UM CASO CONCRETO ENVOLVENDO A INTEMPESTIVIDADE DE RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO

15/08/2020 às 12:49
Leia nesta página:

O ARTIGO DISCUTE SOBRE A APLICAÇÃO DO ARTIGO 798 DO CPP.

UM CASO CONCRETO ENVOLVENDO A INTEMPESTIVIDADE DE RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Rogério Tadeu Romano

 

I – O FATO

 

Segundo o site do G1,  a Justiça do Rio decidiu nesta quinta-feira (13) que foram feitos fora do prazo legal os dois recursos apresentados pelo Ministério Público do Rio contra a decisão que concedeu foro privilegiado ao senador Flávio Bolsonaro no caso da investigação da suposta “rachadinha” no gabinete dele na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj).

Disse a desembargadora Elisabete Filizzola Assunção, terceira vice-presidente do TJRJ o que segue: 

“A alegação Ministerial no sentido de que a nova redação do artigo 638 do Código de Processo Penal, alterado por força da Lei 13.964/2019, passou a prever expressamente a aplicação da lei processual civil no processamento dos recursos Especial e Extraordinário e, via de consequência, a contagem do prazo no processo penal deveria ser em dias úteis e não corridos, não merece amparo, na medida em que absolutamente divergente do entendimento já consagrado no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que a contagem do prazo processual penal deve ser realizada com fundamento em norma específica sobre a matéria, o artigo 798 do Código de Processo Penal, a afastar a incidência do art. 219 do Código de Processo Civil”.

Colho da notícia da Folha de São Paulo, em 14 de agosto do corrente ano, o que segue:

“O clique de uma simpatizante do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) fez com que o Ministério Público do Rio de Janeiro perdesse o prazo para recorrer contra a concessão de foro especial ao senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) e acirrou um clima de desconfiança no Ministério Público do Estado.

Defensora de foro especial em favor de Flávio, a procuradora Soraya Gaya antecipou em três dias a contagem de prazo para que o Ministério Público recorresse contra a decisão de foro privilegiado ao primogênito do presidente.

Soraya —que já elogiou Bolsonaro nas redes sociais— fez isso ao acessar em uma quinta-feira, 2 de julho, a intimação que informava ao MP-RJ a remessa do caso de Flávio para o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

O acesso dela lançou no sistema o registro de que o MP-RJ tinha tomado oficialmente ciência da decisão, dando início ao que a Justiça chama de fluência de prazo.

Em junho, a 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio concedeu foro especial a Flávio. Pela decisão, o processo que investiga a prática de "rachadinha" no gabinete dele na Assembleia Legislativa do Rio saiu das mãos do juiz Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal, e passou para o Órgão Especial do TJ, colegiado formados por 25 desembargadores.”

II – OS PRAZOS SEGUNDO O CPP E A LEI 11.419/2006

Observa-se o artigo 798 do CPP.

Art , 798, CPP. Todos os prazos correrão em cartório e serão contínuos e peremptórios, não se interrompendo por férias, domingo ou dia feriado.

O STJ já se manifestou de forma categórica nesse sentido:

A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça é no sentido de que, em ações que tratam de matéria penal ou processual penal, não incidem as novas regras do Código de Processo Civil – CPC, referentes à contagem dos prazos em dias úteis (art. 219 da Lei 13.105/2015), ante a existência de norma específica a regular a contagem do prazo (art. 798 do CPP), uma vez que o CPC é aplicada somente de forma suplementar ao processo penal. (EDcl no AgRg no RR no AgRg no AREsp 981030 PE 2016/0239083-5, Relator Ministro Humberto Martins, DJe 28/11/2017)

Após a edição da Lei n. 13.105/2015 (novo Código de Processo Civil)– que estabeleceu o prazo de 15 dias para a interposição de todos os recursos nele previstos, com exceção dos embargos de declaração -, a Corte Especial deste Superior Tribunal, assim como sua Terceira Seção, solidificou o entendimento no sentido de que esse regramento, assim como o que diz respeito à contagem dos prazos em dias úteis, não se aplica às controvérsias pertinentes a matéria penal ou processual penal. (AgRg no Agravo em Recurso Especial n.º 1.179.262-SP, Relator Ministro Joel Ilan Paciornik, DJe 02/03/2018)

No AREsp 1047071, o ministro Ribeiro Dantas deixou consignado que que a legislação processual civil pode, eventualmente, ser aplicada no processo penal, mas apenas quando não houver disposições expressas acerca de determinada matéria na lei processual penal.

“O artigo 798, caput, do Código de Processo Penal estabelece que os prazos serão contínuos e peremptórios, não se interrompendo por férias, domingo ou dia feriado, ou seja, nesse caso não será aplicada a norma do artigo 219 do novo CPC, segundo a qual na contagem dos prazos processuais devem ser computados somente os dias úteis”, concluiu o ministro.

Portanto, não se aplica para o caso a regra do Código de Processo Civil, mas o que estatui o Código de Processo Penal.

Sabe-se que hoje a intimação é digital.

O art 5º da Lei n. 11.419/2006 dispõe:

Art. 5º As intimações serão feitas por meio eletrônico em portal próprio aos que se cadastrarem na forma do art. 2º desta Lei, dispensando-se a publicação no órgão oficial, inclusive eletrônico.§ 1º Considerar-se-á realizada a intimação no dia em que o intimando efetivar a consulta eletrônica ao teor da intimação, certificando-se nos autos a sua realização.§ 2º Na hipótese do § 1º deste artigo, nos casos em que a consulta se dê em dia não útil, a intimação será considerada como realizada no primeiro dia útil seguinte.§ 3º A consulta referida nos §§ 1º e 2º deste artigo deverá ser feita em até 10 (dez) dias corridos contados da data do envio da intimação, sob pena de considerar-se a intimação automaticamente realizada na data do término desse prazo.§ 4º Em caráter informativo, poderá ser efetivada remessa de correspondência eletrônica, comunicando o envio da intimação e a abertura automática do prazo processual nos termos do § 3º deste artigo, aos que manifestarem interesse por esse serviço.§ 5º Nos casos urgentes em que a intimação feita na forma deste artigo possa causar prejuízo a quaisquer das partes ou nos casos em que for evidenciada qualquer tentativa de burla ao sistema, o ato processual deverá ser realizado por outro meio que atinja a sua finalidade, conforme determinado pelo juiz.§ 6º As intimações feitas na forma deste artigo, inclusive da Fazenda Pública, serão consideradas pessoais para todos os efeitos legais.

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A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que, nos termos do art. 5º, §§1º e 3º, da Lei 11.419/2006, a intimação eletrônica considera-se realizada no dia em que o intimado efetivar a consulta eletrônica ao teor da intimação, a qual pode ser realizada em até 10 dias, contados da data do seu envio, sob pena deconsiderar-se a intimação automaticamente realizada na data do término desse prazo (HC 400.310/SP, de minha relatoria, Quinta Turma, julgado em 22/8/2017, DJe 31/8/2017).

E a Lei n. 11.419/2006 não faz exceção ao Ministério Público, devendo-se, em atendimento à igualdade das partes no devido processo legal, aplicar a mesma regra ao órgão ministerial.

Nessa linha, os seguintes julgados:

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO PENAL E DIREITO PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO. PARQUET ESTADUAL. INTIMAÇÃO ELETRÔNICA. REMESSA DOS AUTOS VIA PORTAL DO TRIBUNAL. DIES A QUO. DATA DE EFETIVA CONSULTA. ART. 5º DA LEI N. 11.419/2006. APELAÇÃO TEMPESTIVA. RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM. 1. A realização da intimação eletrônica se dá no dia em que o intimando efetuar a consulta eletrônica ou, não sendo essa realizada no prazo de 10 dias corridos, contados da data do envio, deverá ser considerada como realizada tacitamente no último dia do prazo dos 10 dias previstos para consulta (Lei n. 11.419/2006).2. Para a jurisprudência deste Superior Tribunal, a Lei n. 11.419/2006 não faz exceção ao Ministério Público, devendo-se, em atendimento à igualdade das partes no devido processo legal, aplicar a mesma regra dos §§ 1º e 3º, do art. 5º desta lei, ao órgão ministerial.3. O agravo regimental não merece prosperar, porquanto as razões reunidas na insurgência são incapazes de infirmar o entendimento assentado na decisão agravada.4. Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp n. 1762101/MS, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Sexta Turma, julgado em 16/10/2018, DJe 13/11/2018).

PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TEMPESTIVIDADE. CONSUMAÇÃO DA INTIMAÇÃO ELETRÔNICA DO MINISTÉRIO PÚBLICO PELO DECURSO DE PRAZO DO ART. 5º DA LEI N. 11.419/2006. TERMO INICIAL. AGRAVO CONHECIDO PARA DAR PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.I - A intimação eletrônica é considerada como realizada no dia em que o intimando efetuar a consulta eletrônica ou, não sendo esta realizada no prazo de 10 (dez) dias corridos, contados da data do envio, deverá ser considerada como realizada tacitamente no último dia do prazo dos 10 (dez) dias previstos para consulta. II - A lei 11.419/2006 não faz exceção ao Ministério Público, devendo-se, em atendimento à igualdade das partes no devido processo legal, aplicar a mesma regra dos §§ 1º e 3º, do art. 5º desta lei, ao órgão ministerial. Precedentes. Agravo regimental desprovido. (AgRg no AREsp n. 1147557/MS, Rel. Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma, julgado em 24/5/2018, DJe 30/5/2018).

 Especificamente no julgamento do REsp 1.800. 991, o STJ não acolheu o entendimento do TJ de que não é preciso “certificação da data em que a parte efetivamente consultou o processo eletrônico” e que “o termo inicial do prazo recursal do Ministério Público é contado a partir da entrega dos autos digitais em vista ao Promotor de Justiça — prerrogativa de intimação pessoal” .

III – CONCLUSÕES

O caso se coloca como grave.

Caso confirmado o fato, será hipótese de tomada de providências por parte da Corregedoria do órgão, para as medidas devidas, independentemente de providências perante o Conselho Nacional do Ministério Público.

Afigura-se como incomum o fato a merecer da parte do Ministério Público do Estado a devida apuração.

 

 

 

 

 

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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