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A inconstitucionalidade da instrução normativa INSS nº 80/2002.

A ilegal retenção de 11% sobre o faturamento das empresas optantes pelo SIMPLES

21/06/2006 às 00:00
Leia nesta página:

            O Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, em franca contraposição à Constituição da República/88 e à ordem infraconstitucional, demonstrando mais uma vez sua exacerbada voracidade arrecadatória, reinventou normatização no sentido de obrigar que as empresas prestadoras de serviços optantes pelo SIMPLES sofram retenção de 11% "sobre o valor bruto da nota fiscal, da fatura ou do recibo emitido".

            Reinvenção sim! Esdrúxula cobrança já havia sido tentada pelo órgão do governo quando editou as ordens de serviço OS/INSS/DAF/Nº 203, de 29 de janeiro de 1999 e OS/INSS/DAF/Nº 209, de 28 de maio de 1999. Tal cobrança foi plenamente rechaçada pelos nossos tribunais, o que fez com que o INSS, através da IN 8/2000, afastasse a ilegal retenção.

            Contudo, o INSS, utilizando-se de diverso meio normativo, mas com o mesmo conteúdo prático, editou, no dia 27 de agosto de 2002, com vigência a partir de 1° de setembro do mesmo ano, a Instrução Normativa n° 80/2002, apresentando dispositivo com a seguinte redação:

            "No período de 1º de janeiro de 2000 até o dia anterior à vigência desta Instrução Normativa, a empresa optante pelo SIMPLES não está sujeita à retenção de 11% (onze por cento) sobre o valor bruto da nota fiscal, da fatura ou do recibo emitido, quando prestar serviços executados mediante cessão de mão-de-obra ou empreitada, na forma do disposto no art. 31 da Lei nº 8.212, de 1991."

            Com esta nova redação dada pela IN, as empresas optantes pelo SIMPLES se viram automaticamente, de forma transversa, obrigadas a sofrer o recolhimento de 11% sobre o seu faturamento a título de "contribuição social a cargo do empregador".

            O valor retido, conforme estabelecido na Lei 8.212/91, será objeto de compensação pelo respectivo estabelecimento da empresa cedente de mão-de-obra, quando do recolhimento das contribuições destinadas à Seguridade Social devidas sobre a folha de pagamento dos segurados a seu serviço ou, sendo impossível, gerará direito a restituição. Teoricamente, o valor retido a maior será objeto de compensação ou restituição.

            Entretanto, na prática, essa compensação não existe, posto que não há como se promover a compensação, já que a contribuição social a cargo do empregador é paga na alíquota única do SIMPLES e, de outra margem, a restituição quase não funciona, em vista das enormes dificuldades, burocracia e demora em se obter esta repetição de indébito.

            Todavia, os nossos tribunais têm aberto os olhos a esta inconstitucional/ilegal cobrança, rechaçando, mais uma vez, tormentosa retenção. Segundo o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, existe:

            "uma incompatibilidade técnica entre o regime tributário genérico da retenção e o regime específico da opção pelo SIMPLES, que levada a efeito causará injustiça fiscal fazendo com que as microempresas e empresas de pequeno porte tenham uma redução drástica do capital de giro, inviabilizando o exercício de suas atividades em face do lento e burocrático procedimento dos pedidos de restituição"

- AMS 2003.38.00.014764-7/MG.

            Reforça o Tribunal, em decisão primorosa - sem a conotação política que às vezes se dá às questões envolvendo entes da Administração Pública -, reafirmando o direito das "empresas optantes pelo SIMPLES, a sistemática própria de recolhimento, inclusive em parcela única", asseverando ser impossível "a integração de norma geral que se utiliza de sistemática totalmente inconciliável com aquela, porque determina retenção de valores para posterior compensação (somente possível em recolhimento separado, em que se pode quantificar o valor a ser complementado ou o valor a ser compensado)" – AMS nº: 2002.38.00.038136-3 / MG.

            Há, inclusive, recente decisão do STJ neste sentido, assim ementada:

            "EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. RETENÇÃO DE 11% SOBRE FATURAS. EMPRESA PRESTADORA DE SERVIÇO OPTANTE PELO "SIMPLES". INCOMPATIBILIDADE COM OS DITAMES DA LEI Nº 9.317/96. ENTENDIMENTO FIRMADO PELA PRIMEIRA SEÇÃO DO STJ (ERESP 511001/MG). DIVERGÊNCIA SUPERADA. SÚMULA 168/STJ. INCIDÊNCIA.

            1. A divergência jurisprudencial encontra-se superada. Entendimento da Primeira Seção do STJ no sentido de que: "O sistema de arrecadação destinado aos optantes do SIMPLES não é compatível com o regime de substituição tributária imposto pelo art. 31 da Lei 8.212/91, que constitui "nova sistemática de recolhimento" daquela mesma contribuição destinada à Seguridade Social. A retenção, pelo tomador de serviços, de contribuição sobre o mesmo título e com a mesma finalidade, na forma imposta pelo art. 31 da Lei 8.212/91 e no percentual de 11%, implica supressão do benefício de pagamento unificado destinado às pequenas e microempresas". EREsp nº511001/MG, da relatoria do eminente Ministro Teori Albino Zavascki, DJ de 11/04/2005.

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            2. Aplicação da Súmula nº 168/STJ: "Não cabem embargos de divergência, quando a jurisprudência do Tribunal se firmou no mesmo sentido do acórdão embargado."

            3. Embargos de divergência a que se nega seguimento."

            STJ EREsp 584506/MG – Relator Ministro JOSÉ DELGADO – 1ª Seção; DJ 05.12.2005

            Fato é que: a) a Constituição Federal/88 dispõe sobre tratamento diferenciado, simplificado e favorecido às microempresas e empresas de pequeno porte; b) a lei 9.317/96, regulamentando o artigo constitucional mencionado, institui o Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte – SIMPLES, que, em vista do princípio da especificidade das normas, trata do tema in comento; c) a norma geral não se aplica às empresas optantes pelo SIMPLES, não podendo esta revogar a lei 9.317/96, que é norma especial; d) a empresa optante pelo SIMPLES é submetida a duplo pagamento da mesma contribuição, tributada quando do pagamento unificado e novamente tributada pela retenção de percentual de sua fatura, incidindo, portanto, uma forma velada de bitributação.

            Resta claro, portanto, o equívoco do INSS ao reeditar essa obrigatoriedade de que as "tomadoras de serviços" retenham 11% sobre a fatura dos "prestadores de serviços" optantes pelo SIMPLES. Há total incompatibilidade entre a forma de recolhimento das contribuições sociais do SIMPLES com o regime de recolhimento antecipado de 11% sobre a fatura do serviço, visto que a Lei n. 9.317⁄96, que instituiu a primeira, é especial em relação ao artigo da Lei 8.212⁄91, prevalecendo o princípio lex specialis derogat generali.

            Uma empresa que não é optante pelo SIMPLES é obrigada a ver retidos 11% sobre o total de seu faturamento a título de encargos para a seguridade social. A empresa OPTANTE PELO SIMPLES, que tem, constitucionalmente, um tratamento diferenciado e favorecido, é obrigada à retenção do MESMO PERCENTUAL das empresas não optantes (mesma porcentagem) e ainda recolher as mesmas contribuições sociais, outra vez, insertas na parcela UNIFICADA do SIMPLES?

            É certo que a empresa optante pelo SIMPLES tenha uma obrigação maior junto ao INSS do que a empresa que não é optante? Seria esta a vontade do legislador constituinte quando elegeu como norma constitucional o tratamento diferenciado, favorecido e simplificado às microempresas e empresas de pequeno porte?

            Claro que tal entendimento é um verdadeiro disparate! Uma empresa que deve ter tratamento diferenciado, simplificado e favorecido é obrigada a pagar duas vezes - recolher a parcela única e ter a retenção de 11% sobre o total da fatura, enquanto a empresa que não é optante pelo SIMPLES, que não tem tratamento favorecido e simplificado, é obrigada somente à retenção dos 11%.

            Portanto, não pode prosperar tal entendimento. E temos que lutar contra! Isso é a inversão total do conceito de "DIFERENCIADO, SIMPLIFICADO E FAVORECIDO"!! Esta garantia constitucional privilegiando as micro e pequenas empresas não pode ser menos eficiente do que as normas infraconstitucionais que tratam das outras empresas que não se enquadrem no conceito de micro e pequena empresa.

            Esta elevada quantia retida, que é, via de regra, entre 70-80% do lucro da empresa prestadora de serviços. A impossibilidade de compensação entre o valor retido e a PARCELA ÚNICA do sistema SIMPLES; a grande dificuldade em obter a restituição dos altíssimos valores retidos a maior pelo INSS (burocracia e extrema lentidão dos procedimentos); e a enorme diferença entre o valor compensado e o valor retido, são algumas questões/problemas que inviabilizam a continuidade das atividades das microempresas e empresas de pequeno porte, inviabilizando, conseqüentemente, a economia do país.

            Desta forma, admitir-se a retenção antecipada dos 11% a título de contribuição previdenciária é andar na contramão do sistema constitucional e da sistemática do SIMPLES, mesmo que posteriormente assegurada a restituição do valor retido.

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Sobre o autor
João Antônio Coelho e Sá

advogado em Belo Horizonte (MG), MBA em Direito da economia e da empresa pela FGV, especialista em Direito do Trabalho, professor universitário de Direito Processual Civil, Direito do Trabalho e Direito Empresarial, coordenador jurídico de empresas em Belo Horizonte, conciliador, mediador e orientador do Juizado de Conciliação do Tribunal de Justiça de Minas Gerais

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COELHO E SÁ, João Antônio. A inconstitucionalidade da instrução normativa INSS nº 80/2002.: A ilegal retenção de 11% sobre o faturamento das empresas optantes pelo SIMPLES. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1085, 21 jun. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8506. Acesso em: 22 nov. 2024.

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