6. Considerações Finais
Diante desta perspectiva, a proposta pós-moderna deve ser analisada com cuidado. Modelos de sociedades como os que concebemos atualmente, principalmente em países periféricos como o Brasil, não comportariam sem graves injustiças sociais a completa perda da normatividade da Constituição enquanto pacto fundante e legitimador da ordem social.
No entanto, a crítica pós-moderna traz em seu seio a necessidade de conscientização da complexificação da sociedade atual, do reconhecimento de sua pluralidade. Assim, um novo conceito jurídico de Constituição deveria ter em mente a necessidade de abrir a um diálogo com regras tidas atualmente como extra-legais. Em outras palavras, efetivamente deveria acolher as informalidades normativas ou regulativas dos diversos grupos sociais; mas, ao mesmo tempo, deveria também obedecer a alguns requisitos básicos, tais como:
a) estas auto-regulações devem constituir expectativas mais ou menos regulares de comportamentos;
b) estas auto-regulações devem ter conexão imediata com as normas jurídico-constitucionais;
c) estas auto-regulações devem ter um fundamento de validade jurídica legitimadas por um processo de constituição da vontade da maioria.
Trata-se, em suma, de definir juridicamente a Constituição como um sistema normativo aberto de regras e princípios legítimos do ponto de vista das expectativas dos diversos atores sociais. Assim, poderíamos compreendê-la como um pacto com força normativa vinculante e dirigente (tal como concebido em suas origens modernas), ao mesmo tempo em que dialoga com os acontecimentos do mundo do ser (respondendo à crítica pós-moderna). Teríamos, desta forma, a possibilidade do diálogo da normatividade universalizante próprio da modernidade com as informalidades cotidianas e tópicas de um meio social revelado pela pós-modernidade.
Notas
1. In PARDO, David Wilson de Abreu. Caminhos do Constitucionalismo no Ocidente: Modernidade, Pós-modernidade e Novos Conceitos. Texto não publicado.
2. Seguindo a argumentação de ROUANET, utilizamos a expressão "Ilustração" em substituição à expressão "Iluminismo". Segundo este autor, a Ilustração representa "(...) a corrente de idéias que floresceu no século XVIII", enquanto que o Iluminismo designa "(...) uma tendência intelectual, não limitada a qualquer época específica, que combate o mito do poder a partir da razão. Nesse sentido, o Iluminismo é uma tendência trans-epocal, que cruza transversalmente a história e que se atualizou na Ilustração, mas não começou com ela, nem se extinguiu no século XVIII. A Ilustração aparece assim como uma importantíssima realização histórica do Iluminismo, certamente a mais prestigiosa, mas não a primeira, nem a última. Antes da Ilustração, houve autores iluministas, como Luciano, Lucrécio e Erasmo; depois dela, autores igualmente iluministas como Marx, Freud e Adorno." In ROUANET, Sergio Paulo. As Razões do Iluminismo. São Paulo: Cia. das Letras, 1992. p. 28.
3. In PARDO, David Wilson de Abreu. Op cit., p. 04.
4. Segundo ROUANET, a partir desta perspectiva, "A modernidade já nasceu no bojo de uma crise, que levou à fragmentação da cultura em três esferas independentes a ciência, a moral e a arte (...)." In ROUANET, Sergio Paulo. Op. cit., p. 23. Sobre esta fragmentação, vide ainda HABERMAS, Jürgen. Teoria de la Acción Comunicativa. Madrid: Taurus, 1987. v. 1.; e SANTOS, Boaventura de Souza. Para um novo senso comum a ciência, o direito e a política na transição paradigmática. São Paulo: Cortez, 2000. v. 1: A crítica da razão indolente contra o desperdício da experiência, especialmente o primeiro capítulo.
5. Segundo Casullo, "La Revolución Francesa, inscribe, política y socialmente, el ya enunciado discurso de la Ilustración. La revolución, ahora en París, habla la modernidad desde la experiencia del pueblo, desde las muchedumbres: desde esa extensión, masificación racionalizada, de la figura del sujeto." In CASULLO, Nicolás. El debate Modernidad Posmodernidad. 2. ed. Buenos Aires: Puntosur, 1989, p. 27.
6. In CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Livraria Almedina, 1997. p. 46.
7. BOBBIO, Norberto, MATTEUCI, Nicola e PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. 9. ed. Brasília: Universidade de Brasília, 1997. p. 247.
8. In BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 1979. p. 10-12
9. BASTOS, Celso Ribeiro. Op. cit., p. 11.
10. Vide HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia. Rio de Janeiro: Tempo Universitário, 1997. v. II, p. 193-305.
11. Segundo BARACHO, o constitucionalismo moderno coloca como finalidade essencial a preservação da dignidade humana. Como princípios, estão dois pressupostos fundamentais: o império da lei e a soberania do povo. In BARACHO, José de Oliveira. Teoria Geral do Constitucionalismo. Revista de Informação Legislativa. Brasília, a. 23, n. 91, p. 05-62, jul./set. 1986.
12. In LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de la Constituición. Barcelona: Editorial Ariel, 1986. p. 150.
13. In CANOTILHO, J.J. Gomes. Op. cit., p. 45 e 46.
14. In CANOTILHO, J.J. Gomes. Op. cit., p. 45 e 46
15. Segundo BONAVIDES, os direitos fundamentais de quarta geração seriam aqueles introduzidos pela era da Globalização política na normatividade jurídica e consolidar-se-iam nos direitos à democracia (direta), à informação e ao pluralismo. São, portanto, direitos de participação. In BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 515-531.
16. Vide HABERMAS, Jürgen. Op. cit., p. 204.
17. In GUERRA FILHO, Willis Santiago. O Estado de Direito e o Judiciário na Pós-modernidade. Nomos Revista do Curso de Mestrado em Direito da UFC, Fortaleza, v. 11/12, n. 1-2, p. 17, jan./dez. 1993.
18. In GUERRA FILHO, Willis Santiago. Op. cit., p. 15.
19. Vide ROTH, André-Noel. O Direito em Crise: Fim do Estado Moderno. In FARIA, José Eduardo (org.). Direito e Globalização Econômica: Implicações e Perspectivas. São Paulo: Malheiros, 1996. p. 15-27.
20. Vide HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia, p. 204-210.
Bibliografia
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