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Juiz leigo não julga

19/09/2020 às 16:45
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O artigo discute sobre a função desempenhada pelo juiz leigo nos juizados especiais.

Disse Tiago Borges M. de Lima (O juiz leigo dos Juizados Especiais é leigo?) que a Constituição de 1988 incluiu os juizados especiais no texto da atual Carta Magna, dentro do capítulo do “Poder Judiciário” (Capítulo III, do Título IV). Dispõe o artigo 98, inciso I:

Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:

I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau.

A Lei nº 9.099/1995 revogou a Lei nº 7.244/1984 e regulamentou o artigo 98, inciso I, da Constituição Federal.

De acordo com a Lei nº 9.099/1995, o Juizado Especial Cível tem competência para conciliação, processo e julgamento das causas cíveis de menor complexidade, assim consideradas as causas cujo valor não exceda a quarenta vezes o salário mínimo.

O objetivo principal do Juizado Especial Civil é a obtenção da solução conciliatória para o litígio. Por isso, a Lei nº 9.099 instituiu dois auxiliares para o juiz que sã o conciliador e o juiz leigo, a quem compete participar ativamente da tarefa de buscar a conciliação ou transação, não de maneira passiva, como disse Humberto Theodoro Júnior (Curso de direito processual civil, volume III, 17ª edição, pág. 480), mas de forma ativa, ou seja de orientação e estímulo. Embora não se deva forçar as partes ao acordo, caberá aos agentes do juizado ponderar sobre as suas conveniências ou inconveniências, esclarecendo-as “sobre as vantagens da conciliação” e mostrando-lhes “os riscos e as consequências do litigio, especialmente quando ao disposto no § 3º do art. 30” (artigo 21, Lei 9.099).

A conciliação tanto pode ser conduzida diretamente pelo juiz togado, como pelo juiz leigo ou, ainda, pelo conciliador sob orientação deste (Lei nº 9.099, artigo 22). Caberá ao juiz togado, como dirigente do Juizado Especial, distribuir as tarefas, já que poderá coexistir, sob seu controle, vários auxiliares, com iguais ou diferentes atribuições.

Prevê a Lei nº 9.099 que a conciliação possa ser presidida e obtida por qualquer das três figuras: o juiz togado, o juiz leigo ou o conciliador (artigo 22). Havendo sucesso, a conciliação será reduzida a termo e receberá a homologação pelo juiz togado, mediante sentença a que se reconhece a eficácia de título executivo (artigo 22, parágrafo único).

Se, porém, fracassar a tentativa de solução negocial, a fase conciliatória será encerrada e, com ela, a tarefa do conciliador. Na fase posterior, destinada à instrução e julgamento, somente poderão atuar o juiz togado e o juiz leigo (artigo 37).

O artigo 2º, é certo, determina que se a instrução houver sido dirigida pelo juiz togado, caberá a ele proferir o julgamento do mérito da causa, pelo princípio da imediatidade e identidade física do juiz.

Mas, entenda-se que tendo sido o juiz leigo quem dirigiu a instrução probatória (artigo 37), a ele competirá proferir a sentença, a qual, entretanto, terá de ser submetida a homologação imediata do juiz togado. Se este não homologá-la, poderá escolher entre duas opções: a) proferir outra sentença, em substituição a do juiz leigo; ou b) converter a homologação em diligência, determinando a complementação de provas que reputar indispensáveis (artigo 40).

A sentença só adquire a sua eficácia específica depois de passada pelo crivo do juiz togado, seja pela homologação seja pela elaboração própria.

Quanto ao Juiz Leigo, a Lei nº 9.099/1995 diz que este profissional pode conduzir instrução probatória, sob supervisão de Juiz Togado (art. 37), e proferir decisões nas causas em que a tiver conduzido. A decisão proferida pelo Juiz Leigo deverá ser submetida imediatamente ao Juiz Togado, que a homologará, proferirá outra em substituição ou, antes de se manifestar, determinará a realização de atos probatórios indispensáveis (art. 40).

O artigo 1º da Resolução nº 174, de 12 de abril de 2013, do Conselho Nacional de Justiça, abranda um pouco o requisito temporal exigido dos advogados: “Os juízes leigos são auxiliares da Justiça recrutados entre advogados com mais de 2 (dois) anos de experiência.”

Ora, o juiz leigo é um auxiliar do juízo.

O Juiz leigo é aquele que atua somente nos Juizados Especiais Cíveis e da Fazenda Pública e, durante sua atuação é vedado o exercício da advocacia em Unidade do Juizado Especial da Comarca ou Foro onde forem constituídos.

Como auxiliar não pode julgar, decidir, proferir sentenças, decidir em grau de embargos de declaração.

Bem disseram Laura B. Azevedo da Rocha e Otávio Augusto Vaz Lira (Juiz leigo não tem competência para julgar embargos, in Consultor Jurídico, 13 de abril de 2013) que “logo, por uma conclusão lógica, se depreende que em nenhuma hipótese o projeto de sentença confeccionado por juiz leigo pode ser considerado como uma sentença.”

E ainda aditam:

A um, porque a própria Lei 9.099/95 aponta, em seu artigo 40, que ele deve ser submetido ao juiz togado, passando a surtir efeitos apenas após a homologação por parte deste. A propósito, como bem leciona o professor Alexandre Freitas Câmara,

pode esse artigo gerar no intérprete a falsa ideia de que o juiz leigo poderia proferir sentença, uma vez que fala o seu texto que ele proferirá ‘ a sua decisão’. Assim, porém, não é. Ao juiz de direito (togado, como diz a lei) cabe proferir sentença. [...]

Tendo o juiz leigo presidido a instrução probatória (o que é possível em razão do disposto no artigo 37 da Lei 9.099/1995), caberá a ele elaborar um projeto de sentença. Esse projeto é imediatamente submetido ao juiz togado que, se com ele concordar, o homologa por sentença. A homologação é o ato do juiz (de natureza sentencial) que adota como conteúdo o ato homologado (ou seja, no caso ora em exame, o projeto de sentença elaborado pelo juiz leigo). É o fenômeno que se dá, por exemplo, quando o juiz, por sentença, homologa uma transação. A sentença é o ato do juiz, mas o conteúdo desse ato é a transação das partes. [...]

Assim sendo, quando o juiz togado homologa o projeto de sentença do juiz leigo ter-se-á uma sentença (ato do juiz togado) cujo conteúdo é o projeto de sentença (ato do juiz leigo). A sentença, porém, terá de ser proferida pelo juiz togado, e é o ato deste que exerce, no processo, a função processual que à sentença cabe.

E, a dois, pela simples razão de que a decisão emanada do juiz leigo não implica nenhuma das situações previstas nos artigos 267 e 269 do CPC, como bem exige o artigo 162 da Lei Processual. Por sinal, o projeto de sentença não surte qualquer destes efeitos justamente por não ter ainda sido homologado, o que só pode ser feito pelo julgador togado, devidamente investido de poder jurisdicional.”

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O juiz leigo não tem função jurisdicional que se conforme a decisões, como interlocutórias, sentenças.

A atuação dos juízes leigos visa a conceder maior celeridade e facilidade na conciliação, agindo como auxiliares da Justiça civil, função que pode ser exercida por pessoas que não pertencem aos seus quadros. Não podem executar nenhum ato judicial, como a homologação do acordo civil ou da transação.

Não podem julgar quebrando o monopólio da jurisdição.

O juiz leigo profere julgamento apenas como atividade meramente intelectiva. É a homologação pelo juiz togado que lhe dá força de sentença, quando ocorre o exercício da atividade volitiva.

Acrescente-se que os juízes leigos e os conciliadores, como auxiliares da Justiça, não são ocupantes de cargo público, seja estatutário seja celetista.

Não prestam concurso público, mas são apenas indicados pelo próprio juiz do Juizado Especial e designados pelo presidente do Tribunal de Justiça para o exercício dessa função pública.

Suas principais atribuições

– Reger audiências de conciliação;

– Realizar também audiências de instrução e julgamento, com a opção de recolhimento de provas;

– Pronunciar pareceres de responsabilidade dos Juizados Especiais, a ser submetido ao Juiz Supervisor da unidade onde está instalado para sanção por sentença.

A expressão sanção, aqui utilizada, diz respeito à ato de aquiescência.

Trata-se de uma função exercida por advogados credenciados, que estão sempre sob a supervisão de um juiz togado.

É, portanto, um auxiliar do juízo, não podendo exercer a função de julgar, que é própria da jurisdição, sob pena de nulidade absoluta do ato decisório.

Diria, por fim, que leis estaduais não podem legislar sobre matéria de processo. Essa competência é privativa da União Federal, só podendo ser objeto de competência dos Estados e Distrito Federal, por força de lei complementar (artigo 22, I, da Constituição Federal).

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Juiz leigo não julga. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6289, 19 set. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/85486. Acesso em: 19 abr. 2024.

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