Produção probatória no processo penal por meio da colaboração premiada em face dos direitos fundamentais

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07/09/2020 às 10:46
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3. LIMITES DA COLABORAÇÃO PREMIADA COMO MEIO DE PRODUÇÃO DE PROVAS DIANTE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Diante dessa temática, surge uma dúvida: o instituto da colaboração premiada é compatível com os direitos fundamentais dos indivíduos envolvidos em referidas delações? Faz sentido afirmar que é necessário existir um limite para a produção probatória por meio do instituto da colaboração premiada isto pois, qualquer meio que seja usado de forma indiscriminada pode causar benefícios, como também pode gerar prejuízos tanto para os delatores quanto para os delatados.

Desse modo, os direitos fundamentais contidos na Carta Magna (1988) não podem ser violados.

Por meio de pesquisa bibliográfica, foi possível observar uma divergência em parte da doutrina no que concerne à colaboração premiada ser compatível ou não com os direitos fundamentais dos envolvidos em sua delação.

Assim, doutrinadores afirmam que aludido instituto não fere os direitos fundamentais, isto porque, segundo Nucci (2019), trata-se de um “mal necessário”, tendo em vista que o bem maior a ser tutelado é o Estado Democrático de Direito.

Porém, há outra parcela doutrinária que afirma veementemente que se trata de uma ferrenha violação aos direitos fundamentais, a exemplo de Garcia Filho (2014, on-line), que diz o seguinte: Evidentemente, a utilização aberta ou velada da prisão como forma de constranger o indivíduo à delação constitui grave violação da ordem jurídica.

E, portanto, no espaço público do processo penal, haveria claro e pontual estado de exceção, negando-se vigência aos direitos e garantias fundamentais.

Desse modo, o autor traz a prisão como uma forma de constranger o indivíduo a prestar informações a respeito da organização criminosa, pois o delator acaba pensando que, caso não colabore, estará sujeito ao cárcere, sendo o instituto visto por ele como uma forma de se pleitear a liberdade.

Assim, pode-se afirmar que qualquer meio de constrangimento para obtenção de prova constitui-se em grave violação à ordem jurídica, mormente aos direitos e garantias fundamentais.

Concordando com a teoria de que a Colaboração Premiada fere os direitos constitucionais, Simões e Pereira (2015, on-line) dizem que: não se pode negar a inconstitucionalidade presente, principalmente quando existe a privação da liberdade como pressão e induzimento ao réu a confessar, infringindo descaradamente o direito de silêncio e o de não produzir provas contra si.

Leitão e Lima (2016, p. 802) afirmam, por sua vez, o oposto do que foi aduzido anteriormente: é possível dizer que a mera previsão legal da utilização de colaboração premiada como instrumento de prova no processo penal, a par de discussões éticas, não viola princípios constitucionais de garantia do acusado ou regras processuais sobre aferição da prova.

Assim, conforme os autores, não é possível dizer que o mero instituto cerceia os direitos fundamentais dos envolvidos na colaboração.

Por exemplo, no que tange ao direito fundamental de permanecer calado (artigo 5º, LXIII, CF), este não é vulnerado pelo referido instituto, pois trata-se apenas de uma opção dada ao delator de falar e contribuir com as investigações ou de simplesmente permanecer calado.

O direito constitucional continua disponível a ele.

A esse respeito, é relevante destacar recente decisão proferida pelo plenário do Supremo Tribunal Federal no julgamento do Habeas Corpus (HC) nº 166373/PR, de relatoria do ministro Edson Fachin, que trata sobre a ordem de apresentação das alegações finais pelos réus que firmaram acordo de colaboração.

A suprema corte decidiu, por maioria dos votos, que os delatados têm direito a apresentar alegações finais depois dos delatores, com o intuito de assegurar a ampla defesa e o contraditório. STF, 2019, on-line) Toffoli (2019, p.10) trouxe em seu voto que: A par dessas premissas, penso que a oitiva dos acusados delatados deve necessariamente ser realizada em momento posterior ao interrogatório do acusado colaborador, como ocorreu na espécie, sendo que, essa mesma 19 lógica processual, em prol da ampla defesa e de um efetivo contraditório, deve ser assegurada aos acusados delatados na fase das alegações finais.

Assim, é possível vislumbrar o direito ao contraditório e a ampla defesa sendo garantidos, tendo em vista que é necessário que o delatado tenha o direito a se defender do que está sendo acusado.

Negar isso é ir de encontro à Constituição Federal e aos direitos fundamentais nela elencados.

Em que pese o campo de estudo acerca do instituto da colaboração ser vasto, pode-se estabelecer de maneira geral que o referido instituto não fere os direitos constitucionais mencionados nesse trabalho de curso.

Isto pois, a colaboração, mesmo que ofereça vantagens para que o indivíduo colabore, não cerceia os direitos constitucionais oferecidos a ele.

É faculdade do agente delatar ou manter-se em silêncio, bem como é possível optar por não produzir prova contra si mesmo.

Além do mais, com o avanço do crime organizado, faz-se necessária uma adequação dos meios de investigação para que se combata de forma exitosa tais arranjos criminosos.

Nucci (2019, p. 57) aduz que não é preciso ressaltar que o crime organizado tem ampla penetração nas entranhas estatais e possui condições de desestabilizar qualquer democracia, sem que se possa combatê-lo, com eficiência, desprezando-se a colaboração dos conhecedores do esquema, dispondo-se a denunciar coautores e partícipes.

A esse respeito, concorda Nyari (2015, on-line) quando diz que, quanto aos princípios constitucionais, não há qualquer rompimento destes, seja sobre o princípio da proporcionalidade, seja o do contraditório e ampla defesa.

A delação foge dos meios convencionais, devido a isso tantas críticas em torno da sua constitucionalidade e de princípios que compreendem o ordenamento jurídico brasileiro.

Assim, não é possível vislumbrar se há uma afronta aos direitos fundamentais (que são tratados como princípios), visto que estes continuam tendo sua efetivação garantida, dependendo apenas de o delator utilizá-los ou não.

Sem contar que esse mesmo delator possui direito de constituir defensor devidamente habilitado, o qual, no caso de alguma irregularidade, terá a obrigação de intervir para que seja garantido o devido processo legal.

Por fugir dos meios habituais de combate ao crime organizado, a colaboração premiada recebe diversas críticas a respeito da sua constitucionalidade, ponto esse que é discutido por diversos especialistas e doutrinadores.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme exposto neste trabalho, o instituto da colaboração premiada é uma útil ferramenta no combate às organizações criminosas, visto que essas sempre se aperfeiçoam para fugirem da justiça.

Porém, com a ampla utilização desta ferramenta de investigação, surgiram algumas dúvidas acerca da sua compatibilidade frente aos direitos fundamentais.

O presente artigo buscou uma resposta para tal questionamento.

As informações adquiridas mediante pesquisa bibliográfica e jurisprudencial permitiram visualizar, apesar da ampla discussão acerca do assunto, se o instituto da colaboração premiada viola algum dos direitos fundamentais contidos na Constituição Federal, quando de sua utilização como instrumento de produção probatória.

É importante destacar a divergência doutrinária que foi aferida durante a pesquisa, haja vista que uma parte dos autores defende ferrenhamente que o instituto da colaboração premiada fere os direitos fundamentais, pois acaba “seduzindo” o delator a vender o seu direito ao silêncio por uma benesse quase irrecusável.

Já outra parte da doutrina pensa de maneira oposta a essa, pois, para ela, e também no pensamento do autor deste artigo, o instituto da colaboração premiada na produção probatória do Processo Penal não fere e nem cerceia os direitos fundamentais da Constituição Federal de 1988.

A rigor, a colaboração premiada não obriga que o acusado produza prova contra si mesmo, e que muito menos seja obrigado a falar.

Sabe-se que qualquer meio coercitivo que obrigue uma pessoa a falar torna aquela confissão nula.

Foi observado ainda, para que a delação tenha validade, a necessidade de que referida seja acompanhada de outro meio de prova.

Sendo a colaboração premiada uma benesse muito atrativa ao delator, esse poderia mentir acerca dos fatos com o intuito de obter para si, vantagens oferecidas pelo instituto.

Justamente por isso, a lei 12.850/13 e também a doutrina estabelecem a necessidade de haver outro tipo de prova para acompanhar a fala do delator.

Por fim, chega-se à conclusão de que não há qualquer violação aos Direitos Fundamentais elencados na Carta Magna de 1988, visto que, mesmo havendo benesses extremamente positivas, as quais consistem num “prêmio” de reduzir e até extinguir a pena do delator, este pode manter-se em silêncio e não se incriminar.

Resta assim evidenciada a compatibilidade do instituto da colaboração premiada frente aos direitos fundamentais, que permanecem disponíveis ao delator, assim como ao delatado, durante toda a persecução penal.


REFERÊNCIAS

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