2. DA VÍTIMA DO TRÁFICO DE PESSOAS
2.1. O Perfil sociológico da vítima do tráfico para fins sexuais.
Como visto, o tráfico de pessoas, embora extremamente perverso, é uma das atividades ilegais mais lucrativas no mundo, perdendo, apenas, para o tráfico internacional de drogas, movimentando 2,5 milhões de pessoas e mais de US$ 32 bilhões por ano, dos quais 80% são provenientes da exploração sexual de mulheres. Tratando-se de grave crime, articulado internacionalmente em uma estrutura de crime organizado, é importante notar que os dados existentes sobre o tema nem sempre representam fielmente a realidade, sendo possível que haja submapeamento dos casos. (BRASIL, 2013e).
Segundo pesquisa realizada pelo Escritório das UNODC – Nações Unidas Sobre Drogas e Crime, concluída em 2009, sabe-se que 66% das vítimas do tráfico são mulheres, 13% meninas e apenas 12% homens e 9% meninos. De acordo com um estudo norte-americano (Protection Project), cerca de dois milhões de mulheres e crianças são traficadas anualmente. Há dados que apontam para o fato de que no mínimo 120 mil mulheres são levadas ilegalmente à Europa Ocidental com a finalidade de serem sexualmente exploradas, inclusive comercialmente. (BRASIL, 2013e)
Já entre os anos de 2007 e 2010, os casos de tráficos chegaram ater 75% de suas vítimas em mulheres, adolescentes e crianças. Este dado é revelado pelo Relatório Global do UNODC , segundo o qual o tráfico de pessoas é um crime com uma forte conotação de gênero, e que mulheres adultas são a principal parcela das vítimas identificadas (BRASIL, 2013b, p. 90).
Por sua vez, os dados do Disque 100 da Secretaria de Direitos Humanos trazem também informações importantes relativas ao perfil das vítimas de tráfico de pessoas que figuram nas denúncias recebidas pelo órgão. Com relação ao sexo das vítimas, por exemplo, observa-se uma concentração consideravelmente maior de mulheres do que de homens em todos os anos. No ano de 2013 essa concentração de mulheres foi, inclusive, muito superior à dos dois anos anteriores. Do total de casos em que o sexo da vítima foi informado (184 do total de 309 casos do ano), em 135 as vítimas foram mulheres, o que corresponde a 73,4% dos casos. (BRASIL, 2013d)
De acordo com estimativas da Federação Internacional Helsinque de Direitos Humanos da ONU – Organização das Nações Unidas, o Brasil contribui para agravar o panorama do tráfico e exploração sexual comercial com cerca de 75 mil mulheres que são levadas para a União Europeia, representando 15% do total de mulheres exploradas nesses países. Por isso, o Brasil detém o título de maior “exportador” de mulheres para fins de exploração sexual comercial da América do Sul. (BRASIL, 2013e)
Desta feita, as políticas públicas e a construção do marco legal brasileiro devem avaliar criteriosamente a real situação de vulnerabilidade das pessoas aliciadas pelo tráfico, para fins de exploração sexual, que pode ser identificada pela fragilidade dos vínculos sociais, laborais, familiares e/ou psicológicos.
Cumpre assinalar que, costumeiramente, é imposta à mulher determinada posição na sociedade que se concretiza em sua personificação como cuidadora do lar, reprodutora, mãe e esposa. A concepção do homem como o responsável emocionalmente e financeiramente estabelece relações de poder entre os sexos. Nesse diapasão, mulheres, tanto adultas como crianças e adolescentes, são incentivadas a atender os anseios e demandas do homem ou de qualquer outra pessoa que exerça hierarquia sobre elas. A história mostra, com clareza, a situação de inferioridade da mulher.
Nesse espeque, as relações sociais de gênero e as assimetrias decorrentes, portanto, assumem papel relevante para a configuração desse crime, pois o tráfico de seres humanos para fins de exploração sexual tem como principais vítimas mulheres e meninas, indicando que essa grave violação aos direitos humanos afeta desproporcionalmente pessoas do sexo feminino, expondo-as a maior risco. (BRASIL, 2013e)
Observa-se, então, uma maior incidência do tráfico de mulheres e meninas que, para além dos fatores econômicos, se alimentam também da relação de opressão de gênero as quais são sujeitas na sociedade movida pelo lucro, o que as fazem ser as principais vítimas do tráfico, como forma de continuidade a um processo de violência a que estão submetidas. Desse modo, grande parte das mulheres exploradas pelo tráfico sexual possuem um histórico anterior de violência: violência sexual, abusos, violência física, tanto no âmbito familiar como social, uso precoce ou forçado de drogas.
Noutro giro, dentre as principais causas do tráfico de pessoas para fins de exploração sexual, o Relatório da OIT (2005) cita a pobreza, o desemprego, a falta de educação e de acesso ao conhecimento. Nesta modalidade, as mulheres atingidas pela pobreza são particularmente mais vulneráveis.
Em relação à pobreza, o Relatório da OIT (2005) considera que não seria o único fator determinante da entrada das vítimas nesse tipo de exploração, mas sim um dos mais importantes, ao afirmar que “A pobreza faz com que as pessoas se submetam às ações dos traficantes por força da necessidade de sobrevivência, em razão da falta de perspectivas de vida futura.”.
Antes de ser aliciada pelos traficantes, a maioria das mulheres provém de municípios de baixo desenvolvimento socioeconômico, situados no interior do País. Dentre as que vivem em capitais ou em municípios localizados nas regiões metropolitanas, a grande maioria mora em bairros e áreas suburbanas ou periféricas. Tais mulheres, não raro, sofrem diferentes tipos de violência intrafamiliar (abuso sexual, estupro, sedução, atentado violento ao pudor, abandono, negligência, maus tratos, dentre outros) e extrafamiliar (os mesmos, e outros tipos de violência em escolas, abrigos, em redes de exploração sexual e em outros tipos de relações); as famílias também apresentam quadros situacionais difíceis (violência social, interpessoal e estrutural) vulneráveis frente à fragilidade das redes protetoras (família/ estado/sociedade). (LEAL e LEAL, 2006, p. 120)
De acordo com a pesquisa jornalística desenvolvida na Pestraf e as entrevistas realizadas pelos pesquisadores, as mulheres ficam entusiasmadas com a possibilidade de juntarem muito dinheiro no exterior, a principal arma de sedução dos traficantes, de conquistarem um trabalho estável e com a atraente possibilidade de rápido enriquecimento. (LEAL e LEAL, 2006, p. 120)
Os dez estudos de caso realizados com mulheres e adolescentes que vivenciaram situação de tráfico, vide Pestraf, apontam dois tipos antagônicos para a mulher/ adolescente aliciada: (a) o da pessoa ingênua, humilde, que passa por grandes dificuldades financeiras, e por isso é iludida ou enganada com certa facilidade; (b) o da mulher que tem o “domínio da situação”, avalia com toda clareza os riscos e dispõe-se a corrê-los para ganhar dinheiro. (LEAL e LEAL, 2006, p. 121)
Embora ilegal, a exploração da prostituição alheia é oferecida em “negócio restrito relacionado com o sexo”. Grupos poderosos e organizados de criminosos controlam a indústria do sexo e estão também no centro do tráfico de pessoas. A Pesquisa da OIT esclareceu mecanismos e formas de coerção envolvidos, nos quais as vítimas atendem a ofertas de emprego aparentemente legítimos, para só depois se inteirar da real natureza das atividades delas esperadas. (OIT, 2005)
Nesse contexto, Ary (2009, p. 55) explica que os traficantes atuam de forma organizada em três etapas distintas, porém conectadas: primeiro, ocorre a captação da vítima nos países de origem, valendo-se de diversos artifícios, como anúncios em jornais, internet e revistas locais, oferecendo empregos no exterior ou possibilidade de casamento, ou ainda explícitas ofertas para o exercício da prostituição. Também pode acontecer por uma aproximação pessoal com a vítima, quando o traficante ganha sua confiança e, posteriormente, oferece a possibilidade de ascender, nos aspectos profissionais e pessoais, em algum país desenvolvido.
Esta etapa de captação pode ainda ser implementada mediante força física, rapto, ameaça ou outras formas de coação (GERONIMI apud ARY, 2009, p. 55-56).
A segunda etapa é a do transporte, traslado e recepção no país de destino, sendo que os métodos de exploração não estão excluídos dessa fase. Adotam formas de transporte diversas, mostrando, assim, a natureza dinâmica e a logística apurada desses grupos criminosos, haja vista que se adequam aos controles migratórios, às leis penais dos países de origem, trânsito e destino, às formas de corromper funcionários estatais, assim como ao cenário da adequação da demanda por seu trabalho forçado, nas mais diversas destinações. Destarte, podem adentrar em território estrangeiro de forma clandestina ou aparentemente legal, haja vista que, em muitos casos, utilizam documentos falsificados (GERONIMI, 2002, p. 13. apud ARY, 2009, p. 56).
A última fase consiste na chegada ao país de destino, onde a vítima será vilmente explorada, [...]. Ao ser subjugada e obrigada a prestar serviços contrários ao seu desígnio, normalmente essa pessoa é mantida em cárcere privado. Seu passaporte e documentos de viagem geralmente são confiscados, passa por constantes ameaças de deportação ou de represálias contra pessoas da família, sofre violência física, [...]. As organizações criminosas prestam serviços ilegais específicos e essenciais ao sucesso da operação, como a falsificação dos documentos da vítima, seu alojamento, etc (GERONIMI apud ARY, 2009, p. 56).
E dessa forma se estabelece o caráter escravizante da exploração sexual, que mesmo inicialmente se apresente em dois perfis de vítimas mulheres (a que é aliciada por inocência e a que é atraída pela promessa de enriquecimento), esta diferença se resta anulada quando do fim das etapas, uma vez que ambas são transformadas igualmente em escravas sexuais.
Desta forma e como já dito, a discussão acerca da validade ou não do consentimento se resta prejudicada, uma vez que ninguém pode consentir com a própria transformação em coisa, o que representa a anulação completa dos direitos da personalidade integrantes da dignidade da pessoa humana.
De acordo com a PESTRAF (apud LEAL e LEAL, 2002, p. 109), ficou evidenciado um retrato bastante cruel do fenômeno, que é tragicamente encoberto pelo silêncio e pela indiferença da própria rede de proteção social. Seja pela complexidade dos casos ou pela investigação ineficaz, os aparelhos de combate ao crime e de promoção da justiça acabam por não reunir elementos para agir de forma mais contundente frente aos episódios constatados, gerando arquivamento de processos.
O tratamento dispensado a esse “ser humano mercadoria” é estabelecido de forma fria e indiferente, pois, além do processo de atração e controle do lucro do trabalho, assume livremente o extermínio ou eliminação da pessoa que ameace o esquema funcional e o lucro da rede. Trata-se, portanto, de uma ação marginal, criminosa e ilegal, que conta com o apoio de vários segmentos e instituições sociais, inclusive legais, para atingir seus propósitos. (LEAL e LEAL, 2002, p. 109)
Diante deste cenário, o tráfico de pessoas é tido como o máximo desrespeito aos direitos inalienáveis do ser humano, segundo a Organização das Nações Unidas. Tendo em vista que a identidade pessoal não se perde, independentemente das condições degradantes as quais a pessoa esteja submetida, esta não perderá seus direitos e prerrogativas básicas como pessoa humana. (FÉLIX e LORO, 2015, p. 652)
2.2. O Tráfico, a Violação Da Dignidade Da Pessoa Humana e a importância dos tratados internacionais.
Muitos são os direitos violados quando alguém é traficado, liberdade, dignidade sexual são apenas alguns breves exemplos. No entanto, todos esses direitos bebem em um principio máximo, que é a dignidade da pessoal humana. Assim sendo a ideia de dignidade humana fica severamente ameaçada de decomposição quando se fala em tráfico de pessoas
Prefacialmente cumpre assinalar, de acordo com Sarlet (2002, p. 22), que a dignidade da pessoa humana é uma qualidade intrínseca, inseparável de todo e qualquer ser humano, é característica que o define como tal. Concepção de que em razão, tão somente, de sua condição humana e independentemente de qualquer outra particularidade, o ser humano é titular de direitos que devem ser respeitados pelo Estado e por seus semelhantes. É, pois, um predicado tido como inerente a todos os seres humanos.
Qualquer ato que promova a afronta à dignidade desqualifica o ser humano, possibilitando a caracterização deste como objeto, instrumento, coisa, violando a essência da própria natureza humana.
Como visto, a finalidade do tráfico de pessoas consiste na exploração de qualquer natureza, neste caso para fins sexuais. Baseia-se em ganhar dinheiro com a pessoa traficada, transformando-a em objeto para comércio e exploração. A renda obtida com o tráfico de pessoas é contínua, advinda da exploração.
A “coisificação” do ser humano quando este é traficado, abre um extenso leque de crimes os quais abrangem todas as nações do planeta nos mais diversos graus. Importante salientar a questão de gênero levantada pelo expressivo número de pessoas do sexo feminino, nas mais diversas faixas etárias, que é traficada principalmente para a prática da prostituição. (FÉLIX e LORO, 2015, p. 652)
Nesse contexto, insta destacar, a importância da criação das Nações Unidas em outubro de 1945, tendo como dois dos seus objetivos principais facilitar a cooperação em matéria de direito internacional e de direitos humanos. (FÉLIX e LORO, 2015, p. 652)
A Declaração Universal de Direitos Humanos (The Universal Declaration of Human Rights), que dá a diretriz para os princípios de direitos humanos fundamentais e das liberdades que devem ser garantidos a todas as pessoas, foi adotada pelas Organizações das Nações Unidas (ONU) no ano de 1948. A preocupação com a positivação dos direitos e garantias mínimos inerentes aos seres humanos, expressa nessa Declaração Universal, serviu como um complemento aos ideais e propósitos defendidos pelas Nações Unidas. (FÉLIX e LORO, 2015, p. 653)
Preceitua a Declaração Universal de Direitos humanos em seu artigo 1º “Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade.”.
Ademais, em seu artigo 4º, no que concerne ao tráfico de pessoas, a Declaração Universal exprime que: “Ninguém será mantido em escravidão ou servidão, a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas.” (FÉLIX e LORO, 2015, p. 653)
O tráfico de pessoas, segundo o julgamento da ONU, é o mais grave desrespeito aos direitos humanos que pode ser perpetrado contra uma pessoa. A vítima tem uma degradação de sua dignidade, afora a privação da sua liberdade de circulação. (FÉLIX e LORO, 2015, p. 653)
Nesse espeque, Flávia Piovesan (2009, p. 207) declara que:
A partir da Declaração Universal de 1948, começa a se desenvolver o Direito Internacional dos Direitos Humanos, mediante a adoção de inúmeros tratados internacionais voltados à proteção de direitos fundamentais. Forma-se o sistema normativo global de proteção dos direitos humanos, no âmbito das Nações Unidas. (PIOVESAN, 2009, p. 207)
A autora explica, ainda, a formação de um sistema internacional fundada na importância da dignidade da pessoa humana como valor que norteia o universo de direitos:
É no valor da dignidade da pessoa humana que a ordem jurídica encontra seu próprio sentido, sendo seu ponto de partida e seu ponto de chegada, na tarefa de interpretação normativa. Consagra-se, assim, dignidade da pessoa humana como verdadeiro super princípio a orientar o Direito Internacional e o Interno. (PIOVESAN, 2004, p. 92) (grifo nosso).
Numa rápida síntese dos artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, algumas das graves violações a tais direitos, perpetradas pelo tráfico de pessoas são: violação do direito à vida; à liberdade; à igualdade; à segurança pessoal; violação ao direito de não ser submetido à escravatura ou à servidão; a não ser submetido à tortura; tratamentos cruéis; desumanos ou degradantes; o não reconhecimento da personalidade jurídica; o direito a não sofrer intromissões arbitrárias na vida privada, na família, no domicílio ou na correspondência; direito de livremente circular e escolher a residência no interior de um Estado; direito de abandonar o país em que se encontra, incluindo o seu e o direito de regressar ao seu país; direito à segurança social; direito de exigir a satisfação dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis; direito ao trabalho, à livre escolha do trabalho, a condições equitativas e satisfatórias de trabalho; direito ao repouso e aos lazeres; a uma limitação razoável da duração do trabalho; direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar. (FRINHANI, 2015, p. 509)
A violação de todo esse rol de direitos pode ser verificada no tráfico de pessoas. Em pleno século XXI o mundo volta a discutir o tráfico de seres humanos. Tema que poderia parecer fora de pauta em razão de todos os tratados de direitos humanos que se multiplicaram após a Segunda Guerra Mundial, o tráfico de pessoas vem ganhando espaço na sociedade contemporânea. (FRINHANI, 2015, p. 509)
Em breve retrospectiva histórica é possível analisar alguns dos mais importantes tratados internacionais que dão garantias e brindam proteção às pessoas em situação de tráfico, baseados nos direitos humanos.
A Declaração e Programa de Ação de Viena, documento final da II Conferência Mundial das Nações Unidas sobre Direitos Humanos (Viena, 1993), reconhece que “a violência e todas as formas de abuso e exploração sexual, incluindo o preconceito cultural e o tráfico internacional de pessoas, são incompatíveis com a dignidade e valor da pessoa humana”, devendo, portanto, ser eliminadas. (CAMPOS, 2016, p. 43)
Data também de 1993 o outro documento do sistema ONU que reconhece o tráfico como violência contra a mulher. Nesse sentido, estabelece o artigo 2° da Declaração sobre a Eliminação da Violência contra a Mulher, adotada por resolução da Assembléia Geral de 20 de dezembro de 1993, que a violência abarca “a violência física, sexual e psicológica que ocorra na comunidade, incluindo (...) o tráfico de mulheres e a prostituição forçada.” (CAMPOS, 2016, p. 43)
No que se refere aos direitos da mulher, outro tratado internacional de suma importância é a Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (1979), em vigor desde 1981. (CAMPOS, 2016, p.43)
Finalmente, há ainda a possibilidade de que o tráfico de pessoas seja um crime contra a humanidade. No rol das figuras criminais listadas no artigo 7° do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, consta que:
“[...] entende-se por ‘crime contra a humanidade’, qualquer um dos atos seguintes, quando cometido no quadro de um ataque, generalizado ou sistemático, contra qualquer população civil, havendo conhecimento desse ataque:
c) escravidão;
g) agressão sexual, escravatura sexual, prostituição forçada, gravidez forçada, esterilização forçada ou qualquer outra forma de violência no campo sexual de gravidade comparável;” (CAMPOS, 2016, p. 45)
O mesmo artigo 7°, parágrafo 2°, explicita que por “escravidão” se entende o exercício de um poder ou de um conjunto de poderes que traduzam um direito de propriedade sobre uma pessoa, “incluindo o exercício desse poder no âmbito do tráfico de pessoas, em particular mulheres e crianças.” (CAMPOS, 2016, p. 45)
No que se refere, em especial, ao contexto do tráfico para fins de exploração sexual, muitos direitos básicos das mulheres são violados, como por exemplo, o direito a estar livre de todas as formas de discriminação. (GAATW, 2006, p. 14)
Os direitos humanos das mulheres e de meninas são inalienáveis, integrais e interdependentes no contexto de direitos humanos universais [...] os direitos humanos das mulheres devem ser parte integral das atividades das Nações Unidas, incluindo a promoção de todos os instrumentos de direitos humanos que se relacionam às mulheres”. Esta recomendação, a partir da Declaração de Viena 1993 de Direitos Humanos, representa o primeiro reconhecimento oficial pela comunidade internacional que os direitos das mulheres são direitos humanos. (GAATW, 2006, p. 14-15)
Nessa ótica, Dizer que ‘os direitos das mulheres são direitos humanos’ não é reivindicar ‘direitos especiais para mulheres’. Ao contrário, é um reconhecimento de que as mulheres têm os mesmos direitos humanos dos homens. (GAATW, 2006, p. 15)
Derradeiramente, momentoso frisar que não é suficiente que o Estado coíba a desigualdade social existente e as várias formas de violência contra pessoas em situação vulnerável, é, sim, imprescindível que ele assuma a promoção efetiva da igualdade real, de tal sorte que se opere uma verdadeira transformação de comportamento nas relações sociais. Conforme afirma Joaquim Barbosa (2003):
A insuficiente atitude estática e passiva do Estado em não discriminar cede, portanto, lugar a uma necessária noção dinâmica e intervencionista em busca de uma igualdade material, ou substancial, a partir da qual são devidamente pesadas e avaliadas as desigualdades concretas existentes na sociedade, de sorte que as situações desiguais sejam tratadas de maneira dessemelhante, evitando-se assim o aprofundamento e a perpetuação de desigualdades engendradas pela própria sociedade. (LEAL et al., 2007, p. 46-47)
O Estado tem o dever de atuar ativamente no sentido de criar meios para mitigar as desigualdades sociais e, de modo preferencial, daqueles que mais precisam (minorias raciais, étnicas e sexuais). (LEAL, et al., 2007, p. 47)
O enfrentamento ao tráfico de pessoas para fins sexuais deve equiparar-se aos tratados internacionais de direitos humanos, que consagram normas guiadas à salvaguarda de proteção dos direitos da pessoa humana. O respeito e a proteção do ser humano tem que ser foco das iniciativas antitráfico adotadas pelos Estados.