A atividade fiscalizatória do Conselho Tutelar.

Uma análise à luz do ECA, da doutrina e da jurisprudência

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06/10/2020 às 22:20

Resumo:


  • O Conselho Tutelar enfrenta debates sobre suas atribuições, incluindo a fiscalização de eventos públicos para proteger crianças e adolescentes de consumo de álcool.

  • Existe divisão entre especialistas, alguns defendem a competência do Conselho para fiscalizações, enquanto outros argumentam que não é função do órgão, sendo responsabilidade dos comissários da infância e juventude.

  • O Projeto de Lei 1.271/2019, em tramitação no Senado, busca esclarecer a atribuição de fiscalização do Conselho Tutelar, adicionando essa função explicitamente ao ECA.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O presente artigo destina-se a analisar se compete ao Conselho Tutelar a atribuição de fiscalizar o acesso e a permanência de crianças e adolescentes em eventos públicos, bares e congêneres.

1. INTRODUÇÃO

Apesar de passado trinta anos desde a criação dos Conselhos Tutelares pelo Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA e deste, expressamente declarar em seu artigo 131 que a finalidade dos conselhos é zelar pela efetiva garantia dos direitos de meninas e meninos, atuando assim como espécie de fiscal do ECA, as atribuições do Conselho Tutelar ainda geram muito debate e mal entendimento.

As principais atribuições do Conselho Tutelar estão estabelecidas de forma concentrada no artigo 136, onde o legislador estabelece 12 atribuições aos conselheiros e conselheiras. Todavia, as atribuições não se limitam apenas a esta parte do dispositivo legal, estando presentes também no parágrafo único do artigo 18-B e no artigo 191 do estatuto. Ainda assim os questionamentos quanto ao que deve ou não fazer o conselho ainda são comuns, o que demonstra a relevância e a necessidade de se discutir esse tema.

No presente estudo, a dúvida suscitada é se compete ao Conselho Tutelar a atribuição de fiscalizar o acesso e a permanência de crianças e adolescentes em eventos públicos, com o intuito de coibir o consumo de bebidas alcoólicas, além de fiscalizar bares, boates e congêneres.

Este artigo foi produzido exclusivamente a partir de fontes bibliográficas, baseando-se na análise de discussões realizadas por diversos teóricos, da pesquisa nas legislações vigentes e nas jurisprudências disponíveis. A pesquisa bibliográfica é, nas palavras de Antônio Carlos Gil (2010), “desenvolvida com base em material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos.” A escolha por essa técnica baseia-se no objetivo da pesquisa que é, em suma, à análise das diversas posições acerca de um problema: a atividade fiscalizatória Conselho Tutelar.

Há entre os estudiosos do tema os que defendem ser de competência do conselho tutelar realizar essas fiscalizações, mas há também os que criticam essa pratica por entender não ser do conselho tutelar tal atribuição. O presente trabalho é mais um a contribuir para essa discussão sem, contudo a exaurir, longe disso, propondo apenas e tão somente o exercício de reflexão.


2. PARTICIPAÇÃO COMUNITÁRIA PARA A PROTEÇÃO INTEGRAL: A criação do Conselho Tutelar.

O Conselho Tutelar é um órgão público municipal, que tem sua origem na lei, integrando-se ao conjunto das instituições nacionais e subordinando-se ao ordenamento jurídico brasileiro. Ele foi concebido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, estabelecendo de pronto suas diretrizes gerais, assim descritas:

Art. 131. O Conselho Tutelar é órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, definidos nesta Lei.

Art. 132. Em cada Município e em cada Região Administrativa do Distrito Federal haverá, no mínimo, 1 (um) Conselho Tutelar como órgão integrante da administração pública local, composto de 5 (cinco) membros, escolhidos pela população local para mandato de 4 (quatro) anos, permitida recondução por novos processos de escolha. (BRASIL, 1990)

Resultante de umas das 35 emendas que o projeto de Lei que institui o Estatuto da Criança e do Adolescente recebeu quando analisado pelo Congresso Nacional, o Conselho Tutelar deu-se através de um processo radicalmente democrático, buscando, portanto um órgão que estivesse de acordo com a Teoria da Proteção Integral, outra inovação do Estatuto.

O ECA foi a primeira legislação a criar os conselhos tutelares, dentro ainda da ampliação dos entes participativos da defesa dos direitos da criança e do adolescente. Trata-se de uma ideia do desembargador Amaral do TJSC, com a introdução dentro de uma democracia participativa dos conselhos (de direito e tutelares) (WWW.promenino.org.br). Foi pensado inicialmente como conselho da comunidade, onde o poder de decisão seria ainda maior. Ao contrário do anterior código de menores, a participação da sociedade foi repensada, passando a existir órgãos como os conselhos de direitos e os conselhos tutelares. Definidos na integra pelo artigo supra, os conselhos tutelares tem sua função delineada de forma clara e simples em diretrizes institucionais: Infância e juventude. Ministério Público do Estado de São Paulo, 1993, p. 16. (ISHIDA, 2015, p. 16).

È importante ressaltar que a necessidade de criação do Conselho Tutelar se deu com o chamado constitucional em seu artigo 222 a participação da comunidade, junto com a família e o Estado, a assumir a responsabilidade pela proteção da criança e do adolescente e de lutar pelos seus direitos, respeitando sua condição de sujeitos de direitos em situação peculiar de desenvolvimento.

Desta forma, o Estatuto da Criança e do Adolescente ao criar o Conselho Tutelar criou também o instrumento de participação da sociedade na proteção da infância. Sobre isso, Roberto João Elias (2014), em seu livro com comentários ao Estatuto, diz: “o Conselho Tutelar é, por excelência, o órgão que vai representar a sociedade, uma vez que seus membros são por ela escolhidos para atribuições relevantes”. (ELIAS, 2014, p. 181).

Neste mesmo sentido, corrobora Patrícia Tavares, no livro “Curso de direito da criança e do adolescente: aspecto teóricos e práticos”, de diversas autorias e organizado por Kátia Maciel:

Coube, então, ao legislador infraconstitucional, por meio do Estatuto da Criança e do Adolescente, a previsão, no ordenamento jurídico pátrio, de institutos jurídicos capazes de posicionar a família e a sociedade no mesmo patamar do Estado na tarefa de salvaguardar os direitos da população infantojuvenil, (MARCIEL, 2015, p. 488).

O Conselho Tutelar é, portanto, um mecanismo de participação popular, formado por representantes eleitos pelo povo. Os cinco membros do Conselho Tutelar e seus suplentes são escolhidos pela comunidade local, para um mandato de quatro anos, por intermédio de um processo democrático conduzido pelo CMDCA e fiscalizado pelo Ministério Público. Não podem ser nomeados pelo Executivo e nem ter seus mandatos abreviados ou prorrogados.


3. A ATIVIDADE FISCALIZATÓRIA DO CONSELHO TUTELAR: Uma análise à luz do ECA, da doutrina e da jurisprudência

Sem dúvidas um dos principais questionamentos sobre as atribuições do Conselho Tutelar (senão o principal) reside no campo da responsabilidade deste em realizar fiscalização em motéis, bares, festas, shows, bailes e congêneres. No centro deste impasse estão dois pontos da legislação: o artigo 136, inciso IV que traz como atribuição do conselho “encaminhar ao Ministério Público notícia de fato que constitua infração administrativa ou penal contra os direitos da criança ou adolescente” e do artigo 194 que prevê, dentre as possibilidades para o “procedimento para imposição de penalidade administrativa por infração às normas de proteção à criança e ao adolescente” a “representação do Conselho Tutelar”.

Com isso, é comum se exigir que conselheiros e conselheiras tutelares façam rondas ou ações de fiscalização, sob a justificativa de que é do Conselho Tutelar tal atribuição, alegando-se que não haveria sentido em dotar o Conselho Tutelar da atribuição de “oferecer representação à autoridade judiciária” quando da constatação de violação às normas de proteção relativas ao acesso e permanência de crianças e adolescentes em locais de diversão, se a atividade fiscalizatória de tais locais não fosse inerente às atribuições do órgão.

É isso o que defende, por exemplo, o Promotor de Justiça no Estado do Paraná, professor e militante da área da infância e juventude, Murillo José Digiácomo, que em seu ensaio intitulado “O Conselho Tutelar e a fiscalização de bailes, boates e congêneres”, disponível na página do Ministério Público do Paraná, afirma o seguinte:

Com efeito, não haveria sentido em dotar o Conselho Tutelar da atribuição de oferecer representação à autoridade judiciária quando da constatação de violação às normas de proteção relativas ao acesso e permanência de crianças e adolescentes em locais de diversão, se a atividade órgão fiscalizatória de tais locais não fosse inerente às atribuições do órgão. (DIGIÁCOMO, 2012)

Entendimento parecido demonstrou o Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul, ao decidir sobre a legitimidade do Conselho Tutelar para deflagrar a representação. Para o TJMS “é atribuição do Conselho Tutelar fiscalizar irregularidades e representar ao Ministério Público notícia de infração administrativa a que tenha conhecimento, nos termos do art. 136, IV, do ECA”. Senão vejamos:

APELAÇÃO CÍVEL - REPRESENTAÇÃO ADMINISTRATIVA - PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA POR CERCEAMENTO DE DEFESA - SUPOSTA FALTA DE AMPARO LEGAL DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO - OBSERVÂNCIA DO ART. 136, IV, DO ECA - PRELIMINAR AFASTADA - MÉRITO - CONSTATAÇÃO DA INFRAÇÃO PELO CONSELHO TUTELAR - INOBSERVÂNCIA DOS REQUISITOS PREVISTOS NO ALVARÁ - MENORES DESACOMPANHADOS DE RESPONSÁVEIS E INGERINDO BEBIDA ALCOÓLICA - CARACTERIZAÇÃO DA INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA PREVISTA NO ART. 258 DO ECA - RECURSO AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. Não há se falar em nulidade do processo por cerceamento de defesa em razão de uma suposta falta de amparo legal quanto ao procedimento administrativo, porquanto é atribuição do Conselho Tutelar fiscalizar irregularidades e representar ao Ministério Público notícia de infração administrativa a que tenha conhecimento, nos termos do art. 136, IV, do ECA. Configura infração administrativa prevista no artigo 258 do ECA a permissão do acesso e permanência de menores em evento, em total desconformidade com o que estava regulado no alvará judicial e com os objetivos postos no Estatuto da Criança e do Adolescente, que é proteger a formação moral, psíquica e intelectual desses menores."

(TJMS. Apelação n. 0800147-98.2015.8.12.0020, Rio Brilhante, 5ª Câmara Cível, Relator (a): Des. Luiz Tadeu Barbosa Silva, j: 19/07/2016, p: 20/07/2016).

O Ministério Público de Minas Gerais também defende ser do Conselho Tutelar a atribuição de realizar tais atividades fiscalizatórias, essa é a orientação do parquet disponível no guia de perguntas e respostas sobre o conselho tutelar elaborado pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais – MPMG.

Para a promotoria, tais locais em si, já oferecem uma situação de risco as crianças e adolescentes, razão pela qual a legislação prevê inclusive a edição de portarias pelo judiciário para sua regulamentação.

E uma vez presente situação de risco, ainda que iminente, cabe ao Conselho Tutelar fiscalizar esses eventos, não como obrigação de verificar o cumprimento da Portaria ou Alvará Judicial, função essa que cabe ao Comissariado da Infância e Juventude, mas como forma de prevenir e proteger crianças e adolescentes de ameaça ou lesão aos seus direitos. (MPMG, 2019, p. 42).

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Desta forma e com base nos artigos 98, 101, inciso I e 136, incisos I e III do ECA, os promotores concluem que “não há impedimento para fiscalização de eventos dessa natureza por parte do Conselho Tutelar”.

É importante frisar que, além da presunção de risco que justifica a atuação do Conselho Tutelar, tem sido constante nestes locais a venda de bebidas alcoólicas e de substâncias entorpecentes para adolescentes, o que configura crime (art. 243, ECA) e justifica a atuação também da Polícia Militar. Nesses casos, caberá, ainda, ao Conselho Tutelar encaminhar ao Ministério Público notícia da infração penal constatada para ajuizamento de Ação Penal (art. 136, IV, ECA). (MPMG, 2019, p. 42).

Todavia, há entre os que defendem não ser do conselho tutelar tal atribuição. Para essa corrente, o conselho não tem esse poder fiscalizatório por não ser órgão de segurança pública (art. 144 da CF), não tem poder de policia, porque está atribuição não está explicitamente expressa no ECA, ou ainda por acreditarem ser de competência dos comissários da infância que trabalham nos fóruns de justiça.

Para Luciano Betiate, ex-conselheiro tutelar e atual consultor, escritor, palestrante, conferencista e coordenador de seminários sobre Direitos Humanos e temas relacionados à infância e juventude e ao Conselho Tutelar, com a maior bibliografia sobre Conselho Tutelar, não é de competência do conselheiro tutelar tais atividades fiscalizatórias e lembra que o Conselho Tutelar não é e nem pode agir como uma espécie de "polícia de criança", não sendo dele a atribuição de fiscalizar o acesso e permanência de crianças e adolescentes em locais de diversão, nem mesmo na companhia da policia posto que o conselho tutelar não é um órgão de segurança pública.

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I - polícia federal;

II - polícia rodoviária federal;

III - polícia ferroviária federal;

IV - polícias civis;

V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.

VI - polícias penais federal, estaduais e distrital.

Sobre o poder de polícia, tão citado nesta discussão, o mesmo está definido pelo Código Tributário Nacional em seu art. 78:

Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.

Parágrafo único. Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder. (Brasil, 1966)

Entendimento semelhante ao de Betiate é o defendido pelo Ministério Público de Santa Cataria através das Orientações Técnicas: Conselho Tutelar. Documento elaborado pelo Grupo de Trabalho formado pelo Centro de Apoio Operacional da Infância e da Juventude do Ministério Público de Santa Catarina (CIJ/MPSC), Coordenadoria Estadual da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (CEIJ/TJSC), Federação Catarinense de Municípios (FECAM), Conselho Estadual dos Direitos da Criança e Adolescente (CEDCA) e Associação Catarinense dos Conselheiros Tutelares (ACCT). Nessas orientações, defendem não haver “respaldo jurídico” para uma atuação ostensiva do conselho tutelar na realização de fiscalizações:

O exercício do poder de polícia, portanto, é uma faculdade exclusiva da Administração Pública, na qual é permitido restringir atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado.

Não se verifica, assim, respaldo jurídico para a realização de uma fiscalização ostensiva pelo Conselho Tutelar, desprovida de lastros probatórios de fatos que violem os direitos de criança ou adolescente.

Por outro lado, entre as atribuições do cargo de Oficial da Infância e Juventude, o qual pertence ao Quadro de Servidores do Poder Judiciário, está a de fiscalizar “o cumprimento de portaria ou alvará judicial que discipline a entrada e permanência de criança ou adolescente aos locais de diversão, ou sua participação no espetáculo”. (MPSC, 2018, p.66).

Além disso, entende o MPSC não haver orientação expressa no Estatuto da Criança e do Adolescente quanto a essa atribuição de fiscalização por parte do conselho tutelar:

O Conselho Tutelar, por força do art. 95 do Estatuto da Criança e do Adolescente, é um dos órgãos legitimados para fiscalizar as entidades governamentais e não governamentais referidas no seu art. 90, no caso, as entidades de atendimento que prestam serviços de proteção ou socioeducativos.

A execução de todas as demais atividades fiscalizatórias, pelo Conselho Tutelar, todavia, não possui respaldo, uma vez que essa atribuição não se encontra contemplada no rol de atribuições previsto pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.

Denota-se, portanto, que, por serem as atribuições preceituadas no diploma estatutário de natureza taxativa, não seria possível aditar novas incumbências aos membros do Conselho Tutelar, sob pena de assim se incidir em atentado ao princípio da legalidade. (MPSC, 2018, p.64-65).

Entretanto, ressalva o MPSC que na ausência de precisão legal que determine a realização da atividade fiscalizatória de bares e outros locais festivos, é possível que a mesma seja realizada pelo conselho tutelar, desde que sendo uma decisão do colegiado, considerando que a instituição tem autonomia funcional:

Outrossim, o Conselho Tutelar, utilizando-se de sua autonomia funcional, poderá, em decisão do seu colegiado, entender pelo desenvolvimento de ações de fiscalização, sobretudo quando essas ações forem articuladas com toda a rede de proteção. (MPSC, 2018, p.68)

No mesmo sentido, a Resolução nº 170/2014 do Conanda, ao tratar da autonomia do Conselho Tutelar e da sua relação com os demais órgãos do Sistema de Garantias, em seu art. 25, dispõe:

Art. 25. O Conselho Tutelar exercerá exclusivamente as atribuições previstas na Lei nº 8.069, de 1990, não podendo ser criadas novas atribuições por ato de quaisquer outras autoridades do Poder Judiciário, Ministério Público, do Poder Legislativo ou do Poder Executivo municipal, estadual ou do Distrito Federal. (BRASIL, 2014).

Na tentativa de pacificar essa discussão foi que em o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA, em oficio nº 259/06 respondendo a uma consulta da Associação de Conselheiros e Ex-conselheiros Tutelares do Rio Grande do Norte, assim orientou:

Acerca da legalidade ou não de Conselheiro Tutelar ter fiscalizar adolescentes em bares, boates, casas noturnas, bailes, shows e eventos afins, o entendimento do CONANDA é no sentido que o Conselho Tutelar como órgão permanente e autônomo, contencioso não-jurisdicional, encarregado de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, desempenha funções administrativas, nos limites da legalidade. Ademais, não são entidades, programas ou serviços de proteção, previstos nos arts. 87, inciso III a V, 90 e 118, §1º, do Estatuto da Criança e do Adolescente. Suas atribuições estão previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente, não podendo ser instituídas novas atribuições em Regimento Interno ou em atos administrativos semelhantes de quaisquer outros órgãos ou autoridades. Assim é que não compete ao Conselho Tutelar fiscalizar bares, festas, motéis, shows e congêneres, onde eventualmente possam se fazer presentes adolescentes desacompanhados dos pais ou dos responsáveis. Nestes casos, a competência de fiscalizar e tomar as possíveis medidas cabíveis, dentro da legalidade é dos órgãos que por previsão legal, têm “poder de polícia” para realização de tal mister. (CONANDA, 2013).

O Tribunal de Justiça do Maranhão tem entendimento semelhante ao do CONANDA e no Código de Normas da Corregedoria Geral da Justiça do Maranhão, Provimento nº 11, de 8 de outubro de 2013 assim escreveu:

Art. 338. Descabe exigir dos Conselhos Tutelares (Estatuto da Criança e do Adolescente, art.136) a fiscalização do cumprimento das portarias expedidas com fundamento no art. 149 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n° 8.069, de 13 de julho de 1990), por não haver expressa atribuição de tais competências, tampouco tratarem de órgãos administrativamente subordinados à autoridade judiciária (Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 131), sem prejuízo, porém, da colaboração espontânea que, nos termos do art. 136, inciso IV, c/c o art. 194 do mesmo Estatuto, possam vir a prestar. (Maranhão, 2013).

Há ainda os que defendem que tal fiscalização tem como objetivo verificar a presença de crianças e adolescente em “bailes, boates e congêneres”, em desacordo com as disposições de portarias judiciais expedidas para regulamentar o acesso a tais locais, nos moldes do disposto no art. 149, inciso I, do ECA.

Art. 149. Compete à autoridade judiciária disciplinar, através de portaria, ou autorizar, mediante alvará:

I - a entrada e permanência de criança ou adolescente, desacompanhado dos pais ou responsável, em:

a) estádio, ginásio e campo desportivo;

b) bailes ou promoções dançantes;

c) boate ou congêneres;

d) casa que explore comercialmente diversões eletrônicas;

e) estúdios cinematográficos, de teatro, rádio e televisão.

II - a participação de criança e adolescente em:

a) espetáculos públicos e seus ensaios;

b) certames de beleza. (BRASIL,1990).

Dessa forma, a competência para a fiscalização deve ser dos Comissários da Infância e Juventude. O Comissário de Justiça é o analista com especialidade que atua exclusivamente nos juízos com competência em infância, juventude e idoso, em assessoria direta ao magistrado. Como integrante da equipe técnica, compete-lhe fornecer subsídios às decisões judiciais por meio de relatórios, informações, ocorrências e fiscalizações, visando assegurar os direitos de crianças, adolescentes e idosos.

Na maioria dos fóruns país a fora, o ingresso no cargo se dá por concurso público, há, no entanto outros em que o cargo é exercido por meio de programas de voluntariado de acordo com a legislação especifica para este tipo de atuação. Vale com tudo ressaltar que os comissários da Infância e Juventude em nada se confundem com antigos “Comissários de menores”.

No Maranhão, as atribuições dos comissários estão regulamentadas na resolução 03/2017 do Tribunal de Justiça do Estado que regulamenta a descrição das atribuições dos cargos de provimento efetivo do Poder Judiciário do Estado do Maranhão. Sobre os comissários, diz a resolução:

Descrição sumária das atribuições do cargo: realizar atividades de nível intermediário relacionadas a detenção, fiscalização, investigação e condução de menores. Exemplos de tarefas inerentes ao cargo: atender o público em geral; participar de comissões, quando designado, e de treinamentos diversos de interesse da administração; deter ou apreender menor abandonado ou infrator, apresentando-o de imediato ao Juiz ou a outra autoridade competente; lavrar auto de infração à lei de assistência e proteção ao menor; fiscalizar, nos termos da legislação específica, a entrada e permanência de menor em casas de diversão, bares, emissoras de rádio ou televisão, ginásio esportivo, cabarés ou congêneres, bem como desempenhar outras atividades correlatas ou atribuições que possam vir a surgir, da mesma natureza e nível de complexidade, compatíveis com sua área de atuação, conforme determinação do superior hierárquico responsável pela unidade de trabalho. (Maranhão, 2017).

Para os que defendem não ser atribuição do Conselho Tutelar fiscalizar bares e outros ambientes semelhantes, o conselho deverá agir sempre que provocado, por meio de denúncia, devendo o conselho averiguar a denúncia e, confirmando, relatar ao ministério público ou diretamente a autoridade judiciária.

Neste caso ainda, verificando o conselho que para a realização de tal diligência (para averiguação da denúncia) sua própria proteção está em risco, pode o conselho requisitar o apoio da polícia ou de outro órgão responsável pela segurança.

Contudo, não obstante as atribuições dos Oficiais da Infância e Juventude, identificada situação de irregularidade, especialmente quando houver violação de direito de criança e adolescente, o Conselho Tutelar pode ser acionado para requisitar serviços e aplicar as medidas de proteção necessárias. (MPSC, 2018, p.66).

No entanto, é importante destacar que essa discussão se aproxima do fim e com uma intervenção do congresso nacional. Isso porque está tramitando no senado federal o projeto de lei sob o número 1.271 de 2019 (PL 1.271/2019) de autoria do senador Izalci Lucas (PSDB-DF). O projeto de lei original propunha acrescentar o art. 71-A ao ECA, conferindo livre acesso nos eventos públicos e privados aos agentes ou comissários de proteção da infância e juventude.

O projeto é inspirado em legislação estadual do Acre, mais especificamente a Lei n° 2.961, de 14 de maio de 2015, conhecida como Lei Maria Tapajós, que determinou que agentes de proteção da infância e da juventude credenciados passassem a ter livre acesso locais em que ocorram eventos, shows ou espetáculos dançantes, bem como casas noturnas, boates, bares, cinemas, teatros, estádios de futebol, ou locais congêneres, bastando para tanto exibir sua credencial no local de entrada, independente de escala de serviço.

PROJETO DE LEI N° 1271, DE 2019

O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º Esta Lei acrescenta o art. 71-A à Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências, conferindo livre acesso nos eventos públicos e privados aos agentes ou comissários de proteção da infância e juventude.

Art. 2º A Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 71-A:

“Art. 71-A Fica assegurado ao agente ou comissário de proteção da infância e juventude devidamente credenciado, independente de escala de serviço, o livre acesso aos locais em que ocorram eventos, shows ou espetáculos dançantes, bem como casas noturnas, boates, bares, cinemas, teatros, estádios de futebol ou locais congêneres, bastando para tanto exibir sua credencial no local de entrada”. (NR)

Art. 3º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação. (SENADO FEDERAL, 2019)

Contudo, o texto original foi alterado na comissão de Educação que teve como relator o senador Styvenson Valentim (Podemos-RN), explicitando que seria o conselho tutelar quem faria a fiscalização, inclusive com a alteração sendo realizada no art. 136 que trata das atribuições do conselho tutelar, no texto original estava no art. 71 que trata sobre prevenção.

No parecer o senador Styvenson, a comissão aprovou o texto com o seguinte substituto:

Art. 1º Esta Lei acrescenta art. 136-A à Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, para conferir livre acesso aos membros do Conselho Tutelar, para fiscalização, a eventos públicos e privados.

Art. 2º A Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, passa a vigorar acrescida do seguinte Art. 136-A:

“Art. 136-A. Fica assegurado ao membro do Conselho Tutelar o livre acesso, para fiscalização, aos locais em que ocorram eventos, shows ou espetáculos dançantes, bem como casas noturnas, boates, bares, cinemas, teatros, estádios de futebol ou locais congêneres, devendo, para tanto, o representante exibir sua credencial no local de entrada, comprovar estar no exercício de sua função, bem como permanecer no local apenas o tempo estritamente necessário para a devida fiscalização.”(NR). (SENADO FEDERAL, 2020)

Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Com isso, em sendo aprovada a legislação, acredita-se que de uma vez por todas, encerrar-se-á essa discussão, passando a constar no rol de atribuições do Conselho Tutelar a fiscalização de bares, boates e congêneres. Até lá segue essa verdadeira “queda de braço”.

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Artigo elaborado para obtenção do título de Especialista em Direito da Criança e do Adolescente e Políticas Públicas pela UNIBF.

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