm, seja porque realizam certos fatos, seja, ainda, por estarem relacionadas com dados bens e situações, conforme entende o professor Roque Antonio Carrazza:

“A imunidade tributária é um fenômeno de natureza constitucional. As normas constitucionais que, direta ou indiretamente, tratam do assunto fixam, por assim dizer, a incompetência das entidades tributantes para onerar, com exações, certas pessoas, seja em função de natureza jurídica, seja porque coligadas a determinados fatos, bens ou situações”. (CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário, 17ª Ed., Editora Malheiros, pág. 612).

As normas de imunidade, portanto, estabelecem expressamente a incompetência das pessoas políticas de direito constitucional interno para expedir quaisquer regras instituidoras de tributos que alcancem as pessoas ou objetos por elas protegidas.

José Wilson Ferreira Sobrinho vai mais longe, ao afirmar que a imunidade confere ao seu destinatário o direito público subjetivo de não ser tributado. Ou seja, trata-se de uma incompetência da pessoa política/Fisco (ou limitação, como alguns doutrinadores entendem) de tributar uma determinada entidade, e, por outro lado, trata-se de um direito público que essa entidade tem de não ser tributada:

“A norma imunizante não tem apenas a função de delinear a competência tributária, senão que também outorga ao imune o direito público subjetivo de não sofrer a ação tributária do Estado. A norma imunizante, portanto, tem o duplo papel de fixar a competência tributária e de conferir ao seu destinatário um direito público subjetivo, razão que permite sua caracterização, no que diz com a outorga de um direito subjetivo, como norma jurídica atributiva, por conferir ao imune o direito referido”. (Imunidade Tributária, Porto Alegre, Sérgio Antonio Fabris Editor, 1996, pág. 102.)

A Constituição Federal, em seu artigo 150, inciso VI, dispõe sobre algumas situações em que o Poder Público está proibido de instituir impostos:

“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(...)

VI - instituir impostos sobre:

a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;

b) templos de qualquer culto;

c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;

d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão”. (grifos nossos)

A imunidade tributária, que não está presente apenas no artigo 150 supra transcrito, mas que pode ser encontrada também em outros dispositivos espalhados por nossa Carta Magna, pode ser definida, em suma, como “uma forma qualificada ou especial de não-incidência, por supressão, na Constituição, da competência impositiva ou do poder de tributar, quando se configuram certos pressupostos, situações ou circunstâncias previstas pelo estatuto supremo”. (FALCÃO, Amílcar de Araujo. Fato Gerador da Obrigação Tributária, 2.ed, São Paulo, Revista dos Tribunais, p. 117.)

A imunidade é objetiva. Vale dizer, o livro, o jornal, o papel de impressão estão imunes aos impostos.

A imunidade filia-se aos dispositivos constitucionais que asseguram a liberdade de expressão e opinião e partejam o debate das ideias em prol da cidadania, além de simpatizar com o desenvolvimento da cultura, da educação e da informação.

Dir-se-á que hoje o acesso à leitura é feito, cada vez mais, por meios eletrônicos.

Mesmo assim não há como fazer incidir impostos sobre eles.

O STF em sede de repercussão geral no RE 330817/RJ, no dia 08/03/2017, com relator o Ministros Dias Toffoli, apreciou tal tema.

A imunidade tributária constante do art. 150, VI, “d”, da Constituição Federal (CF), aplica-se ao livro eletrônico (“e-book”), inclusive aos suportes exclusivamente utilizados para fixá-lo. (STF. Plenário. RE 330817/RJ, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 8/3/2017 - repercussão geral. Informativo 856 STF).

Com base nessas orientações, o Plenário, em conclusão, negou provimento a dois recursos extraordinários, julgados em conjunto, nos quais discutido o alcance da imunidade prevista no art. 150, VI, “d”, da CF, de modo a abarcar tanto componentes eletrônicos que acompanham e complementam material didático impresso, utilizados em curso prático de montagem de computadores, quanto livros eletrônicos. Segundo afirmou o STF, a imunidade do art. 150, VI, “d”, da CF/88 não abrange apenas os livros produzidos pelo “método gutenberguiano”

O  livro pode ser veiculado em diversos tipos de suporte, seja ele tangível (ex: papel) ou intangível (ex: digital). Isso tudo nos leva à conclusão de que o papel é apenas um elemento acidental no conceito de livro, e não essencial, ou seja, existe livro mesmo sem papel.

Nas palavras do Min. Dias Toffoli: “o suporte das publicações é apenas o continente (corpus mechanicum) que abrange o conteúdo (corpus misticum) das obras e, portanto, não é o essencial ou o condicionante para o gozo da imunidade”. O fato de os livros eletrônicos permitirem uma maior capacidade de interação com o leitor/usuário (a partir de uma máquina), em comparação com os livros contidos nos códices (livros impressos em papel), não é motivo para se negar a eles a imunidade tributária.

O aumento dessa interação é natural e está ligado ao processo evolutivo da cultura escrita trazendo novas funcionalidades como a busca de palavras, o aumento ou a redução do tamanho da fonte etc. Além disso, o usuário pode carregar consigo centenas de livros armazenados no leitor digital. Isso tudo facilita a difusão da cultura (objetivo teológico e histórico desta norma).

Também foi divulgado o RE 595676, de relatoria do ministro Marco Aurélio, no qual o plenário discutiu a constitucionalidade da concessão de imunidade tributária na importação de pequenos componentes eletrônicos que acompanham material didático de curso de montagem de computadores.

O recurso foi interposto pela União contra acórdão do TRF da 2ª região que garantiu à Nova Lente Editora a imunidade tributária na importação de fascículos compostos pela parte impressa e pelo material demonstrativo, formando um conjunto em que se ensina como montar um sistema de testes.

O julgamento foi iniciado em agosto de 2014. Na ocasião, em voto pelo desprovimento do RE, o ministro Marco Aurélio, relator, observou que o dispositivo constitucional que garante imunidade tributária a livros, jornais, periódicos e ao papel destinado a sua impressão deve ser interpretado de forma ampliada para abranger peças e componentes a serem utilizados como material didático que acompanhe publicações.

O relator argumentou que o artigo 150, inciso VI, “d”, da Constituição Federal deve ser interpretado de acordo com os avanços tecnológicos ocorridos desde sua promulgação, em 1988. Ressaltou que, desde então, ocorreram diversos avanços no campo da informática, como o aumento da capacidade operacional dos computadores, a criação de novas plataformas como tablets, além do advento da internet e da ampliação de acesso à informação.

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O ministro destacou que os fascículos educativos importados pela editora para ministrar cursos são acompanhados de material com o objetivo de facilitar o aprendizado e o conjunto ensina como montar um sistema de testes. “O essencial é o curso e as peças nada representam sem o curso teórico, ou seja, as ditas ‘pecinhas’ nada mais são do que partes integrantes dos fascículos, estando, portanto, esse conjunto abarcado pela referida imunidade tributária.”

Em decisão unânime, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou, em sessão virtual, a Proposta de Súmula Vinculante (PSV) 132, formulada pela Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom), para fixar que a imunidade tributária dada pela Constituição Federal a papel, jornais, livros e periódicos se aplica também a livros digitais e seus componentes importados.

A redação aprovada para a Súmula Vinculante 57, nos termos do voto do relator, ministro Dias Toffoli, presidente do STF, foi a seguinte:

"A imunidade tributária constante do art. 150, VI, d, da CF/88 aplica-se à importação e comercialização, no mercado interno, do livro eletrônico (e-book) e dos suportes exclusivamente utilizados para fixá-los, como leitores de livros eletrônicos (e-readers), ainda que possuam funcionalidades acessórias".

Dir-se-á que essa imunidade se daria apenas aos impostos.

O artigo 28, inciso VI, da Lei nº 10.864/04, com redação dada pela Lei nº 11.033/04, outorga alíquota zero para as contribuições ao PIS e à COFINS incidentes sobre as receitas de vendas de livros no mercado interno, nos seguintes termos:

"Art. 28. Ficam reduzidas a 0 (zero) as alíquotas da contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS incidentes sobre a receita bruta decorrente da venda, no mercado interno, de:
(...)
VI - livros, conforme definido no art. 2º da Lei nº 10.753, de 30 de outubro de 2003;"

Como se pode verificar, para fins de aplicação da alíquota zero de PIS e COFINS, a legislação faz referência ao conceito de livro trazido pelo artigo 2º Lei nº 10.753/03, que instituiu a chamada Política Nacional do Livro.

De acordo com o artigo 2º Lei nº 10.753/03, considera-se livro a publicação de textos escritos em fichas ou folhas, não periódica, grampeada, colada ou costurada, em volume cartonado, encadernado ou em brochura, em capas avulsas, em qualquer formato e acabamento.

A alíquota zero de PIS e COFINS também abrange os chamados livros por equiparação, a seguir elencados:

I - fascículos, publicações de qualquer natureza que representem parte de livro;

II - materiais avulsos relacionados com o livro, impressos em papel ou em material similar;

III - roteiros de leitura para controle e estudo de literatura ou de obras didáticas;

IV - álbuns para colorir, pintar, recortar ou armar;

V - atlas geográficos, históricos, anatômicos, mapas e cartogramas;

VI - textos derivados de livro ou originais, produzidos por editores, mediante contrato de edição celebrado com o autor, com a utilização de qualquer suporte;

VII - livros em meio digital, magnético e ótico, para uso exclusivo de pessoas com deficiência visual;

VIII - livros impressos no Sistema Braille.

A receita sobre a venda de livros está livre de PIS e COFINS pela figura da alíquota zero das contribuições, este benefício legal não alcança as receitas de prestação de serviços gráficos.

Este é o entendimento emitido pela Receita Federal, através da Solução de Consulta nº 445/2017 (DOU de 22/09). As vendas de livros realizadas por gráficas, comerciantes atacadistas e varejistas estão sujeitas à alíquota zero de PIS e COFINS, conforme autorizado pelo inciso VI do art. 28 da Lei nº 10.865 de 2004. De acordo com a Solução de Consulta nº 445/2017 da Receita Federal, estão sujeitas à alíquota zero as receitas de vendas no mercado interno de livros, conforme definidos no art. 2º da Lei nº 10.753, de 2003, efetuadas tanto por gráficas quanto por comerciantes atacadistas ou varejistas.

É certo que PIS/COFINS, a serem unificados, são contribuições sociais que têm uma origem parafiscal.

Segundo o jornal O GLOBO, em 29 de julho de 2020, no ano de 2015, a International Publishers Association (Associação Internacional de Editores, IPA) divulgou uma pesquisa sobre a tributação de livros em 79 países. De todos os analisados, 31 (39%) não taxam a venda. Nos demais, o imposto médio sobre as publicações impressas é de 5,75%, e sobre e-books é de 12,25%. Dos nove países latino-americanos analisados (Brasil, Uruguai, Argentina, Chile, Peru, Equador, Colômbia, Venezuela e México), o Chile é o único a taxar a venda de livros (19%). “Taxar livros restringe sua circulação, o que deve preocupar os países em desenvolvimento que tentam reduzir seu déficit de conhecimento e também os países desenvolvidos que tentam manter sua competitividade”, conclui a pesquisa.

Um país que tributa grandes fortunas não pode tributar a cultura, seja por meio de impostos, taxas ou contribuições.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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