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Capa: Francesco Hayez

Aristóteles e Justiça

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Esse texto tem como objetivo a introdução ao conhecimento filosófico grego de Aristóteles a respeito do tema da justiça

Aristóteles

Nesse texto vamos apresentar um dos mais memoráveis filósofos: Aristóteles. Nascido em Estagira (385 a.c.) e filho de Nicômaco, o filósofo mudou-se para Atenas aos seus 17 anos, onde passou 20 anos de sua vida na Academia de Platão. No entanto, suas ideias não eram totalmente coincidentes com as de Platão, e desde a sua chegada na Academia se mostrava saliente aos demais, pois possuía uma riqueza de opiniões e ideias. Aristóteles vai realizar diversas contribuições no campo ético para o seu período e posteriores, isso se faz evidente na quantidade de obras que temos do filósofo, que dedicou boa parcela de sua vida ao máximo de questões que pudesse abordar e estudar, tendo como foco as ações humanas e suas finalidades.


Justiça e virtude

O campo da justiça vem sendo associado à virtude desde Sócrates, sendo um homem virtuoso aquele que age de acordo com a justiça, que realiza o justo meio. Essa justiça, agora, é investigada por Aristóteles em suas diversas ramificações, sendo razoável dizer que o filósofo analisa os diversos campos de interações humanas que surtem ideias de justo e injusto, ao invés de afirmarmos que ele "cria" os diversos campos da justiça. A filosofia da justiça em Aristóteles possui como base a ética, ou seja, o campo das ações práticas humanas, e por isso, passamos a conhecer o ser humano e suas leis a partir da interação social, fora do corpo social o indivíduo é impossibilitado de ser uma pessoa justa, como também, uma pessoa virtuosa. Isso se deve ao fato de possuirmos a linguagem com a finalidade da discussão política, da discussão do bem e do mal, precisamos, desse modo, participar da vida política para a realização da nossa natureza.

Nessa distinção entre prática e pensamento é onde surge a principal divergência em relação a Platão, pois, como sabemos, Platão se isolou na Academia, acreditando que uma vida virtuosa poderia ser alcançada por meio do raciocínio, exercendo a prudência e evitando a vida política que matara Sócrates. Aristóteles, no entanto, acredita que não adianta nada apenas conhecermos algo, não podemos ser bons pianistas apenas lendo sobre como tocar um piano. Para ele, de cada situação prática pode surtir uma exceção, uma particularidade, sendo essa uma situação de prova para o filósofo, pois ele estaria diante de uma nova situação que não conhece, sendo necessária a decisão sobre aquilo, que não existiria se não estivesse praticando suas virtudes e seus conhecimentos. De modo geral, os princípios éticos não são universais, eles se aplicam a certas pessoas de maneiras diferentes (a coragem não é a mesma para todos e a virtude não é a mesma em todos).


Justiça total

Bem como em Sócrates e Platão, o respeito ao conjunto social se mostra de suma importância para a filosofia de Aristóteles. O respeito à lei passa a ser, por consequência, uma virtude geral, que deve ser exigida de cada participante da pólis, pois uma lei nada mais é do que um guia para o bem comum. E, nesse aspecto, se destaca o papel do legislador, ou seja, daquele que cria a lei: para Aristóteles, o respeito à lei deve ser imprescindível pois ela foi criada com o objetivo do bem comum, e como tal, é superior ás vontades dos indivíduos por visar o bem da comunidade. Esse tipo de justiça é considerado o mais geral possível, se aplicando a todos de forma integral. A pessoa que segue a lei está de acordo com a vontade geral e respeita os seus beneficiários, a pessoa que age contra a lei, diferentemente, realiza um vício e não segue a vontade maior.

Nessa acepção de justo destaca-se o papel do legislador, sendo aquele responsável por realizar a prudência na criação da lei, visando o bem comum. Ou seja, o legislador possui o papel de selecionador do que deve ser seguido pela sociedade para o alcance da virtude em cada cidadão. A justiça, nesse caso, se associa ao agir de acordo com a legalidade.


Justiça particular distributiva

A justiça particular se refere a uma parte da justiça total, isso significa que, ao agir contra a primeira, age-se contra, também, a segunda. No entanto, aqui a primeira se distingue da segunda pois não temos mais uma relação de sujeito-sociedade, mas temos uma relação de sujeito-Estado e sujeito-sujeito. A justiça distributiva, desse modo, refere-se a uma relação entre o sujeito, o Estado e o outro sujeito, ou seja, se trata de uma justiça na distribuição daquilo que é devido a cada um. O Estado, na distribuição de cargos, honrarias e funções sociais, por exemplo, deve ter em mente a proporcionalidade da quantidade ou qualidade do objeto distribuído em relação aos sujeitos que os recebem: sujeitos mais virtuosos em tocar melhor um instrumento devem ter o direito de possuir o melhor instrumento, isso levando-se em consideração, também, a natureza do objeto. Se perguntarmos para que serve uma flauta, encontraríamos a resposta "para ser bem tocada", e isso só é possível pertencendo ao melhor flautista.

Aqui se destaca uma relação de justiça pitagórica, como devem se lembrar, Pitágoras, acreditando no dualismo numérico, expressou sua fórmula da justiça, como o justo associado ao número quatro, pois esse era o número responsável pela obtenção da tetraktys, ou seja, a obtenção do mesmo resultado tanto pela soma quanto pela multiplicação das díades, se mostrando a justiça ser uma relação de proporcionalidade, onde os sujeitos recebem diferentes quantidades de bens de acordo com suas diferenças para se alcançar a igualdade proporcional.

Aristóteles acreditava que o dever do Estado, nessa relação, era de valorizar determinadas virtudes, dando, por exemplo, a um homem com boas práticas políticas, como Péricles, o cargo merecido, nesse caso, o de líder da sociedade. Nessa justiça, o filósofo destaca dois pontos de investigação: um teleológico e o outro honorífico, o primeiro visa a entender qual a finalidade de um dado objeto ou instituição para poder associá-lo à justiça, respeitando a sua natureza; o segundo se refere a observar quais virtudes são dignas de honras. Ou seja, na atribuição de coisas, deve-se ter em mente essas duas investigações. No exemplo de Péricles, desse modo, ele deveria ser o líder da sociedade pois tomava sábias decisões, e já que a finalidade do Estado é guiar a sociedade para o bem comum, quem melhor que Péricles? Além disso, ele deveria ter suas virtudes reconhecidas através da transmissão do cargo, pois como se mostrou um homem virtuoso toda sua vida, merecia o reconhecimento.


Justiça particular corretiva

Se no justo distributivo a justiça era feita visando uma igualdade geométrica, ou seja, proporcional, agora a justiça se faz visando uma igualdade aritmética (coisas que se somam), pretendendo que as partes (a pessoa que sofreu um dano e a pessoa que danificou) voltem ao seu status quo ante. Nessa ramificação da justiça, Aristóteles, desconsidera totalmente o aspecto moral, o que vale nesse ponto é a reparação ou ressarcimento do dano. Ademais, essa justiça se ramifica em mais dois sub aspectos, que são a justiça corretiva cumulativa (voltada para a resolução de trocas comerciais e contratuais injustas ou desiguais, mas voluntárias) e a justiça corretiva restaurativa (voltada para a correção de desigualdades surtidas por atos de involuntariedade, exemplo: homicídio).

A justiça cumulativa corresponde a uma justiça aplicada às trocas comerciais, as negociações de compra e venda, aos atos contratuais de modo geral. A justiça, nesse aspecto, se faz quando as coisas que se trocam são iguais, ou possuem o mesmo valor, evitando que alguma parte saia no prejuízo. A injustiça, por conseguinte, seria sanada através da reparação dos benefícios ou malefícios em excesso. Em uma situação troca de objetos diferentes, por exemplo, onde o sujeito A, possui um objeto B, e um sujeito C, possui um objeto D. Se o sujeito A trocar seu objeto B por C, e esses objetos não forem iguais em valor ou qualidade, a parte danada terá o direito de ressarcimento do dano. Ou seja, se B fosse uma grama de ouro, e C duas gramas de ouro, esta seria uma troca injusta e que precisaria ser reparada.

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Pode estar se perguntando: mas e para objetos diferentes? como saber se a troca foi justa ou injusta? Nessa situação Aristóteles destaca o papel do dinheiro, da moeda, para ele, o dinheiro surge com a finalidade de facilitar as trocas sociais de bens de natureza diferentes, e sendo assim, ele se coloca como mediador entre os objetos, e serve de referencial para as trocas.

A justiça restaurativa não difere muito, na aplicação, da justiça cumulativa, a diferença é que a primeira vai tratar de relações humanas involuntárias, ou seja, de roubos, estupros, homicídios e etc. É importante salientar, antes de tudo, que a justiça aritmética de Aristóteles não se confunde com a lei de Talião, onde um mal era tratado com um mal equivalente, essa ideia de justiça já vinha sendo criticada desde Sócrates, pois, como acreditava ele, a injustiça não pode ser tratada com injustiça. Dito isso, a principal visão da justiça Aristotélica é que as partes, tanto o sujeito que comete o ato ilícito, tanto a vítima, voltem aos seus status quo ante, ou seja, a ideia é que o sujeito ativo da ação (que comete o crime) seja sancionado e cumpra sua pena, e o sujeito passivo (que sofre a ação criminosa) tenha seu ressarcimento. Assim, a justiça se encontra na mediania, não entre duas coisas opostas, como a justiça e a injustiça, mas entre duas coisas iguais: a injustiça por falta e a injustiça por excesso.


Justiça política e justiça doméstica

Para Aristóteles, a justiça política existe em um campo diferente da justiça doméstica, pois nem todos eram capacitados ou possibilitados de participar da vida política, sendo o cidadão aquele que governa e é governado, uma mulher, uma criança e um escravo, que não participavam da política, não eram cidadãos, desse modo, não faria sentido aplicar a justiça política a eles. Essas pessoas, segundo o filósofo, estão tão próximas do pai-marido-senhor, que a ele pertencem, como se fossem partes suas. No entanto, na esfera da casa, a justiça para com o filho deve ser uma justiça completamente diferente daquela aplicada à mulher, e essa por sua vez, tem uma justiça totalmente diferente daquela aplica ao escravo. Para a mulher, que não é totalmente sujeita ao homem, possui as mesmas regras que o homem no cuidado e organização do lar, e agem sobre os filhos como uma realeza, nas palavras de Aristóteles. Se o poder do marido sobre a mulher é marital, e sobre o filho é paternal, sobre o escravo o poder do homem é despótico, em suas palavras, em A Política, ele diz que o escravo é uma "propriedade instrumental animada".

Ou seja, aqui Aristóteles faz sua divergência dos diversos tipos de poderes familiares, que são exigidos pois as pessoas sujeitas a eles não são cidadãos.


Justiça natural

Na natureza (phýsis) das coisas é onde Aristóteles busca respostas para as suas finalidades. Para ele, tudo que surge da natureza possui a pretensão do aperfeiçoamento de acordo com sua capacidade. Pela natureza humana, podemos diferenciá-los dos animais, pois os humanos possuem capacidade de expressão de sua racionalidade (linguagem) e através dela, participa da vida política, e na vida política encontra a felicidade, pois está realizando plenamente sua natureza. No entanto, nem todos os humanos possuem essa capacidade de participar da vida política, seja por falta de inteligência ou sua predisposição para trabalhos físicos, e essas pessoas, que não conseguem contribuir para a vida política, e por consequência, para o bem comum, devem ajudar de outra forma: com o trabalho escravo. Aristóteles acreditava que o escravo estava seguindo sua natureza, e que, portanto, não estava sendo forçado, para ele, quem resiste a escravidão demonstra que não possui natureza de escravo. Ou seja, o tema da justificativa da escravidão em Aristóteles é extremamente controverso, e que não consegue convencer, tanto por incongruências racionais, quanto pela visão como hoje encaramos o crime.


Considerações finais

Nesse texto pudemos observar as diversas faces da justiça investigada por Aristóteles, bem como suas principais ideias. Suas contribuições para a sociedade foram tão grandes que hoje ainda pensamos o tema da justiça nos baseando em algumas de suas ideias. Apesar da não aceitação social de alguns de seus pensamentos, ainda existem diversas concepções e ideias que influenciam nossa vida e o desenvolvimento de nações. Desse modo, espero que esse texto lhe tenha sido útil, se não para fins intelectuais que pelo menos para fins materiais.


Referências

  • Curso de Filosofia do Direito / Eduardo C. B. Bittar, Guilherme Assis de Almeida. - 11. ed. - São Paulo: Atlas, 2015.

  • Convite à Filosofia / Marilena Chaui. - 1. ed. - São paulo: Àtica, 2000.

  • ARISTÓTELES. A Política. Tradução: Nestor Silveira Chaves. 2ª Edição São Paulo: Edipro, 2009.

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Sobre o autor
Evanilson Kleverson da Silva Melo

Sou estudante de direito na UFAL, e dedico a maior parcela do meu tempo à procura pelo conhecimento, que me vem dos mais diversos meios, e minha persistência nesse modo de vida consiste na vontade de transmitir a maior quantidade possível do conhecimento que adquiro.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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