1)Introdução
Por longo tempo, cristalizou-se o entendimento de que não era possível a execução de títulos executivos extrajudiciais perante a Justiça do Trabalho.
Essa conclusão decorria do disposto na redação original do caput do art. 114 da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB), que estabelecia competir à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os litígios originados do cumprimento de suas próprias sentenças.
Este preceptivo também aludia à possibilidade de a Justiça Especializada Trabalhista apreciar outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, desde que previstas em lei.
Como inexistia lei que conferisse competência a este ramo do Poder Judiciário para processar execução direta de títulos executivos extrajudiciais, restou sedimentada a compreensão da necessariedade do processo de conhecimento prévio com mira a, somente mediante o proferimento de sentença lato sensu (sentença ou termo de conciliação judicial), conferir força executiva àqueles títulos.
A nova redação do art. 876 da CLT – dada pela Lei n.º 9958/2000 – mudou este panorama, ao consignar expressamente que passariam a ser executados pela Justiça do Trabalho (dispensada, portanto, a etapa do processo de conhecimento) o termo de compromisso de ajustamento de conduta firmado perante o Ministério Público do Trabalho e o termo de conciliação celebrado perante a comissão de conciliação prévia.
Com a conhecida Reforma do Poder Judiciário, parece-me – é este o objetivo deste sucinto estudo – que mais um título executivo extrajudicial trabalhista passou a existir: o Auto de Infração lavrado pela fiscalização do trabalho para aplicar multa em face do descumprimento da legislação trabalhista.
2) Nova competência da Justiça do Trabalho
Reza a partitura do novel inciso VII do art. 114 da Constituição Federal:
"Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:
...................
VII - as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho;"
Qual é acepção do vocábulo ações inscrito neste preceito constitucional? Limita-se às ações de conhecimento? Para abarcar as ações executórias diretas seria preciso inserir também a palavra execuções?
A doutrina especializada pouco enfrenta o assunto. Os pioneiros que se dispuseram a tanto procederam a uma interpretação restritiva do preceptivo em pauta, arredando a possibilidade de este ter contemplado a promoção de ação executória autônoma para a cobrança judicial de multas aplicadas pela fiscalização do trabalho.
O argumento central residiu exatamente na ausência da palavra execuções no dispositivo ora enfocado, efetuando-se um contraponto à redação do inciso VIII do art. 114 da CRFB, o qual prevê explicitamente a competência da Justiça do Trabalho para executar contribuições previdenciárias.
Com todo o respeito, essa argumentação não é consistente. Fundamentemos.
Nosso Texto Maior, ao disciplinar a competência da Justiça Federal (art. 109), não enuncia expressamente o processamento de títulos executivos extrajudiciais. Esta parcela de poder-dever estatal encarta-se no inciso I do aludido art. 109, o qual, bastante genericamente, apregoa competir aos juízes federais processar e julgar as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou opoentes, excetuadas as causas relativas a falência, acidente do trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho.
Note-se que as partituras dos caputs dos arts. 109 e 114 da CRFB são quase idênticos. Enquanto no art. 109 se assinala que "Aos juízes federais compete processar e julgar", no art. 114 consta que "Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar".
Demais disso, comparando-se o inciso I do art. 109 com o inciso VII do art. 114 da CRFB, verifica-se uma única diferença quanto ao instrumento processual que provocará a função jurisdicional desses ramos do Poder Judiciário nacional. Enquanto no primeiro se alude a causas, no segundo há referência a ações. Essa distinção, entretanto, é inócua, pois causas e ações são tidas por sinônimos.
Assim, a prevalecer a tese defendida pela doutrina trabalhista, a Justiça Federal apenas seria competente para processar execuções diretas de cobranças de multas infligidas pelas fiscalizações federais se o vocábulo execuções estivesse averbado no inciso I do art. 109 da CRFB.
Como esta competência sempre se inseriu no âmbito da Justiça Federal, evidencia-se a inconsistência da interpretação restritiva do inciso VII do art. 114 da CRFB.
3)Fundamento legal para a qualificação do Auto de Infração da fiscalização do trabalho como título executivo extrajudicial trabalhista
A competência explícita para a Justiça Federal processar execuções diretas de cobrança de multas aplicadas pela fiscalização do trabalho estava radicada tão-somente no art. 642 da CLT. Transcrevamos este dispositivo, na parte que interessa aos propósitos desta breve dissertação:
"Art
De seu turno, a cobrança da dívida ativa da União se perfaz pelas balizas da Lei n.º 6830/1980 (Lei da Execução Fiscal). O esquadrinhamento deste diploma legal leva à iniludível conclusão de que a cobrança em tela se concretiza por execução direta, sendo supérfluo prévio processo de conhecimento.
Tendo a competência para apreciar este tipo de demanda sido realocada para o Judiciário Trabalhista, não há razão plausível para se deixar de aplicar o art. 642 da CLT, o qual complementa o art. 876 celetizado.
4)Conclusão
Conseguintemente, a partir do início de vigência da Emenda Constitucional n.º 45/2004, além do termo de compromisso de ajustamento de conduta firmado perante o Ministério Público do Trabalho e do termo de conciliação celebrado perante a comissão de conciliação prévia, o Auto de Infração emitido pela fiscalização do trabalho para aplicar multa por descumprimento da legislação trabalhista também se configura como título executivo extrajudicial trabalhista.