A regularização de ocupação urbana em Área de Preservação Permanente – APP é um grande desafio a ser enfrentado nas cidades brasileiras.
As APPs têm a finalidade de evitar a ocupação humana em áreas de alta fragilidade ecológica, como margens de rios, encostas íngremes, topos de morros, áreas marinhas sujeitas a ressacas e outras, e o objetivo de proteger a cobertura vegetal nessas áreas, sua flora e fauna, o solo e os recursos hídricos.
A preservação desses elementos mantém a vitalidade e a resiliência dos ecossistemas e, por consequência, a segurança das populações.
Primeiro Código Florestal do Brasil
A proteção das áreas ecologicamente frágeis está prevista na legislação florestal desde a década de 1930. O Decreto nº 23.793, de 1934, que instituiu o primeiro código florestal brasileiro, classificava as florestas em protetoras, remanescentes, modelo e de rendimento.
Eram denominadas florestas protetoras as que, por sua localização, serviam, conjunta ou separadamente, para qualquer dos seguintes fins:
conservar o regime das águas;
evitar a erosão das terras pela ação dos agentes naturais;
fixar dunas;
auxiliar a defesa das fronteiras, de modo julgado necessário pelas autoridades militares;
assegurar condições de salubridade publica;
proteger sítios que por sua beleza mereçam ser conservados; e,
asilar espécimes raros de fauna indígena.
Verifica-se que as florestas protetoras tinham como preocupação principal resguardar áreas frágeis e seu conceito correspondia ao das atuais APPs.
Código Florestal de 1965
Posteriormente, o Código Florestal de 1965 (Lei nº 4.771) instituiu a APP, com finalidades semelhantes àquelas das antigas florestas protetoras, quais sejam:
Preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas.
As APPs incluíam as áreas já indicadas como florestas protetoras, mas com delimitação mais precisa.
No caso de área urbana, a Lei 4.771, de 1965 determinava que os limites nela estabelecidos deveriam ser obedecidos, respeitando-se, ainda, as disposições do plano diretor municipal.
A redação era confusa, mas, na prática, significava que os planos diretores poderiam tão somente aumentar os limites das APPs.
Código Florestal de 2012
Finalmente, a Lei nº 12.651, de 2012 (conhecida como Lei Florestal), manteve o conceito e a localização das APPs, conforme o Código Florestal de 1965, mas fez algumas mudanças em seus limites.
Além disso, deixou claro que as APPs se aplicam a áreas tanto rurais quanto urbanas.
Preocupação antiga
Esse histórico tem o intuito de mostrar que a preservação de áreas ecologicamente frágeis é preocupação antiga do legislador brasileiro.
Desde a década de 1930, está na mira do legislador a conservação dos ecossistemas e a segurança da população.
Paralelamente, ao longo dessas décadas, as cidades cresceram. A população urbana do Brasil passou de 31%, em 1940, para 84%, em 2010.
Ao longo de setenta anos, o País deixou de ser rural para tornar-se amplamente urbano.
Essa transformação acelerada teve custos socioambientais altos, com a elevação do déficit habitacional, a redução da mobilidade e a degradação do meio ambiente.
Proteção ambiental
De 1940 a 2010, embora a legislação florestal já vedasse a ocupação de margens de rios, encostas íngremes e outras áreas, as cidades cresceram sobre as APPs.
Sobretudo a população de baixa renda, pressionada pela carência de moradias e pela especulação imobiliária, ocupou as áreas marginais do tecido urbano, aí incluídas as APPs.
É certo que as cidades, historicamente, nasceram e tendem a crescer próximo a fontes hídricas, tendo em vista o abastecimento de água, a navegação, o comércio, o lazer e todas as funções que os rios e o mar proporcionam à vida humana.
No entanto, hoje se sabe que o desmatamento e a impermeabilização do solo nessas áreas têm sérias consequências negativas para as comunidades que as habitam.
O desequilíbrio do regime hídrico das bacias hidrográficas resulta em enchentes, deslizamentos de terra, erosão costeira e outros desastres que geram grandes prejuízos sociais, econômicos e ambientais e, muitas vezes, ceifam vidas.
Além disso, a má gestão do uso do solo tem efeito crônico sobre a capacidade de recarga hídrica das bacias, comprometendo diretamente o abastecimento da população.
É certo que não se pode negar a realidade das ocupações já existentes em APP, e por isso, é imperativo solucionar a situação de insegurança em que vive parcela significativa da população urbana. E a solução já está apontada na legislação em vigor.
Regularização Fundiária – REURB
A Lei nº 12.651 , de 25 de maio de 2012, hipótese na qual se torna obrigatória a elaboração de estudos técnicos, no âmbito da Reurb, que justifiquem as melhorias ambientais em relação à situação de ocupação informal anterior, inclusive por meio de compensações ambientais, quando for o caso.
4º Na Reurb cuja ocupação tenha ocorrido às margens de reservatórios artificiais de água destinados à geração de energia ou ao abastecimento público, a faixa da área de preservação permanente consistirá na distância entre o nível máximo operativo normal e a cota máxima maximorum .
Art. 12. A aprovação municipal da Reurb de que trata o art. 10. corresponde à aprovação urbanística do projeto de regularização fundiária, bem como à aprovação ambiental, se o Município tiver órgão ambiental capacitado.
2º Os estudos referidos no art. 11. deverão ser elaborados por profissional legalmente habilitado, compatibilizar-se com o projeto de regularização fundiária e conter, conforme o caso, os elementos constantes dos arts. 64. ou 65 da Lei nº 12.651 , de 25 de maio de 2012.
3º Os estudos técnicos referidos no art. 11. aplicam-se somente às parcelas dos núcleos urbanos informais situados nas áreas de preservação permanente , nas unidades de conservação de uso sustentável ou nas áreas de proteção de mananciais e poderão ser feitos em fases ou etapas, sendo que a parte do núcleo urbano informal não afetada por esses estudos poderá ter seu projeto aprovado e levado a registro separadamente.
4º A aprovação ambiental da Reurb prevista neste artigo poderá ser feita pelos Estados na hipótese de o Município não dispor de capacidade técnica para a aprovação dos estudos referidos no art. 11.
Adicionalmente, houve alterações à Lei Florestal, justamente nos arts. 64. e 65 supracitados, para compatibilizá-los à Reurb:
Art. 64. Na Reurb-S dos núcleos urbanos informais que ocupam Áreas de Preservação Permanente, a regularização fundiária será admitida por meio da aprovação do projeto de regularização fundiária, na forma da lei específica de regularização fundiária urbana.
Art. 65. Na Reurb-E dos núcleos urbanos informais que ocupam Áreas de Preservação Permanente não identificadas como áreas de risco, a regularização fundiária será admitida por meio da aprovação do projeto de regularização fundiária, na forma da lei específica de regularização fundiária urbana.
1º O processo de regularização fundiária de interesse específico deverá incluir estudo técnico que demonstre a melhoria das condições ambientais em relação à situação anterior e ser instruído com os seguintes elementos: […].
Como se vê, os Municípios devem buscar a regularização das ocupações urbanas em APP com base nos projetos urbanísticos que visem à regularização fundiária e com base nos estudos técnicos já previstos na legislação em vigor.
Conclusão
Por fim, temos que repensar o crescimento das nossas cidades, torná-lo mais amigável com a conservação dos ecossistemas. Precisamos, com urgência, aproximar a gestão urbana e a gestão ambiental, a ecologia e o urbanismo.
Novos modelos de ocupação do solo precisam ser criados, de modo a possibilitar que as cidades continuem pujantes, mas também socialmente justas e ecologicamente sustentáveis.