A “Constituição Cidadã”, em seu primeiro artigo, consagrou a dignidade da pessoa humana como um dos pilares que sustentam o ordenamento jurídico brasileiro (CF, art. 1º., III).
Muito embora expressão “dignidade da pessoa humana” já tivesse sido utilizada anteriormente no campo da ética, da religião, da filosofia, da ciência e até mesmo do direito, é com a Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU1 que essa expressão ingressa, definitivamente, no ordenamento jurídico universal.2
Assim, a dignidade da pessoa humana, como conceito jurídico indeterminado, que além de normativo é axiológico, é proclamada para o mundo pelos povos reunidos em torno da Organização das Nações Unidas.
Nota-se a importância do enunciado quando ele aparece já no preâmbulo da Declaração, como um farol a iluminar, por assim dizer, todo o texto, sendo reafirmado, logo em seguida, no seu artigo primeiro: “Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo” (primeiro considerando); e, “Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta, sua fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor da pessoa humana e na igualdade de direitos dos homens e das mulheres, e que decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla” (quinto considerando), a Assembléia Geral das Nações Unidas proclama: “Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade” (art. 1°).
Após as atrocidades cometidas durante a 2ª. Guerra Mundial e o ato final da tragédia, com o lançamento da bomba atômica em Hiroshima e Nagasaki, “as consciências se abriram, enfim, para o fato de que a sobrevivência da humanidade exigia a colaboração de todos os povos, na reorganização das relações internacionais com base no respeito incondicional à dignidade humana”.3
Contra os céticos, os neutros e os negadores da significação objetiva da ética e da justiça, a Declaração Universal dos Direitos Humanos acabou por fazer uma afirmação solene do valor que é o fundamento da vida social: "a dignidade inerente a todos os membros da família humana".
Afirmou-se assim, que as pessoas não são sombras, não são aparências, são realidades concretas e vivas, daí porque a Declaração fez um duplo reconhecimento: Primeiro, que acima das leis emanadas do poder dominante, há uma lei maior de natureza ética e validade universal. Segundo, que o fundamento dessa lei é o respeito à dignidade da pessoa humana, tendo em vista que a pessoa humana é o valor fundamental da ordem jurídica, sendo, portanto, a fonte das fontes do direito.4
Com pequenas diferenças a expressão “dignidade da pessoa humana” hoje se encontra positivado tendo passado a integrar o texto constitucional dos países democráticos e, por exemplar, cabe destacar que a Constituição brasileira alçou-a a dignidade a “princípio fundamental da República” (art. 1°, III), ao lado dos princípios da soberania, da cidadania, dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e do pluralismo político.
Nesse cenário e para exata compreensão do princípio da dignidade suprema da pessoa humana e de seus direitos, é preciso rememorar que os avanços têm sido fruto da dor física e do sofrimento moral como resultado de surtos de violências, mutilações, torturas, massacres coletivos, enfim, situações aviltantes que fizeram nascer consciências e exigências de novas regras de respeito a uma vida digna para todos os seres humanos.5
Foi, claramente, a experiência nazista que gerou a consciência universal de que se devia preservar, a qualquer custo, a dignidade da pessoa humana, como uma conquista de valor ético-jurídico intangível.6
Assim, a dignidade humana é um valor máximo, supremo, de valor moral, ético e espiritual intangível, de tal sorte a afirmar com Paulo Otero, que o mesmo é “dotado de uma natureza sagrada e de direitos inalienáveis, afirma-se como valor irrenunciável e cimeiro de todo o modelo constitucional, servindo de fundamento do próprio sistema jurídico: O Homem e a sua dignidade são a razão de ser da sociedade, do Estado e do Direito”.7
O mais precioso valor da ordem jurídica brasileira, erigido como fundamental pela Constituição de 1988, foi a dignidade da pessoa humana, que, como consectário, impõe a elevação do ser humano ao ápice de todo o sistema jurídico, sendo-lhe atribuído o valor supremo de alicerce da ordem jurídica (art. 1°, III). A dignidade da pessoa humana, pois, serve como mola de propulsão da intangibilidade da vida do homem, dela defluindo o respeito à integridade física e psíquica das pessoas, a admissão da existência de pressupostos materiais (patrimoniais, inclusive) mínimos para que se possa viver e o respeito pelas condições fundamentais de liberdade e igualdade.8
Aliás, a dignidade, como qualidade intrínseca da pessoa humana, não está sujeita a debate, ela existe independentemente de qualquer norma positiva. A qualidade de digno é uma condição da essência e existência do ser humano e, simultaneamente, um condicionante em atuar na sociedade e desse direito inato, decorre todos os direitos personalíssimos.9
Notas
1 Adotada e proclamada pela resolução 217 A (III) da Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948.
2 Antonio Junqueira de Azevedo. Caracterização jurídica da dignidade da pessoa humana. Revista dos Tribunais, vol. n° 797/11.
3 Fabio Konder Comparato. A afirmação histórica dos direitos humanos, p. 210.
4 André Franco Montoro. Cultura dos direitos humanos, p. 28.
5 Fabio Konder Comparato, A afirmação histórica dos direitos humanos. p. 37.
6 Rizzatto Nunes. Manual de filosofía do direito, p. 368.
7 Legalidade e administração pública - O Sentido da vinculação administrativa à juridicidade, p. 254.
8 Cristiano Chaves de Farias. A proclamação da liberdade..., UNIFACS Vol. 4, p. 9.
9 Carlos A. Ghersi. Derecho y reparación de daños, pp. 71-72.